Algodoeiros de MT comprometem-se a combater o trabalho escravo
O Instituto Algodão Social (IAS) lançou, nesta quinta-feira (13), em São Paulo, a "Carta do Algodão com Responsabilidade Social", em que as boas relações de trabalho e a responsabilidade social passam a ser normas nos contratos trabalhistas firmados pelos algodoeiros do Mato Grosso. O documento foi assinado em reunião anual do setor chamada de "Clube da Fibra" e é dirigido também ao governo federal e organizações da sociedade civil. O princípio da carta é a proibição do trabalho forçado ou análogo ao de escravo. No evento, o instituto também anunciou a ampliação de suas ações à esfera federal, com o apoio da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa).
Criado no final de 2005 pela Associação Mato-Grossense de Produtores de Algodão (AMPA), o IAS orienta agricultores a como agir de acordo com a legislação trabalhista. O instituto foi fundado para atender a exigências de compradores, entre eles europeus, que pediam garantias de que não havia irregularidades na produção do algodão do Mato Grosso.
A pressão internacional começou depois que fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontraram graves irregularidades trabalhistas em várias fazendas do estado, inclusive trabalho análogo à escravidão, fazendo com que alguns produtores fossem incluídos na "lista suja" do trabalho escravo. Nessa relação, figuram empregadores que comprovadamente utilizaram esse tipo de mão-de-obra em suas empresas.
Com base na lista, foi identificada a cadeia produtiva do trabalho escravo no Brasil, mostrando o escoamento de mercadorias das fazendas até atingir o mercado consumir brasileiro e internacional. O algodão foi um dos produtos mapeados. De posse dessas informações, indústrias, varejo e exportadores firmaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, organizado pelo Instituto Ethos e a Organização Internacional do Trabalho. Comprometeram-se, assim, a atuar no combate ao trabalho escravo em suas cadeias produtivas.
Marketing
De acordo com José Pupin, produtor de algodão e presidente do instituto, o IAS tem trabalhado para regularizar as condições de trabalho no campo. Segundo ele, desde outubro de 2005, as cinco equipes móveis do IAS visitaram 247 fazendas no Mato Grosso, e emitiram um relatório para cada proprietário explicando como se enquadrar às normas trabalhistas brasileiras. De acordo com filiados da AMPA, caso as fazendas não adotem as recomendações, depois de um prazo de 180 dias, elas correm o risco de serem expulsas da associação. Perderiam, assim, o apoio na exportação de sua produção e em financiamentos bancários.
Animados com o lançamento da carta, produtores de algodão vêem a atuação do Instituto como agregação de valor e maior competitividade de sua mercadoria no mercado internacional. "Isso é um marketing que iremos utilizar", conta Gilson Pinesso, algodoeiro e vice-presidente do IAS. Dentro dos planos para o próximo semestre de 2006, o Algodão Social anuncia a tentativa de certificação de algumas fazendas dentro da norma internacional Social Accountability 8000 (SA 8000). A certificação, fornecida por uma organização não-governamental sediada nos Estados Unidos, garante que a empresa e seus fornecedores mantêm boas relações de trabalho com seus empregados.
Interpretações divergentes
Apesar de frisar o combate à escravidão em suas ações, o IAS se negou a assinar o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. "Nós não vamos assinar esse pacto porque nós não temos trabalho escravo. Nós temos irregularidades que estamos sanando", sustenta Pupin.
A afirmação, contudo, vai de encontro às informações fornecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que relaciona produtores de algodão do Mato Grosso na "lista suja", como as fazendas Brasília, no município de Alto Garças, Leonardo, em Itiquira, Maringá, em Novo São Joaquim, e Piva, em Tapurah.
O conceito de trabalho escravo adotado pelos dirigentes do IAS também contradiz os parâmetros da OIT e do MTE. Para Félix Balaniuc, diretor-executivo do Instituto, "escravo, tecnicamente, é aquele que é propriedade de uma outra pessoa. É comprar uma pessoa e integrar ao patrimônio do proprietário". Contudo, durante sua exposição no "Clube da Fibra", Patricia Audi, coordenadora do projeto de combate ao trabalho escravo da OIT Brasil, afirmou que a nova escravidão se caracteriza pela soma de um trabalho degradante, com coação, e a privação do direito de ir e vir. "Não há liberdade principalmente por causa da servidão por dívidas, do isolamento geográfico e, muitas vezes, de guardas armados que impedem a fuga."
A forma de combate à escravidão adotada pelo governo federal e pela sociedade civil também é outro ponto criticado pelos produtores de algodão. De acordo com João Carlos Jacobsen, presidente da Abrapa, a divulgação de que há trabalho escravo no país prejudica a agricultura brasileira. "O Brasil é um dos poucos países do mundo que fala mal de si próprio", argumenta Jacobsen. Para a coordenadora da OIT, entretanto, no exterior o país é visto bons olhos quando se fala de combate à escravidão: "o Brasil, hoje, é um exemplo a ser seguido", avalia. A Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), em documento sobre o combate a esse crime, afirma que não acabar com o trabalho escravo é que prejudica a imagem do Brasil no exterior. "As ameaças de restrições comerciais serão levadas a cabo se o país não fizer nada para resolver o problema.", diz o documento.
Apesar das divergências, Pupin garante que a atuação do IAS transformará o desrespeito às leis trabalhistas em algo do passado. "Nós cometemos erros? Sim, isso é realidade. Mas não foi por má fé. Foi por falta de informação, de conhecimento. Agora, nosso foco é fazer a coisa certa", defende o presidente do Instituto.
De acordo com o Anuário de Comércio Exterior da consultoria Análise, o algodão foi o 31º produto na pauta de exportações do país em 2004, representando 0,4% do total ou 406 milhões de dólares. Porém, teve um aumento de 116% com relação a 2003, quando foram exportados 188 milhões. O país concorre com a China, o maior produtor mundial, citada por organismos internacionais devido a graves problemas na área trabalhista. Os produtos têxteis, por sua vez, estão em 19º colocado no ranking, totalizando 1,44 bilhão de dólares de vendas ao exterior naquele ano.
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