Estudo explica elo entre maconha e fome
"Nós mostramos que o endocanabinóide da área do cérebro que controla o apetite é regulado por dois hormônios muito relevantes para a fisiologia dos animais: os glucocorticóides e a leptina", disse Malcher-Lopes à Folha. Trabalhando com fatias de cérebro de rato cultivadas em laboratório, o pesquisador mostrou que enquanto os glucocorticóides fazem aumentar a concentração de canabinóides, a leptina a faz cair.
Em estudo no periódico científico "The Journal of Neuroscience", o cientista mostra passo a passo quais são as enzimas envolvidas nesse processo. "A industria farmacêutica pode agora olhar para cada uma delas e tentar buscar alterar suas atividades específicas", diz Malcher-Lopes.
Além de detalhar a cadeia bioquímica de reações envolvida no processo, o grupo de Malcher-Lopes descobriu que o aumento de apetite pelo consumo de maconha aumenta por meio de duas vias. A primeira delas, que já era explicada pela ciência, é fazendo que os usuários sintam mais prazer com o sabor da comida. "Mas o endocanabinóide também inibe o dispositivo que o cérebro tem para levar o animal a parar de comer", explica o pesquisador.
Além da maconha medicinal usada por pacientes com problema de falta de apetite, como doentes de Aids, já existem drogas que se valem do mesmo princípio, mas para cortar a fome, bloqueando sinais de endocanabinóides no cérebro. Agora que se sabe como esses medicamentos atuam, é possível planejar melhor sua aplicação, adequando-a aos horários de alimentação, por exemplo.
Encruzilhada metabólica
O trabalho de Malcher-Lopes, apesar de se voltar mais à explicação molecular do controle do apetite, pode ajudar a investigar outros fenômenos hormonais no organismo.
"Os canabinóides estão aparecendo cada vez mais como uma grande encruzilhada metabólica", diz Sidarta Ribeiro, diretor de pesquisa do Instituto Internacional de Neurociências de Natal, em fase de implantação. "Eles também têm relação com estresse, sono, memória e, provavelmente, controle emocional".
Segundo Ribeiro, o estudo dessas moléculas tem crescido muito nos últimos 15 anos, desde que se descobriu que elas existiam naturalmente no cérebro. Enquanto em 1991 o banco de dados PubMed listava apenas um estudo sobre endocanabinóides, em 2005 já havia 70 trabalhos.
O crescimento da área deixa Malcher-Lopes entusiasmado com a possibilidade de aplicação de seu estudo. "É como se a gente tivesse descoberto um botãozinho dentro do cérebro que regula uma série de sistemas hormonais muito relevantes para a sobrevivência do animal em situações diárias e de estresse", diz.
Depois de aperfeiçoar sua técnica, o cientista pretende trabalhar com animais vivos para confirmar seus estudos. "Queremos procurar estratégias farmacológicas para tratar diversas mazelas, associadas tanto ao excesso de estresse quanto ao excesso de peso."
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