Zé Roberto: "quando o hino toca enxergo meu passado de dificuldades"
Antes de viajar para Frankfurt, onde o Brasil enfrenta a França neste sábado, às 16h (de Brasília), no jogo de vida ou morte, Zé Roberto falou com exclusividade ao Terra e revelou que embora todos os discursos dos jogadores e comissão técnica rejeitem a revanche da final de 98, quando o então time da casa derrotou o Brasil por 3 a 0 e ficou com o título mundial, os olhos dizem o contrário. "Você anda pela concentração, olha nos olhos de um, vê a atitude de outro e você percebe que cada jogador está bem ansioso para esse jogo", conta, ao revelar a cicatriz que ficou especialmente nos jogadores que participaram mesmo no banco, como ele, daquela decisão.
"Costumo falar que na nossa vida tem oportunidades que não voltam mais. E a vida nós dá essa oportunidade de voltar a enfrentar a França. Não vejo a hora de jogar", afirma Zé Roberto, que sempre ao ouvir o hino nacional antes de cada jogo vê o filme da sua vida passar, especialmente os momentos de dificuldades pelos quais passou antes de realizar o sonho de se tornar jogador de futebol.
Único no grupo da Seleção Brasileira sem clube - seu contrato com o Bayern de Munique terminou antes da Copa -, Zé Roberto fala, durante a entrevista, sobre outro orgulho que carrega nestes dias de Alemanha, o seu blog, publicado no Terra: "O blog nos dá essa oportunidade de expressar nossos sentimentos. Eu recebi muitos comentários de pessoas que me conheciam somente como um jogador profissional e que acabaram sendo surpreendidas pelas frases que eu coloquei, falando para as pessoas darem mais valores para as suas famílias, por exemplo". Confira a seguir a íntegra da entrevista exclusiva de Zé Roberto ao Terra:
Terra - Zé Roberto, em um time de muita gente, você é titular absoluto. Em um time de alguns, você não pode jogar. Como você administra isso? Zé Roberto - Normal, acho que cada um tem sua opinião. A gente sabe que o Brasil tem milhões de torcedores. De repente acabei entrando para o time da maioria devido à boa regularidade. Isso é positivo. Por meu trabalho, o que vale exaltar é meu excelente momento na Seleção Brasileira. O momento que eu estou vivendo é um dos melhores da minha vida na Seleção Brasileira, ainda mais em uma Copa do Mundo. Numa Copa do Mundo, ser eleito pela segunda vez o melhor jogador em campo pela Fifa, poder fazer um gol, você manter uma regularidade, isso é positivo para o trabalho futuro. Estou visualizando esse jogo contra a França, a semifinal e final, porque meu maior objetivo ainda está por vir, que é ser campeão mundial.
Terra - Em algum momento isso te incomoda? Após o último jogo você fez um desabafo, dizendo: "olha, foi muito bom, estou feliz e é muito importante para aquelas pessoas críticas demais ao meu futebol, que elas sintam que eu tenho meu valor". Você pensou "eu sou competente naquilo que faço". É isso? Zé Roberto - Foi só mais um momento de desabafo, pelo não reconhecimento pela minoria, mas não quis generalizar. Isso não me abala, não me preocupa de forma alguma, porque são poucos. O meu espaço eu sempre vim conquistando, procurando fazer meu melhor trabalho e hoje tendo esse reconhecimento do público brasileiro, recebendo pelo meu blog no Terra e pelo meu e-mail, muitos elogios dos torcedores, tendo respeito da maior parte da imprensa brasileira. Isso te traz uma tranqüilidade para a evolução de seu trabalho. Estou em um momento de evolução, tenho tudo para evoluir até o término dessa Copa. Como eu acabei de dizer, meu maior objetivo ainda está por vir.
Terra - Como é que você se vê? A sua função nesse time é realmente aquele de "o piano deixa comigo"? Zé Roberto - De repente sim, porque o Brasil, se você for fazer um balanço das seleções que estão jogando o Mundial, é a que joga com poder ofensivo diferenciado das outras seleções. Tem muitos jogadores de ataque, temos dois laterais que sobem e apóiam bastante. De repente essa palavra de "carregador do piano" fica mais para os jogadores que fazem a parte de contenção, na marcação, que sou eu, o Emerson, o Gilberto, os zagueiros. E é legal você receber esse apelido de "carregador do piano", porque o piano está sendo bem carregado (rindo).
Terra - Muitas vezes para quem não conhece futebol, isso não tem muita importância, mas para o jogador do time, que precisa tocar, precisa aparecer, precisa fazer todo aquele malabarismo, todos aqueles lances bonitos, eu imagino que os outros jogadores que não fazem a sua função, dão valor extraordinário. Do tipo: "o Zé segura nossa barra lá atrás". O Zé, o Emerson. É assim, os outros jogadores que não fazem a sua função reconhecem que é extremamente importante? Zé Roberto - Claro, o reconhecimento vem da parte dos jogadores também, porque a gente sabe que em uma equipe cada jogador tem sua função. O quadrado tem a função de envolver a defesa adversária. Nós que jogamos na parte do meio-campo, eu e o Emerson, os laterais e os zagueiros, temos a função de fazer a marcação. Se a gente for ver as estatísticas, os números, o Brasil só tomou um gol até aqui. O Brasil está sendo muito elogiado na parte defensiva, onde sempre foi criticado. Nunca teve tantos elogios como agora. Então vivemos um excelente momento. Nada é melhor do que dar continuidade ao trabalho em busca do nosso maior objetivo que é o título. Então esses números, esses bons jogos nos dão tranqüilidade.
Terra - O Brasil até agora cumpriu seu objetivo. Ganhou os jogos que precisava e agora está a algumas horas de enfrentar a França. Mas e o fato de o futebol não encantar - você já ouviu isso, leu? Ganha, mas não encanta. Aí responde o Parreira: "é, mas ninguém está fazendo isso". Mas todo mundo só espera o encantamento partindo do Brasil.
Zé Roberto - Isso é normal. Se eu fosse torcedor, se eu não estivesse sentado aqui hoje sendo entrevistado, eu também esperaria por um grande espetáculo, em uma Seleção com jogadores encantadores, jogadores com uma qualidade impressionante em um só time como Ronaldo, Robinho, Ronaldinho, Kaká. Eu esperaria também, mas a gente sabe que o Mundial hoje é diferente de mundiais passados. Os jogos se tornaram mais difíceis. É claro que nosso maior exemplo é a Seleção que disputou a Copa de 82. A Seleção de 82 entrou em campo e dava espetáculo, dava de calcanhar, dava de chaleira. E o título que todos esperavam acabou não chegando, mas teve futebol bonito. Ao contrário da nossa Seleção, que o futebol bonito que todos esperavam não está acontecendo, mas estão acontecendo os resultados - que é nosso objetivo. É assim que queremos conquistar esse título, com resultado, objetivo, não com futebol bonito, porque não adianta você jogar um futebol bonito sem conquistar seu maior objetivo, que é o título.
Terra - Agora a França, é ganhar ou voltar para casa. Que tipo de França você espera e acha que vai enfrentar? Zé Roberto - Vai ser um jogo onde a seleção que errar menos vai sair mais beneficiada. Mesmo porque são equipes que têm jogadores experientes. A experiência vai favorecer bastante uma das duas equipes. A gente assistiu ao jogo da França contra a Espanha e, no meu ponto de vista, acho que a experiência prevaleceu naquele jogo. Se você olhar para as duas seleções, a seleção da Espanha é uma seleção com jogadores jovens, recém-formada. A França já vem jogando há muito tempo, com jogadores experientes. A experiência vai fazer a diferença também nesse próximo jogo.
Terra - Há instantes você citou seu blog. Agora você está tendo a experiência de ter um - que é no Terra - e está tendo sucesso, porque lá, além de ter um retorno imenso, você tem a oportunidade de expressar o que pensa, o que acha, sua opinião pessoal, às vezes um momento de alegria, um desabafo. É isso? Zé Roberto - É verdade, essa oportunidade que o Terra está me dando, eu aproveito para agradecer, porque têm muitos torcedores que querem saber um pouco da vida pessoal do jogador. O blog nos dá essa oportunidade de expressar nossos sentimentos. Eu recebi muitos comentários de pessoas que me conheciam somente como um jogador profissional e que acabaram sendo surpreendidas pelas frases que eu coloquei, falando para as pessoas darem mais valores para as suas famílias, por exemplo. Nós vivemos em um país em que vemos que, se acontece um casamento num mês, três meses se depois há a separação. A gente vê famílias desestruturadas. E hoje eu vivencio dentro da minha própria casa um momento muito bom e eu sempre quis passar isso para as pessoas e o Terra está me dando essa oportunidade. Às vezes fazemos entrevistas como esta e você é perguntado somente sobre futebol. Às vezes as pessoas não sabem de nossa vida fora do futebol. E eu estar passando isso para as pessoas, é uma alegria muito grande, coisa que na minha infância eu num pude passar, porque eu não vivi em um lar como eu vivo hoje, podendo dar carinho para os meus filhos, podendo dar carinho para a minha esposa. Isso eu não tive dos meus pais, porque meu pai acabou saindo de casa, minha mãe trabalhava, não tinha uma proximidade de seus filhos, porque tinha que trabalhar. E essas pessoas que têm essa proximidade de seu filho, que possam valorizar o lar familiar, porque a geração do Brasil está sendo formada pelas crianças e aquilo que a gente passar para essas crianças, com certeza vai ser uma geração melhor do que a de hoje. E isso vai beneficiar nosso País, o qual nós sabemos que têm muitas coisas a ser melhorado.
Terra - Essa vitória pessoal do menino que em 1982 batia bola descalço na zona leste, em São Miguel, está registrada num livro, "Um Sonho Pra Vida", que foi publicado na Alemanha, na Croácia, na Polônia, mas não ainda no Brasil. Lá você conta sobre um sonho que se tornou realidade, mas que naquele momento era inalcançável para você, um menino pobre de São Miguel Paulista, vendo Zico jogar, vendo Maradona jogar. Agora está na Copa e fez gol na Copa. Como você se sente? Zé Roberto - Eu iniciaria falando da minha história como se fosse um jogador iluminado por Deus. De onde eu saí para chegar aqui hoje é somente através das mãos de Deus. Por que a minha vida, a minha história, como conta o livro, sempre desde a minha infância diante de todas as dificuldades que eu tive, eu sempre fiz a minha oração para Deus realizar o meu sonho, que era ser um jogador profissional. Jamais pedi fama, jamais pedi dinheiro. A única coisa que eu pedi foi para me tornar um jogador profissional. E hoje eu estou realizando esse meu sonho. Por mais que eu esteja aqui na Copa, por mais que eu esteja em cada jogo, quando toca o hino sempre vêm aquelas imagens na minha cabeça. Sempre vêm aqueles momentos de dificuldades. Aqueles momentos quando muitos falavam: "esse não vai virar nada, vai ser mais um dos marginais que temos aqui na vila". Eu sempre gosto de falar da persistência da minha mãe. Se não fosse por ela eu com certeza não estaria aqui. Ela jamais deixou de acreditar mesmo sabendo que o momento era difícil. Ela cuidava de cinco filhos, era separada e tinha que trabalhar em dois empregos. Eu cheguei a trabalhar também. Trabalhei como office-boy e cortando carne. Ela que sempre apostou em mim. Essa história eu conto no livro. Eu já estava trabalhando e achei que minha mãe já tinha desistido de me ajudar a tentar a carreira no futebol, porque ela que me levou para fazer a ficha na empresa. Eis que ela, um dia, falou pra mim: "Passei na Portuguesa e no Corinthians e tal dia vai ter o teste". A famosa peneira. Ela disse que o teste da Portuguesa seria antes da peneira do Corinthians. E eu falei: "tô trabalhando, como eu vou?" Ela falou: "não, não, vamos tentar a última vez". Eu tinha entre quinze e dezesseis anos. Fomos para a peneira. Cheguei lá às duas da tarde e só fui entrar em campo às sete horas da noite. Ela tinha levado na bolsa pão com mortadela. Entrei em campo. Tinha centenas de garotos. Eu falei que nunca ia conseguir entrar em campo. Na hora que eu entrei em campo, o treinador que estava observando deu só sete ou dez minutos para analisar os jogadores. E acabou escolhendo um só. Quando ele reuniu os garotos depois escolheu mais um. Dispensou os outros garotos e falou que no próximo ano ia ter de novo. Minha mãe, quando ficou sabendo que eu não fui escolhido, ficou revoltada. Junto com as outras mães ela foi reclamar com treinador: "pô, isso não existe, os meninos treinaram só sete, dez minutos. Não tem como você ver se os meninos são bons ou não". Ela encheu o saco do treinador e ele falou: "eles precisam voltar". Minha mãe anotou meu nome e eu voltei outra vez e foi quando eu passei. Fiquei meses voltando. Foi quando eu passei e me profissionalizei pela Portuguesa. E há alguns anos, quando eu estava de férias no Brasil, perguntei pra minha mãe: "Por que a senhora persistiu tanto? Eu já estava trabalhando. Eu tenho essa curiosidade, gostaria que a senhora contasse pra mim o porquê dessa persistência". Ela virou pra mim e falou: "Sabe o por que? É que eu te levava desde os sete anos no Pequeninos do Jockey, eu ia sempre sozinha, não ia com o seu pai, eu via você correndo no campo e os pais dos outros meninos se reuniam de uma lado e eu era a única mulher e ficava separada. Eu via você jogando e ouvia o comentário dos pais falando, 'olha esse menino quando crescer vai dar o que falar'". Ela só escutava. E nós jogos que eu fazia eu sempre me destaca mais que os outros. Ela falou: "eu sempre escutava e apostei em você". Eu conto essas histórias no livro. Elas falam muito do pessoal de São Miguel, da periferia. Por isso que o título é "Um Sonho Para a Vida".
Terra - Qual o nome da sua mãe mesmo? Zé Roberto - Maria Andrezina.
Terra - E o Parreira que se cuide, se ela já deu uma dura naquele técnico lá. Ela pode ligar, "professor, cuida bem do meu menino". Não é isso? Zé Roberto - É verdade. Mas acho que ela não precisa fazer isso não. O professor Parreira, não tenho nem palavras para agradecer por tudo o que ele tem feito, por ele ter acreditado no meu futebol quando o Brasil tinha acabado de ser pentacampeão. Acho que o grupo já estava formado e ele investiu em alguns jogadores, e eu sou um desses. E não precisa nem receber nada por parte da minha mãe (rindo).
Terra - E, com a França no caminho, o que vem à cabeça quando você se lembra de 1998 (a derrota na final da Copa por 3 a 0).
Zé Roberto - 98 é uma marca que ficou que com certeza. Ela pode ser apagada mediante essa oportunidade que temos de poder enfrentar a França neste sábado. Costumo falar que na nossa vida tem oportunidades que não voltam mais. E a vida nos dá essa oportunidade de voltar a enfrentar a França. Eu acho que cada jogador que está aqui que fez parte daquele grupo de 98 e aqueles que não fizeram também, sabem daquela marca que ficou. E todos estão preparados e conscientes que queremos fazer o melhor e apagar aquela marca que ficou de 98.
Terra - Foi uma cicatriz? Zé Roberto - Com certeza. Uma marca que todos esperam que venha a ser apagada. Os torcedores, os jogadores, a comissão técnica. Eu acho que faltam até palavras para falar daquele episódio de 98. Você anda pela concentração, olha nos olhos de um, vê a atitude de outro e você percebe que cada jogador está bem ansioso para esse jogo.
Terra - Então eles não falam, mas certamente pensam. Zé Roberto - Pensam. Está todo mundo já concentrado para esse jogo, sabem a importância desse jogo. Enfim, eu não vejo a hora de jogar.
Terra - Não vê mesmo? Zé Roberto - Não vejo a hora. Eu não tive a oportunidade de atuar no jogo. Fiz parte daquele grupo, mas vivendo um momento diferente na Seleção. Tendo a oportunidade de jogar contra a França é um momento muito especial na minha carreira.
Terra - Zidane. O que você pode falar sobre ele? Zé Roberto - O Zidane é um dos melhores jogadores que eu já vi jogar. Ele, pra mim, é o jogador que faz a diferença ali. Juntamente com o Henry. Embora eu ache que o Brasil não vai entrar com uma marcação individual mesmo sabendo que a seleção da França tem uma equipe muito boa. Eu destacaria o Zidane como uma peça fundamental, o cérebro da equipe da França.
Terra - O que você poderia falar para o torcedor brasileiro sobre o jogo Brasil e França? Alguém vai embora para casa, ou os franceses voltam para Paris ou o Brasil retorna à base?
Zé Roberto - Eu espero que os franceses voltem para Paris. Eu pediria para que todos os torcedores continuassem com um pensamento positivo, com fé, acreditando na Seleção Brasileira. Embora muitos esperem espetáculo, o nosso pensamento é a vitória. Eu acho que o pensamento positivo e a fé podem ajudar a Seleção Brasileira a fazer um grande jogo. Estamos todos nós juntos aqui, um depositando a confiança no outro. Mas também acreditando na torcida, no pensamento positivo de todos os brasileiros e no meu ponto de vista vai dar tudo certo.
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