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Domingo - 04 de Junho de 2006 às 07:31
Por: Andréa Fontes

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Após 29 dias presos, cinco acusados de participação no esquema de fraude em licitações e superfaturamento de ambulâncias, a Operação Sanguessuga, romperam o silêncio. Em entrevista exclusiva para A Gazeta, eles negam que Maria da Penha Lino esteja brigada com a família Trevisan-Vedoin, explicam o processo de apresentação de emendas até a liberação dos recursos, negam pagamento de propinas a deputados e contestam a informação de superfaturamento dos veículos.

A primeira entrevista com os envolvidos foi concedida na última quinta-feira (1º), no Anexo I da Penitenciária do Pascoal Ramos. Representantes da família Trevisan-Vedoin rebateram Maria da Penha Lino, que garantiu ter cortado relações com os donos da Planam quando deixou a empresa.

A entrevista foi feita com Darci José Vedoin, dono da Planam, e seu filho, Luiz Antônio Trevisan Vedoin, apontados como os chefes da organização criminosa. Os dois empresários foram ouvidos junto com o genro, Ivo Marcelo Spinola da Rosa, com o funcionário da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM), Noriaque José de Magalhães, e com um consultor que pediu para não ser identificado.

O filho de Darci, Luiz Antônio Trevisan Vedoin, foi quem assegurou que Maria da Penha trabalhou na empresa e não saiu brigada. "Não estamos brigados com ela. De jeito algum."

Sobre as denúncias de Penha à Polícia Federal e quanto ao HD (disco rígido) da empresa entregue por ela ao Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz prefere não comentar, alegando não possuir conhecimento das denúncias.

A relação de amizade de Penha com a família Trevisan-Vedoin é ainda confirmada por Noriaque, apontado até então como o companheiro de Maria da Penha. "Quando saiu (Penha) da Planam, saiu intempestivamente. Mas eles não têm problema nenhum. Conversam. Tinha uma amizade. Foi uma tempestade, mas voltaram a conversar de novo", relatou Noriaque.

A relação de Penha com a família pôde ser observada em vários grampos telefônicos feitos pela PF. Em uma ligação, Luiz Antônio diz a Noriaque que precisa de "uma mão" da Penha. Noriaque responde que ela "sempre o carregou no colo. Isso aí ela sempre te deu; sempre carregou você no colo" (transcrição fornecida pela Polícia Federal).

Propina - Dono da Planam e chefe da família que acabou toda presa, Darci José Vedoin é cauteloso e diz que ainda não conhece totalmente as denúncias. Entretanto, afirma que a operação estaria servindo a interesses políticos, mas evita citar nomes.

Ao começar a entrevista, ele retirou do bolso uma nota manuscrita e leu: "Falarei somente quando conhecer as reais denúncias que impetram a minha pessoa. Acusar sem conhecimento e julgar sem defesa é típico de quem está se utilizando desta situação para tirar proveito político, envolvendo pessoas e maculando imagens daqueles que se dedicaram ao crescimento político e econômico deste Estado".

O pai passou a palavra ao filho. Perguntas quanto ao pagamento de propinas a parlamentares federais e o funcionamento da Planam quem respondeu foi Luiz Antônio. "Nunca houve pagamento de propina pela Planam. Conhecemos alguns deputados pela televisão, por jornais, no meio social. Cuiabá é uma cidade muito pequena e você conhece todo mundo".

Quanto a Lino Rossi, que afirmou ser "amigo de infância" de Darci Vedoin, Luiz Antônio, com convicção, respondeu: "Não. De infância não. São conhecidos de rua, das vezes que viajaram. Conhece e conversa como qualquer outra pessoa".

A operação - Luiz Antônio afirma que a Planam trabalhava apenas com unidades móveis de saúde. Ele e Darci contestam qualquer informação de que também estariam envolvidos com construções e reformas de hospitais. Ao questionar as informações sobre superfaturamento de ambulâncias, Luiz compara o valor das ambulâncias licitadas pelo governo e as vendidas pela Planam. "O governo federal fez licitação em 2006 e comprou 1.070 ambulâncias, no valor de R$ 122,5 mil. Estas mesmas configurações nós vendemos a R$ 105 mil, R$ 106 mil".

O empresário afirma ainda que nas investigações não foi feito acompanhamento de tabela, comparando o valor de um carro comprado em 2006 com o mesmo valor de um comprado em 2000. "É fácil falar que houve superfaturamento assim".

O envolvimento da mãe, Cléia Maria Trevisan, da esposa Helen Paula Duarte Cirineu e da irmã, Alessandra Trevisan Vedoin, todas presas, é negado pelo empresário ao analisar a operação da PF e a situação da família. "É um momento difícil, porque não tinha envolvimento algum na empresa direta ou indiretamente da minha mãe, minha esposa, e a própria Alessandra, que entrou em 2003. Elas desconheciam até o produto que nós fazíamos. Fazem isso para tentar formar uma quadrilha. Para tentar desestabilizar."

Luiz Antônio continua lembrando que a empresa é a única do Centro-Oeste e que participava de todas as licitações. "Tem no site (licitação), é público, você vê o que te interessa. Se tem o veículo disponível no mercado para fazer a entrega. Tem o valor, você entra, você ganha ou você perde."

"Existe um grande momento político. Existe um grande interesse político e o que não queremos é ser apenas o instrumento desta política. A empresa era constituída e vendia para o Brasil todo. Do Centro-Oeste era a única. Participou de licitações do próprio governo federal, concorrendo até com indústrias. O governo federal comprava o mesmo produto, muito mais caro do que o que vendíamos para as prefeituras", acrescentou Ivo Spinola.

Investigações - Ivo Marcelo Spinola revelou que a família teve conhecimento que a PF estava investigando prefeituras e teria tomado conhecimento da denúncia por meio de uma reportagem. Logo, entraram com uma reclamação no Supremo Tribunal Federal (STF) para ter acesso à denúncia. Darci afirmou que por várias vezes se prontificaram a prestar esclarecimentos à PF, mas nunca foram chamados. Outros questionamentos não foram respondidos.

Ivo, por sua vez, nega que tenha aberto empresas em seu nome para servirem como "laranjas" nas licitações, apontando que as duas empresas em seu nome foram abertas em Salvador (BA) com o objetivo de atender o projeto de uma fábrica de carroceria que estava sendo montada. Como o projeto não deu certo, conta que está sendo dado baixa nas empresas.

Casamento - Apontado até o momento como companheiro de Maria da Penha Lino, Noriaque afirmou durante a entrevista que é casado, tem duas filhas e sua mulher vive em Cuiabá. "A Maria da Penha é minha amiga, nós dividimos um apartamento em Brasília. Surgiu isso de marido. Isso não procede. Minha mulher, se souber disso, eu tô na roça (sic)".

Como assessor de vários municípios na elaboração dos pré-projetos que eram enviados ao Ministério da Saúde, Noriaque afirma que Maria da Penha não tinha poder algum para aprovar nada. "Quem aprova é a área técnica, não a assessoria do ministério".

Ele aponta que por dividirem um apartamento, ele fazia os projetos e Penha o ajudava a protocolá-los na área técnica para serem analisados.

Segundo Noriaque, o papel de Maria da Penha no ministério era atender todos os prefeitos, chefes de gabinete, assessores e verificar como estava o processo dos parlamentares, sem influenciar na aprovação.

Explicações - A entrevista foi concedida pelos cinco acusados de participarem no esquema sob a condição de explicarem como era todo o processo. Eles afirmam que não há espaço para superfaturamento e se realmente ocorreram problemas de licitação, a responsabilidade desta etapa é toda das prefeituras.

Do primeiro passo, a apresentação de emendas, destacam que cada parlamentar tem que, obrigatoriamente, apresentar 30% de propostas para a saúde. No orçamento de 2005, por exemplo, cada deputado ou senador teve direito a apresentar emendas no valor de R$ 5 milhões, sendo no mínimo R$ 1,5 milhão destinado para a saúde.

Segundo informações de um entrevistado que não quis se identificar, o maior aporte de recursos no Ministério da Saúde é para aquisição de unidades móveis, reformas e ampliação de postos de saúde. Como este ministério teria ainda o maior índice de execução orçamentária, grande parte dos parlamentares acaba destinando mais de 30% dos recursos para a saúde.

Conforme o entrevistado, os assessores parlamentares coletam informações e repassam para os deputados, que vão definir as prioridades. A maioria das emendas são apresentadas com destino a ser definido, uma vez que se a prefeitura estiver inadimplente não consegue receber o recurso e o parlamentar perde a emenda. Na hora de definir o destino, faz-se ofício para o Ministério da Saúde, que abre a fase para se apresentar o pré-projeto. O entrevistado afirma que o assessor "é um mero executor" e não possui "poder de interferência".

Pré-projeto - Noriaque, que atua nesta área, explica que o pré-projeto precisa ser aprovado por um órgão estadual (Divisão de Convênio - Dicon) ou pelo próprio ministério. "A opção é da prefeitura. No ministério entra se tiver alguma assessoria em Brasília".

Este pré-projeto passa pela análise de uma area técnica, que possui uma tabela com o valor mínimo e máximo. Ele afirma que a área técnica é rigorosa.

Noriaque exemplifica que para uma ambulância simples, de remoção, o ministério aprova até R$ 60 mil. Para uma do tipo B, que é uma ambulância normal, aprova até R$ 100 mil. Uma ambulância tipo C, que é uma UTI móvel, de R$ 132 mil até R$ 144 mil. E para ambulância tipo D, que é de resgate, aprova até R$ 144 mil.

A liberação dos recursos só é feita após toda a análise do pré-projeto e processo. Noriaque ressalta que após a liberação dos recursos, a responsabilidade passa ao município, que faz a licitação.

Prestação de contas - O último entrevistado, um consultor de municípios que preferiu não se identificar, falou sobre licitações. Ele diz desconhecer o desdobramento de licitações das ambulâncias em duas cartas-convites, forma que a PF aponta que a Planam utilizava para conseguir influenciar no vencimento. O consultor afirma que falhas em licitações existem, mas lembra que a própria Controladoria Geral da União (CGU) faz o acompanhamento dos processos. Cita que quando a CGU não concorda com algum item, manda refazer o projeto e garante que 99% deles são aprovados pelo Ministério da Saúde, pela Dicon regional e muitos pela própria CGU.

"Nas licitações existem impropriedades, mas como o fundo (Fundo Nacional de Saúde) determina quanto custa, o valor máximo, qualquer tipo de impropriedade que não venha mexer naquele valor autorizado pelo Fundo você não está onerando os cofres públicos e está cumprindo com o objeto e objetivo". O consultor ressaltou ainda que se há superfaturamento não são os empresários que precisam responder. "É o Ministério da Saúde que determina os preços."





Fonte: Da Redação

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