Médicos sob a mira do Sincofarma
O presidente do Sincofarma, Ricardo Cristaldo, 56, diz que não é de hoje que os laboratórios seduzem médicos para impor suas marcas. “O que eles ganham com isso?”, repete, ao sugerir que os profissionais receberiam presentes como moeda de troca pelo serviço. No Estado há cerca de 1,2 mil farmácias filiadas ao Sincofarma, mas a prescrição com endereço certo é comum na Capital e em Várzea Grande, onde estão 280 delas.
Cristaldo frisa que a ‘briga’ dos farmacêuticos não é contra os preços baixos praticados pelos estabelecimentos indicados pelos médicos. “Queremos que os preços baixos se ampliem para todos. Pobre não tem plano de saúde e não paga consulta particular”, lembra, ao afirmar que o benefício exclui os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Na denúncia aos órgãos competentes, o sindicato não cita nomes, mas insinua que os remédios com descontos se concentram em uma rede de farmácias.
Dor de cabeça - Queda acentuada nas vendas é o principal sintoma já diagnosticado pelo sindicato. De acordo com mapeamento da entidade, o conluio entre médicos e laboratórios é mais comum em medicamentos para tratamento de pele, pulmão, pressão arterial com valores entre R$ 50 e R$ 500.
Os antidepressivos também estão nessa lista. “80% dos médicos se acham Deus e 20% tem certeza”, desabafa, quando se refere ao abuso, segundo ele, exercido pelos profissionais perante o paciente. Cristaldo entende que os médicos derrapam na ética quando se unem a laboratórios para “tolher a liberdade do paciente” na hora da compra.
O sindicalista acredita que além da interferência do Conselho Regional de Medicina, o setor encontrará ajuda na Justiça. “O Sincofarma entende que se existe gordura para queimar, que o preço seja reduzido para todas as farmácias e não canalizado para apenas uma rede”, defende Cristaldo.
A ética médica - Aguiar Farina, que preside o CRM, insiste em afirmar ser antiético que médicos mantenham vínculo com indústrias farmacêuticas. “O médico tem que ter autonomia para receitar e não pode indicar farmácias, Condenamos essa prática”. Ao comentar a denúncia do Sindicato das Farmácias, o médico diz que “a grande maioria não faz isso”. Farina admite que entre os profissionais há conhecimento da prática. “Sabemos que um outro ou outro pratique, por ignorância, acredito”. Jantares estão entre os brindes dados pelos fabricantes.
O presidente diz que o Sincofarma não forneceu nomes ou provas contundentes, mas foi anexado ao ofício enviado ao CRM, cópia de uma receita cujo medicamento oferece 50%. “A cópia dessa receita não serve como prova”, avisa Farina. “Se isso existe tem que ser denunciado. O mau médico tem que ser punido”, garante, ao insistir na necessidade de nomes para abertura de sindicância e apuração dos fatos.
Por que não os genéricos? -Para não deixar de atender o cliente antigo, o farmacêutico Hamilton Domingos Teixeira, 37, no bairro Cidade Alta, vai até as farmácias privilegiadas pelos laboratórios e compra os medicamentos. Isso prova que nem todos obedecem o que querem os médicos. “Uma situação dessa deixa a gente constrangido.
O grande culpado é o laboratório porque exerce uma pressão violenta”, opina. Farmacêutico faz 12 anos, Teixeira entende que ao induzir o paciente a comprar medicamento de determinados fabricantes, os médicos distorcem o interesse social da cura. “Eu tenho que ajudar o paciente a conseguir a cura pelo menor preço possível”, disse ao condenar a indução de marcas. “Tem pacientes que mesmo com cartão de outra farmácia vem aqui pela confiança que tem”, completa.
O farmacêutico conta que em um dos casos constatados por ele, o médico teria dito ao paciente para não comprar medicamento genérico, mas somente o original prescristo por ele. “Ele disse que os genéricos não prestam. Se não prestassem não estariam no mercado. Fui até o consultório com o paciente e pedi que o médico fizesse essa afirmação por escrito, mas ele se recusou”, conta.
Remédio pelo 0800 - Foi ao deixar um consultório, onde foi procurar ajuda médica para um problema no pulmão, que a funcionária pública F.O, 40, descobriu que compraria o medicamento direto de um laboratório. “O pneumologista me deu o número, liguei e me cadastrei para pegar o medicamento em uma farmácia com desconto”, explica. Após a ligação, a funcionária pública já estava credenciada para comprar o remédio por R$ 57. Nas farmácias não incluídas na lista indicada pelo laboratório, o mesmo produto custa ao consumidor R$ 97; R$ 30 reais a mais.
Ao saber da denúncia das farmácias contra esse tipo de prática F. foi taxativa. “Não tenho interesse de aparecer. Estou sendo beneficiada. Se falar vou expor meu médico”, justifica. A consumidora diz também não acreditar que os médicos não recebem nenhuma gratificação pela indicação de determinadas marcas.
“Convênio” se restinge a duas redes - A reportagem da Gazeta comprovou que os descontos de até 50% são restritos a duas redes de farmácia de Cuiabá. Ao pesquisar preços de medicamentos para tratamento de pulmão, por exemplo, de laboratório suiço, o atendente comentou o desconto de 50%, mas exigiu o cartão do fabricante. “Só o médico pode dar o cartão”, insiste o funcionário, diante da insitência da repórter em comprar apenas com a receita. “Qualquer médico que indique esse remédio”, assegura, quando pedimos sugestão de um profissional “conveniado” com laboratórios.
A mesma prática comprovou-se ainda em medicamento para tratamento de pele.
Nesse caso, o fabricante é nacional e o desconto oferecido é 30%. No verso do cartão o fabricante avisa que o “cartão deve ser distribuído única e exclusivamente pelo médico”. O cartão não traz nomes, apenas divulga o número do telefone da rede credenciada para concessão dos descontos. Fora da rede, o paciente paga o dobro pelo mesmo medicamento.
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