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Nacional
Sábado - 22 de Julho de 2006 às 11:32

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Foram cinco dias consecutivos e mais de 55 horas de julgamento até que conhecesse o resultado do julgamento de Suzane von Richtofen e dos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, réus confessos pelas mortes do casal Manfred e Marísia von Richtofen, pais da jovem. Suzane e Daniel, que eram namorados à época do crime, em outubro de 2002, foram condenados a 39 anos de prisão em regime fechado e mais meio ano em regime semi-aberto cada um. Cristian teve um ano a menos de pena. Os advogados dos três prometem recorrer das sentenças, na esperança de diminuir um pouco o tempo de prisão.

Quem acompanhou as sessões no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, teve a impressão, em vários momentos, de estar diante de um enredo de ficção. Cada um que esteve ali, entre réus, advogados e testemunhas, contou a sua história, em sua maioria incompatível com os fatos. A materialização do crime foi apresentada em fotos da perícia e do Instituto Médico Legal, que mostraram corpos desfigurados e o real tamanho da tragédia. A apresentação destas fotos foi o momento em que a ficção abriu espaço para a medida do que aconteceu naquela noite, em que o casal foi espancado com bastões até a morte.

A segunda-feira, primeiro dia de julgamento, foi reservada para que o juiz Alberto Anderson Filho ouvisse os acusados. Daniel, Cristian e Suzane, orientados por seus advogados, se preocuparam em tentar demonstrar que não partiu deles a idéia das mortes, que cada um detalhou à sua maneira.

Primeiro a falar, Daniel deu detalhes do crime, disse que o casal desaprovava o seu namoro com Suzane. Afirmou que a namorada jogou ele contra os pais dela e que cometeu o crime por amor, já que não conseguia ficar longe de Suzane e os pais da jovem passaram a ser um obstáculo intransponível. Inquirido pelo advogado Mauro Nacif, que defendeu Suzane, em um determinado momento passou a não responder mais às perguntas. Do crime para cá, envelheceu fisicamente, mostra um certo arrependimento, mas não consegue uma explicação plausível para tamanha violência.

Em seguida, foi a vez de seu irmão, que, segundo todos os relatos, se juntou aos dois nos momentos que antecederam o crime, mas nem por isso foi mais brando. Marísia, que ele confessou ter matado, foi a que apresentava maiores sinais de violência no corpo. Numa tentativa desesperada de quem está à beira da condenação, ele afirmou que participou do crime, mas quem executou as mortes foi o seu irmão, o que a perícia afirma ser impossível, já que uma pessoa sozinha não conseguiria praticar tamanho ato de violência. Minutos antes, Daniel também tinha chamado para si a culpa. Os dois se emocionaram durante os depoimentos e choraram. Se não um choro de arrependimento, um choro de quem estava prestes a ser preso. Posteriormente, depois de ouvir mais um choro, o da mãe, que também foi ouvida pelo juiz, Cristian recuou e confessou que foi o responsável pela morte de Marísia.

Suzane foi a terceira a falar. Como disse alguém na sala de julgamento, parecia contar trechos do capítulo da novela de ontem. Todo o tempo ela procurou se manter a uma distância segura dos fatos. Falou bem dos pais, que teve carinho em casa, que o pai era "mão aberta", e que vivia em uma família feliz. Por que cometeu o crime? Por amor incondicional a Daniel, que, segundo ela, foi quem sugeriu que seus pais fossem mortos. Ela não se opôs e deu as condições para que o crime se realizasse - desde abrir a casa para os assassinos, até fornecer os meios materiais para que o fato fosse executado, de luvas cirúrgicas até as toalhas molhadas que foram responsáveis pela asfixia que encurtou a vida dos pais. Não parece arrependida.

Além dos três condenados, chamou a atenção a presença de um "quarto" autor, um tal de "espírito do Nego". Segundo Suzane, uma pessoa com esse apelido, amigo dos Cravinhos, morreu tempos atrás e o seu espírito atormentava Daniel. Inclusive teria sido ele quem propôs a Daniel a morte dos pais de Suzane. Segundo relato, para que o casal ficasse junto, o espírito sugeriu a Daniel que houvesse um sacrifício. O sacrifício em questão era justamente a morte do casal. Suzane disse que acreditava na história, que tal espírito realmente existia.

Chamou também a atenção o depoimento de Andreas, irmão de Suzane. Disse que era muito apegado à irmã, mas, em um determinado momento, depois do crime, já não conseguia nem mais olhar para ela. "Ainda tá difícil aceitar uma atitude dessas". "Se ela diz que tanto me ama, porque fez isso?", pergunta. Andreas conta que o tempo todo Suzane tentou atrapalhar o inventário dos bens dos pais e que ela mandou contar até os talheres da casa, para que nenhum objeto fosse retirado sem seu consentimento. "São recursos e mais recursos e o inventário não sai do lugar", disse.

O depoimento da mãe dos irmãos, Nadja Cravinhos, também se destacou. Apesar do discurso ensaiado com o advogado, seu choro de mãe foi tocante. Pediu a justa condenação dos filhos, cada qual pela sua participação no crime. Seu choro teria feito com que Cristian revisse a sua história e prestasse um segundo depoimento, agora sim, confessando que matou Marísia.

Uma agente penitenciária, de nome Marisol, também despertou a atenção. Ela afirmou categoricamente que "Suzane não mente". Foi até ameaçada de prisão por falso testemunho, já que não há como provar algo tão subjetivo. Acuada, ela que se auto-intitula católica fervorosa e diz ter apresentado Jesus a Suzane. Marisol ficou nervosa no restante do depoimento e pouco mais acrescentou.

O segundo depoimento de Cristian foi o momento mais tenso dos cinco dias. Chorando compulsivamente, ele contou tudo o que fez, talvez no momento de maior franqueza de todos os depoimentos. Cai a máscara e aparece um pouco da verdade.

Os advogados de defesa de Suzane e dos irmãos foram um caso à parte no julgamento. Adid Geraldo Jabur, 72 anos, defensor dos Cravinhos, adotou uma linha mais serena e, desde o começo, disse que queria ver os seus clientes condenados na medida do que fizeram. Passou boa parte do tempo discutindo com Mauro Nacif, 61 anos, defensor de Suzane, que adotou uma linha de ator teatral.

Não foram poucas as vezes que Nacif provocou risos da platéia, apesar da gravidade dos fatos, com a sua performance. Com tosse, ameaçou "escarrar" no chão, irritou juiz e promotores com perguntas fora de propósito e repetidas, e seguiu a máxima do "eu vim aqui para confundir a não para explicar". Passou o tempo todo dizendo que tinha uma "bomba" para os oito - depois sete - minutos finais de sua fala e que essa "bomba" ajudaria na absolvição de Suzane. Porém, no fim, nada havia.

O que aconteceu naquela noite, na casa da Rua Zacharias de Góis, no Campo Belo, talvez nunca se saiba exatamente. O cárcere e o passar dos anos pode trazer algo além do que foi dito nestas pouco mais de 55 horas e nas 3.228 páginas do processo. A impressão que fica é que, justiça feita, ainda falta aparecer a verdade.





Fonte: Terra

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