Zé Roberto ataca de escritor e explica apelido "Zé Mijão"
Feliz com a volta ao País, o jogador ainda fica temeroso com a falta de segurança e com os casos de seqüestro envolvendo familiares dos jogadores, mas acredita que o seu sonho irá superar qualquer medo desse tipo.
Além de iniciar um novo ciclo na sua vida dentro de campo, Zé Roberto também começa um novo projeto fora dos gramados. O meio-campista lançou um livro que conta todas as dificuldades que passou para chegar ao seu objetivo de se tornar um jogador de futebol profissional.
Na entrevista concedida ao Terra, Zé Roberto fala sobre as situações inusitadas que viveu na Alemanha, sobre Seleção Brasileira, as dificuldades vividas neste retorno ao Brasil. O jogador conta também histórias engraçadas que estão presentes em seu livro, como a do apelido de "Zé Mijão" que recebeu quando tinha apenas dez anos de idade.
Terra - Você havia afirmado que demoraria um tempo para se readaptar ao futebol brasileiro. Após o jogo com o Flamengo, você foi o mais elogiado em campo. Você acredita que já conseguiu essa readaptação?
Zé Roberto - A adaptação ela veio muito rápida, mais do que eu esperava. Mas acho que ainda falta aprimorar minha parte física, porque eu não estou ainda não estou 100%. Mas jogando de quarta e domingo, com certeza eu vou me recuperar durante os jogos.
Terra - No momento, enquanto muitos jogadores estão saindo do País, você decidiu voltar. Qual o motivo dessa troca, já que você ainda vinha sendo bastante elogiado após a Copa e tinha várias propostas na Europa?
Zé Roberto - Eu fui um jogador que saí muito cedo do país, joguei muito pouco aqui. Eu consegui trilhar uma carreira muito boa na Europa, conquistei muitos títulos, reconhecimento, mas eu sempre achei que ficou faltando algo na minha carreira aqui no Brasil. Eu preferi voltar neste momento, em que eu saí de uma Copa do Mundo valorizado, apesar da derrota. Também tem a questão da minha família, meus filhos nasceram na Alemanha e tinham muito pouco contato com o Brasil. Então, tudo calhou para eu voltar agora.
Terra - Mas você não se preocupa com a falta de segurança do País? Por exemplo, o Robinho quando foi para Europa, ele já tinha afirmado que não queria mais permanecer no Brasil, por causa do seqüestro da mãe dele. Você não tem nenhuma preocupação de seqüestro ou coisas desse tipo com a sua família aqui?
Zé Roberto - É claro que a gente fica temeroso. Eu não posso falar que eu não tenho medo. Mas eu sempre tive muito fé em Deus, eu sei que minha família e minha vida está sendo guardada por ele. Eu acredito que não adianta andar o tempo todo com um segurança, até porque eu não me sinto bem. Mas é claro que isso pesou um pouco na minha decisão. Mas como eu tinha muita vontade de estar voltando para o Brasil, dar seqüência a minha carreira aqui, não é a insegurança que tem aqui no País, que vai impedir de eu trilhar esse caminho aqui no Brasil.
Terra - E seus filhos e sua mulher já se adaptaram bem ao retorno para o Brasil ou ainda tem algum problema para eles compreenderem o idioma?
Zé Roberto - Eles se adaptaram bem. Meu filho estudava em um colégio internacional na Alemanha, mas diariamente sempre falava português em casa, com a minha mulher que é brasileira. Mas eles, assim como eu, ainda estão se adaptando a viver com essa falta de segurança, que atemoriza a todos os brasileiros e, com certeza, nós também.
Terra - A torcida do Santos costuma cobrar muito quando os resultados não aparecem. Principalmente pelo passado glorioso, na era de 60, com Pelé, Pepe e muitos outros. O Luxemburgo costuma reclamar muito disso, de que os torcedores pegam muito no pé dos jogadores. E teve agora a situação com o Fábio Costa (o goleiro discutiu com torcedores após o empate com o Fluminense). Por enquanto, você está bastante prestigiado com os torcedores, mas você teme acontecer o que aconteceu com ele, de a torcida partir para cima de você?
Zé Roberto - Eu temo, se não tiver o respeito, como aconteceu com o Fábio Costa. Eu acho que a cobrança sempre existe, nós temos que estar preparados para isso, pois vivemos de bons e maus momentos. Quando você estiver bem, vai ser sempre elogiado, e quando estiver mal, vão sempre existir as cobranças e as críticas. A gente tem que estar preparado para esses dois lados. E eu sempre estive preparado, sempre vivi minha carreira dessa forma. As críticas quando aparecem, elas sempre me ajudaram a crescer e os elogios que são sempre bons. A única coisa que eu não estou acostumado é ser desrespeitado. A torcida tem que entender e respeitar quando você termina um jogo, no qual você não ganhou que o time lutou para conseguir a vitória. Ninguém entra em campo para perder. Eu vi esses dias o que aconteceu aí com o Tite. Isso é uma coisa que não existe. São coisas que me deixam triste de estar voltando ao Brasil e ver isso. Na Alemanha, um país onde eu joguei por muito tempo e vivi sempre fui respeitado pelas pessoas, que me viam como um profissional. Eu acho que isso falta muito no Brasil. Eu acredito que isso só vai acontecer quando nós nos impormos, quando a imprensa não ficar dando espaço a esses torcedores, e sim, cobrar o respeito da parte do torcedor com o jogador. O Tite voltou para casa, parecendo que era um marginal, isso não existe. Isso é muito constrangedor, imagine o filho, a esposa dele, vendo aquelas imagens das pessoas querendo te agredir, isso é chato para qualquer pessoa.
Terra - Você já viveu alguma situação inusitada nessa volta? Você tinha que falar outra língua com os alemães. Já se pegou falando alemão em campo aqui no Brasil ou já confundiu o nome de algum jogador do Santos?
Zé Roberto - No último jogo, eu confundi o nome do Wellington (Paulista). Fiquei chamando de Wesley. Chamei ele duas vezes de Wesley, aí ele chegou para mim e falou: "Zé, não é Wesley não, é Wellington". Mas essas confusões aconteciam mais na Copa. Quando acabou o Campeonato Alemão, nós nos apresentamos para fazer os treinamentos e eu pedia a bola em alemão e confundia um pouco os outros jogadores.
Terra - E na Alemanha, você viveu alguma situação engraçada? Você passou muito tempo lá, tanto no Bayer Leverkusen como no Bayern de Munique.
Zé Roberto - Engraçado é quando você chega, você não fala bem a língua, os costumes são todos diferentes. Quando eu não tinha intérprete perto, uma vez eu fui comprar sabonete líquido em um supermercado e acabei comprando um creme líquido. Eu fui para ducha, aí comecei a passar no corpo, foi quando percebi que aquele sabonete líquido não saía, aí que vi que era creme. Essas coisas você confunde. Para você pedir uma carne em um açougue, você tem que fazer gestos. Isso acontece no início. São coisas que acho que muitas pessoas que vão viver fora do País passam.
Terra - Você está vivendo em Santos agora. Já deu para conhecer a cidade, você costuma sair lá ou sua família está aqui em São Paulo?
Zé Roberto - Por enquanto é muito cedo. Faz muito pouco tempo que eu voltei para o Brasil, estou morando em Santos agora, mas ainda não tive oportunidade de sair. Eu sou uma pessoa que gosto muito de praia, mas está difícil de pegar uma praia. A gente quase não tem tempo livre, porque passa muito tempo concentrado, já que os jogos são de quarta e domingo. Mas quando eu tiver um tempo livre, eu quero conhecer a cidade, porque falam muito bem de Santos.
Terra - Qual a principal dificuldade que você encontrou no futebol nesse retorno ao Brasil? Qual a diferença para o futebol alemão?
Zé Roberto - As dificuldades que eu mais encontrei, voltando a jogar depois de quase 10 anos aqui no Brasil, são as faltas. Aqui no Brasil você encosta no jogador, o juiz já marca a falta. Eu estranhei bastante, porque na Alemanha isso não existe. Lá se usa muito o contato corporal e para o juiz dar uma falta tem que ser grave. Aqui, qualquer empurrãozinho já é marcada a falta. É uma coisa que eu estou voltando a me acostumar. Não é uma crítica a arbitragem, mas é algo que é totalmente diferente da Alemanha.
Terra - Você está iniciando uma nova fase com o lançamento do seu livro ("Colhendo frutos em terra seca"). Eu queria que você contasse um pouco sobre o que fala esse livro.
Zé Roberto - Eu resolvi editar ele e trazer para o Brasil, já que a primeira tiragem não foi feita por mim e sim por um escritor alemão, que fez uma biografia sobre a minha vida, porque soube das dificuldades desde quando eu iniciei a minha carreira. Eu quis trazer ele para o Brasil porque muitas pessoas que gostam de futebol e admiram o atleta, não conhecem sua vida fora de campo. Vê o jogador de futebol, acha que levou uma vida fácil, que chegou aonde chegou por sorte. Eu costumo dizer que na minha vida, a sorte não teve nada a ver com isso. Eu tive muitas dificuldades, mas fui abençoado por Deus, tenho muita fé em Deus. E eu fiz esse livro para as pessoas que sonham, porque hoje em dia eu vejo que muitos jovens encerraram seus sonhos, por causa das dificuldades. O livro fala diretamente para essas pessoas, que eu também sonhei um dia em me tornar um jogador profissional.
Terra - Você acha que esse livro pode levar os jovens a seguir o caminho do futebol ou do que sonharem em fazer?
Zé Roberto - É esse o principal ponto e a minha intenção. Eu quero ver se consigo fazer parcerias com escolas e colégios da periferia de São Paulo, até do Brasil todo. Como eu cresci na periferia, eu tive muitas dificuldades. Vi a criminalidade crescer aos meus olhos e nunca tive apoio de ninguém. A única coisa em que eu me espelhava era uma mãe que tinha dois empregos. Meu pai saiu de casa, ela tinha de cuidar de cinco filhos e se desdobrava. Jamais ela se entregou, porque sabia que eu tinha um talento. Ela jamais enterrou esse meu talento e nunca se desesperou na hora dos desesperos. Sempre foi uma pessoa que teve fé que um dia eu poderia ser um jogador de futebol. Essa é a intenção do livro, mostrar que eu consegui mesmo com todas as dificuldades, de ser criado sem pai, de onde eu morar existir muita criminalidade, muitos amigos meus da infância nem vivem mais. Isso vai ajudar e trazer uma esperança para muitos jovens que querem ajudar a sua família e querem ter um futuro.
Terra - Você chegou a ficar tentado a ir para a criminalidade durante a sua infância e juventude?
Zé Roberto - Com certeza. Onde eu morava, na periferia da zona leste de São Paulo, eu vivia brincando de futebol, bolinha de gude, peão, soltando pipa na rua e rolavam muitas drogas lá, como acontecem em muitas periferias hoje. Muitos dos jovens, como eu, que não tem um recurso, uma ajuda, a tendência é sempre ir para o lado da criminalidade. Você vê um ladrão, um traficante, adquirindo bens e a tendência são os jovens seguir aquele caminho, porque querem alguma coisa para a vida deles também. Muitos dos meus amigos, que brincavam comigo na infância, passaram para essa vida. A maioria nem está mais viva, porque decidiram ir para o mundo da criminalidade. Como eu sempre me espelhei na minha mãe e acredito que por esse motivo eu não decidi seguir aquele caminho.
Terra - Você me contou que essas dificuldades também têm um lado engraçado. Você falou sobre uma história da época em que jogava no Pequeninos do Jóquei (clube da capital paulista)...
Zé Roberto - Eu comecei no Pequeninos do Jóquei, com sete anos. No começo minha mãe me levava, mas quando eu tinha meus nove, dez anos, eu conseguia me locomover sozinho. Eu tinha treino de sábado e jogo de domingo. Mas como a parte financeira complicava para eu pegar as conduções, eu treinava no sábado, ficava na casa de um dos meus amigos e voltava com os pais deles no domingo. Teve uma situação engraçada, que um dia eu fui dormir na casa de um desses meus amigos e acordei no outro dia todo molhado, quando levantei o cobertor e fui olhar, eu tava todo "mijado". Para que meus amigos não soubessem e não levassem para os outros, eu peguei e escondi o lençol. Só que molhou o colchão e os pais desse meu amigo contaram para ele. Para piorar minha situação, no outro fim-de-semana todos ficaram sabendo e quando eu voltei a treinar me apelidaram de "Zé Mijão". Tem essa história e outras engraçadas também no livro. Eu tenho recebido muitas cartas e e-mails de pessoas que estão gostando e sendo tocadas pelo testemunho da minha vida.
Terra - Voltando para sua carreira. Você pretende continuar a jogar por mais quanto tempo?
Zé Roberto - É difícil eu falar em aposentadoria ou estar terminando a carreira, porque eu acabei de terminar uma Copa do Mundo, com 32 anos, no auge da minha carreira. E a tendência é se não tiver nenhuma lesão grave é continuar por mais alguns anos.
Terra - Você pretende voltar para Seleção Brasileira ou já encerrou o ciclo?
Zé Roberto - Eu sempre tracei metas na minha carreira. Quando me profissionalizei, meu pensamento, meu objetivo foi sempre vestir a camisa da Seleção Brasileira. Por causa da minha persistência, dos bons trabalhos que eu fiz nos clubes em que joguei, eu sempre estive na Seleção. Prova disso é que eu tenho mais de dez anos servindo a Seleção, mais de cem convocações, mais de 75 jogos. Mas, no momento, voltei para o Brasil, me recuperei da lesão, portanto a minha cabeça está somente voltada para o Santos, já que o time está em busca de mais um título brasileiro. Quanto a Seleção acho que vai ficar mais para frente talvez, não sei. No momento é difícil ficar falando de Seleção, sendo que eu estou iniciando a minha volta para o Brasil, fazendo a minha readaptação. Seleção é conseqüência.
Terra - O que você acha da entrada do Dunga como técnico da Seleção? Você já trabalhou com ele, foi companheiro de Seleção, inclusive, na Copa de 1998. Você acha que dará certo?
Zé Roberto - Eu acho que sim. A CBF está apostando em uma renovação na Seleção Brasileira. A vinda do Dunga e os jogos que ele iniciou o trabalho foram muito bem feitos. Eu acredito que tem tudo para dar certo. Mesmo porque o ciclo de jogadores no Brasil é amplo e ele (Dunga) vai ter muitas opções para formar a equipe para o próximo Mundial.
Terra - Falando do assunto Copa do Mundo. Qual a derrota sofrida para França foi mais sofrida para você: a de 98 ou a desse ano?
Zé Roberto - Eu acho que a desse ano, porque meu pensamento era de ser campeão. Passar pela França e ir para próxima fase. Ter perdido atuando é diferente.
Terra - Na época em que você estava sendo convocado nas Eliminatórias, muitas pessoas da imprensa falavam que você não deveria atuar como titular, que tinham jogadores com mais capacidade. Essa visão da imprensa mudou totalmente após a Copa do Mundo. Você tem mágoa de alguém, por causa das críticas que recebia antes, já que conseguiu dar a volta por cima na Copa do Mundo e provou que tinha espaço naquele grupo?
Zé Roberto - Não, não tenho mágoa de forma alguma. É como eu te falei, as críticas me fizeram crescer bastante, me fizeram continuar buscando meu espaço. Eu acho que a resposta você tem que dar dentro de campo e procurei fazer isso.
Terra - Então, você nunca foi afetado por essas críticas da época das Eliminatórias? Essas críticas chegavam a você na Alemanha?
Zé Roberto - O Brasil não tem só um treinador, ele tem milhares de treinadores. E esses torcedores queriam sempre colocar jogadores com poder mais ofensivo e sempre procuravam citar e tirar nomes. E um desses nomes para ser tirados, às vezes aparecia o meu.
Terra - Você disse que não pensa em aposentadoria, mas tem vontade de jogar em algum outro clube aqui do Brasil. A Portuguesa, onde você começou a carreira, ou algum outro time que você sempre sonhou em jogar?
Zé Roberto - Não, por enquanto não tenho esse desejo. Meu desejo era estar voltando para o Brasil, em uma equipe vitoriosa, de expressão. Hoje, eu estou no Santos, estou feliz de estar realizando esse meu sonho. Eu quero dar seqüência a essa carreira vitoriosa que eu tive na Europa, quero ter uma carreira vitoriosa aqui no Brasil também.
Comentários