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Internacional
Quarta - 07 de Junho de 2006 às 15:19

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Onze tanques de guerra estrangeiros tomaram a principal avenida que une o litoral à Caracas em La Guaira, subúrbio da capital da Venezuela. A invasão comandada por homens encapuzados interrompeu a rotina dos trabalhadores que saiam cedo de suas casas a caminho do trabalho.

O tráfego foi interrompido. Ocorreram disparos. Ninguém ficou ferido. Atônitos, os moradores se esconderam para tentar se proteger do ataque repentino. Poucos minutos depois puderam entender do que se tratava a cena de guerra que haviam presenciado.

As Forças Armadas da Venezuela realizavam um exercício simulando uma invasão estrangeira. O ensaio, que assustou os desavisados que passavam pela rua, simboliza a preparação para enfrentar uma eventual guerra assimétrica.

O governo venezuelano acredita que pode ser alvo de um ataque. Hugo Chávez --presidente do país que é o quinto maior exportador de petróleo do mundo-- afirmou inúmeras vezes que os Estados Unidos pretendem ocupar a Venezuela para se apropriar da maior reserva petrolífera do continente.

Resistência

Esta foi a terceira simulação de ataque realizada pelas Forças Armadas do país, incluindo a do Estado Falcão --onde está construído o maior complexo de refinarias do continente-- responsável pela refinação de 1 milhão de barris diários de petróleo.

As Forças Armadas venezuelanas reconhecem que se as projeções de seu presidente se tornassem realidade o país não teria capacidade de defender seu território.

Neste caso, a alternativa encontrada para enfrentar o suposto inimigo foi a chamada guerra de resistência com o apoio de civis.

"Estamos treinando a população para que possamos garantir juntos a defesa integral da nação", explica o vice-almirante Manuel Alfredo Yanez.

De acordo com os militares, ao final da operação foram "recrutados" 2,2 mil civis para a simulação do ataque estrangeiro.

A estratégia consiste em surpreender o inimigo e não enfrentá-lo de maneira frontal.

Disciplina militar

Enquanto subia as ladeiras íngremes da favela Macuto, um dos pontos onde foi realizado o treinamento militar com as comunidades, Yanez que coordena o exercício de invasão, comenta que "não foi tarefa fácil" organizar a participação dos civis. No entanto, afirma que os militares foram bem recebidos. "A população está compreendendo que também é responsável pela defesa da nação", disse.

"A Constituição da Venezuela prevê o envolvimento da população civil para garantir a soberania territorial em caso de um conflito bélico", explica o vice-almirante.

Quando a reportagem da BBC Brasil chegou à casa de América Salas, de 57 anos, a senhora que havia despertado às 6 horas da manhã não podia esconder as poucas horas dormidas e se queixava. "Esses militares levantam muito cedo, não deixam a gente dormir", comentou entre risadas a dona da casa escolhida pelos militares para abrigar um grupo de franco-atiradores.

Armados com fuzis AR-15 o grupo aguardava a aproximação do "inimigo" para poder atacar.

América Salas, quem nunca havia visto de perto uma arma de fogo, teve sua casa escolhida por estar localizada em frente ao mar, onde os supostos navios inimigos poderiam ser surpreendidos pelos franco-atiradores. "Quando me explicaram que se tratava de um ensaio para envolver a comunidade na defesa resolvi colaborar", conta.

A dona de casa diz que não acredita que seu país possa ser atacado. "Eu não me meteria nisso. Essas armas pesam muito. Não quero nem pensar em invasão, não vai acontecer", disse.

O ex-guerrilheiro e candidato presidencial opositor às políticas de Chávez, Teodoro Petkoff, concorda com América. A seu ver a possibilidade de uma invasão "é um delírio" do presidente.

“Os Estados Unidos não se aventurariam a invadir a Venezuela com os problemas que enfrentam no Iraque. As tradições políticas da América Latina são diferentes do Oriente Médio. Não se aceitaria uma invasão deste tipo", afirma o candidato presidencial.

Já para o vice-almirante Yanez essa possibilidade não pode ser descartada. "Estamos sofrendo ataques diplomáticos e dos meios de comunicação assim como fizeram com Panamá, Haiti e Iraque antes das invasões. Não é absurdo pensar que o mesmo possa acontecer aqui", afirmou.

Tática de guerrilha

"Minha função é enviar mensagens e colaborar com a logística dos militares", explicava a estudante Gisele Bolívar quando a rádio local interrompeu sua programação para anunciar a promoção de uma empresa de telefonia celular. Ao ouvir a propaganda alguns moradores saíram rapidamente de suas casas e subiram o morro auxiliados por um militar.

"Esta mensagem da rádio estava codificada. Significava que os que estavam aptos para a defesa deveriam se apresentar o mais rápido possível", explicou Miguel Zambrano, chefe de operações da marinha.

Os civis que estão integrados nos grupos de defesa recebem uma lista de códigos que deverão ser decifrados em um momento de ataque.

De acordo com Manuel Alfredo Yanez as Forças Armadas estão se apropriando da tática de guerrilhas utilizada pelo Vietnã entre as décadas de 60 e 70 para resistir a uma invasão.

Questionado sobre a efetividade deste tipo de combate - considerando os avanços tecnológicos e o poder de destruição das armas utilizadas nas guerras atuais – Yanez foi incisivo. "Iraque resiste dessa forma há três anos".

Petkoff admite que a tática de guerrilhas é a única maneira que a Venezuela pode adotar para defender seu território. "Em uma guerra com os Estados Unidos não resta outro caminho".

Entre as estratégias de guerrilhas adotadas pelos militares nesta favela está um esconderijo subterrâneo no cume do morro para armazenar alimentos e armas e um hospital clandestino para atender os feridos em combate. Todos os procedimentos contam com o apoio da população.





Fonte: Folha Online

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