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Terça - 06 de Junho de 2006 às 11:00

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SÃO PAULO - A convite do Estado, escritores consagrados comentam o resultado do 2.º Concurso Cultural do Caderno 2 - Copa 2006, com 11 contos de autores novatos sobre o tema futebol. Os textos vencedores foram publicados em caderno especial, no sábado.

RICARDO LÍSIAS, escritor, autor de, entre outros, Duas Praças: "Achei que a maior parte dos contos tem uma estrutura muito tradicional, funcionando em esquemas já bastante previsíveis. Também me parece que o esforço por "escrever bem" substituiu muitas vezes o de escrever de "forma relevante". Em vários dos textos está visível o esforço do beletrismo. Gostei dos textos mais elaborados, que fizeram intervenções históricas. Assim, acho dignos de destaque os seguintes: Sándor (de fato, muito comovente, acho que o melhor); Sobre Canários e Papagaios e O Dia em Que Fomos Meninos. Por razões pessoais, ainda, fiquei comovido com o conto Por Todos os Tempos. Na Copa de 1982, eu tinha 7 anos. É a minha lembrança de vida mais antiga: um calor enorme e a rua absolutamente em silêncio depois da derrota do Brasil. Não tenho nenhuma lembrança de quando eu era mais novo. Curiosamente, não tenho nenhum interesse por futebol e nessa copa vou acompanhar por interesse histórico apenas, os jogos de Sérvia e Montenegro, uma nação que só existe em campo. Também vou assistir, caso haja, a um jogo entre Irã e EUA, torço pelo empate. Quanto às fotos, achei todas muito boas, com bastante destaque para a de Niels Andreas."

FLÁVIO MOREIRA DA COSTA, escritor e organizador de antologias como Os Melhores Contos Fantásticos: "Há cerca de 20 anos, quando realizei a primeira versão da minha antologia 22 Contistas em Campo, havia bem poucos contos de ou sobre futebol, tanto que precisei encomendar textos novos a alguns escritores. O resultado do concurso do Estado mostra que a coisa mudou e que o futebol é um tema de criação tão bom como qualquer outro. Um escritor não pode ter preconceito, nem recusar temas populares. É bola na rede."

LUIZ RUFFATO, jornalista e autor do livro de crônicas e contos Ficções Fraternas: "É espantoso que um concurso de contos - mais: um concurso de contos sobre futebol - atraia mais de mil escritores estreantes e candidatos a escritores. Isso demonstra duas verdades: a primeira é a de que, apesar de todos os apocalípticos decretarem o fim da literatura, mantém-se o interesse pela fabulação e pelas letras; a segunda é a de que já não se pode mais repetir aquele mantra de que o futebol não aparece, como tema, nos livros brasileiros. Os 11 finalistas nos conduzem com competência pelos campos da história do futebol brasileiro - que é também a história do povo brasileiro."

FABRÍCIO CARPINEJAR, poeta, escritor e jornalista: "Contos metamorfoseados em crônicas, com a paixão no metabolismo, os 11 selecionados do concurso do Estado exploram as possibilidades do futebol de modo confessional, a acentuar uma reverência obsessiva ao esporte, alçando-a a uma arte da ausência (apagar a rotina em nome de um campeonato), a uma arte da imaginação (desde o álbum de figurinhas), a uma arte da observação minuciosa (nunca forrar a gaiola de passarinhos com páginas de esporte), a uma arte da nostalgia da infância (a ´pelada´ entre amigos que forma a personalidade da criança), a uma arte da disputa (de torcida ou dentro do campo), a uma arte da aproximação com os ídolos, a uma arte da poesia ("enluarar a bola", por exemplo, de Caio Silveira Ramos). É futebol-arte na literatura."

WILSON BUENO, escritor, autor, entre outros livros, da reunião de fábulas Cachorros do Céu: "Por um desses insondáveis mistérios de nossas Letras, são raras, senão raríssimas, as incursões de nossos escritores à seara do chamado ´rude esporte bretão´. Exatamente aí onde a criatividade popular brasileira se fez mais apaixonada e universal. Com exceção do ´clássico´ Maracanã, Adeus (1980), de Edilberto Coutinho, a literatura tupiniquim recusa obsessivamente o tema. Nas 11 peças vencedoras do concurso promovido pelo Estado, ao lado de seleção de fotos, algumas delas notáveis, como as de Paulo Pinto e Monalisa Lins que, para repetir o gasto bordão, falam bem mais que mil palavras, temos, menos que contos, ´relatos´, alguns deles vizinhos da crônica. E nem se exija, de estreantes, maestria num gênero de tão complexa fatura. Surpreendente, contudo, é a nenhuma influência, mesmo distante, de vacas sagradas da área no Brasil - a exemplo de Rubem Fonseca ou Dalton Trevisan. Sugerem ´depoimentos´ à margem; a vagar sobre um tema sem referência nas Letras pátrias. Do dramático Fim de Jogo, de Luiz Carlos de Souza, à paz provisória do sentimental retorno à infância de Jorge Eduardo Machado, em O Dia em que Fomos Meninos, passando por Sándor, de Roberto Vieira da Silva, a meu ver, o melhor dos textos, com domínio de linguagem digno de mérito, os contos reunidos pelo concurso não revelaram, claro, - e nem este era seu propósito - nenhum novo gênio literário. Serviram, contudo, que mais não seja, para denunciar, ainda outra vez, cada um com seu empenho e engenho, a severa carência que sofre a literatura brasileira justamente de matéria onde nossas chuteiras se tornaram universalmente imortais. O mistério, portanto, entre literatura e futebol, aqui ou além-mar, continua."

PAULO BENTANCUR, escritor e crítico literário : "Pois não é que o futebol atingiu em cheio a literatura... Quem duvidar, já que não temos, na tradição literária, grandes textos dedicados ao tema, que confira o time completo de contistas convocado por um concurso que atraiu a atenção de mais de mil deles. Onze contos selecionados, três ao menos se impõem pela alta qualidade, e aqui não vai nenhuma condescendência do crítico: alta mesmo. Sándor, de Roberto Vieira da Silva, que recupera o trecho de um hipótetico diário do jogador húngaro que perdeu a copa de 54 para a Alemanha, e que depois se suicidou, ombreia com algumas das mais ambiciosas histórias curtas de Rubem Fonseca. Sobre Canários e Papagaios, de Rogério Augusto, é uma alucinante montagem da simultaneidade da consagração futebolística brasileira no México, em 1970, e a invasão de uma casa onde a família assiste ao jogo final, o pai sendo arrastado pelos soldados e o filho dividido entre o terror entrevisto e o êxtase da vitória. Destaca-se ainda O Dia em Que Fomos Meninos, de Jorge Eduardo Machado, outra imersão na convergência da brutalidade política com o futebol como ópio (Pelé interrompendo uma guerra - que será retomada, claro). Os demais textos, a maioria não passando da crônica de vocação narrativa, confirmam que o futebol não faz feio no mundo das letras. Nossos escritores consagrados deveriam dar mais atenção aos nossos personagens consagrados, os jogadores."

JOSÉ CASTELLO, escritor e crítico literário: "A insistência no passado, que se afigura mais límpido e compreensível, me faz pensar no quanto a literatura de hoje tem dificuldades para lidar com o presente. O tema do futebol, ainda mais com a proximidade da Copa, facilita esse retorno mágico. Futebol e memória dão forma a um teatro no qual as regras são mais claras e os sentimentos mais transparentes. Talvez o presente pareça confuso demais, fragmentado demais, insuportável demais para que se possa fisgá-lo com a palavra."

ALCIONE ARAÚJO, escritor e dramaturgo: "Muito interessante, gostei. Acho que o tema, envolvendo uma paixão de massa, desafia a originalidade. No futebol, tudo pode acontecer e, verdade ou não, ele entra no cotidiano, como folclore ou anedótico. Mesmo amor e ódio, tudo é plausível e verosossímil, ainda que mágico. É uma respeitada seleção de autores, uma seleção sub-20 porque são novos, na qual um iniciante pode ascender a principal. As histórias não escapam do círculo de jogadores, ex-jogadores, da zona rural e urbana. E, com surpresa, mesmo este sendo o ´País do futebol´, há duas histórias que acontecem no exterior. Para minha surpresa, também, há até colecionador de figurinhas. Há uma diversidade de experiências, estilos e linguagens. Mas acredito que a rigidez do tamanho (todo concurso tem isso) impôs uma compactação das histórias, de fora para dentro. Alguns contos foram esmagados por isso; em outros, houve um desperdício de situações. Em alguns, a forma virou uma camisa-de-força e alguns contos ficaram obscuros, faltou clareza. Há a ausência de mulheres como autoras e personagens numa época em que temos seleções femininas, juízas e até mulheres analistas."





Fonte: Agência Estado

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