764 mulheres denunciam violência dos Maridos
A alta frequência de casos de estupro e espancamento não dá a elas, em Mato Grosso, a certeza de que, se denunciarem a violência, terão o devido acolhimento. Embora essa discussão não seja inédita, vítimas da força masculina ainda contam com poucos e incipientes serviços e eles estão concentrados quase que apenas na Capital.
A única exceção é a Delegacia Especializada da Mulher, já que há outras duas similares em Rondonópolis (198 km de Cuiabá) e Barra do Garças (494 km da Capital).
Atendimento hospitalar estruturado para este fim é exclusividade do Hospital Universitário Júlio Müller (HUJM). A assistente social Priscila Batistuta, responsável pelo serviço, explica que a tendência é ampliá-lo e que todos os hospitais de Cuiabá já estão obrigados a notificar casos, por força da lei 4830, de 18 de janeiro deste ano.
A lei diz que vítimas de abuso sexual devem obrigatoriamente ter acesso ao exame de corpo delito no Instituto Médico Legal (IML) para que agressores sejam criminalizados e ao coquetel anti-aids e outras doenças sexualmente transmissíveis, como a hepatite B.
Diz ainda que têm direito à pílula do dia seguinte e, se uma gravidez não for evitada, o HUJM é também a única referência em abortos autorizados pela justiça.
É também no HUJM que mulheres vítimas de violência se reúnem uma vez por mês. Orientadas por psicólogos e assistentes sociais, fazem terapia coletiva na luta pela recuperação de traumas.
A Casa de Amparo, mantida pelo município, também recebe apenas vítimas da Capital. A unidade é uma "ilha" provisória e segura, onde mulheres e crianças podem ficar o tempo necessário, entre o dia da denúncia e a reestruturação da vida.
A diretora da unidade, Eliana Vitaliano, afirma que ali os casos são de risco real, de perseguição e possibilidade de homicídio. Que as internas, enquanto esperam por audiências, têm a oportunidade de aprender um ofício.
A dificuldade de acesso a esses serviços reparadores, para a diretora de políticas especiais da Prefeitura de Cuiabá, Ana Claudia Drumond, é um desestímulo à denúncia.
Justamente por não saber se teria a devida proteção, Márcia (nome fictício), 28, suportou por 11 anos "o inferno". A história dela expõe as vísceras deste problema social ainda tão negligenciado. Como está escondida, a reportagem não pode revelar onde a entrevistou.
Mostrando-se agora mais forte, ela começa a contar que na adolescência conheceu o marido, um caminhoneiro, mais velho do que ela quase duas décadas. Ainda não tinha 20 anos, quando resolveu ir morar com ele. De família muito pobre, diz ter acreditado que comida, teto e um certo bem querer eram suficientes para manter a união até o fim.
Porém o temperamento violento do marido não demorou muito para se manifestar.
No final do trágico casamento, Márcia contabiliza incontáveis estupros, surras, ameaças. Mas tem esperanças de poder recomeçar.
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