Indígenas resistem à hidrelétrica
A PCH está sendo erguida no leito do Culuene entre os municípios mato-grossenses de Campinápolis e Paranatinga. Seu projeto prevê o alagamento de uma área de 1.290 hectares, dos quais 920 de vegetação nativa.
O lago será formado pela edificação de duas barragens e o projeto está orçado em R$ 4,6 milhões. A barragem está sendo construída a apenas dois quilômetros da Reserva Ecológica Estadual do rio Culuene, em território histórico dos povos xinguanos, rico em vestígios arqueológicos de antigas populações que ali viveram, agravando ainda mais esta situação.
Os manifestantes exigem a interrupção da obra e que o poder público se comprometa a preservar a região das cabeceiras do Xingu. Os protestos devem se estender até o fim desta semana.
Alupá Kaiabi, da Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), disse ontem, por telefone, que “os povos indígenas do Xingu querem a paralisação imediata” das obras da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Paranatinga II.
Dentro do Parque do Xingu convivem 14 nações indígenas. E todas elas, segundo Kaiabi, são contra a construção. O trecho do Culuene no qual a obra está sendo construída é considerado sagrado pelos povos indígenas da região do Alto Xingu.
O movimento xinguano, que mobiliza representantes de diversas etnias do Parque Indígena do Xingu (PIX) e aldeias do povo xavante, que também vive na região, planeja realizar protestos e manifestações no local até o próximo domingo. Kaiabi informou que os índios não saem das instalações sem serem ouvidos por autoridades do governo federal e pelos donos do empreendimento.
Ontem foi o principal dia do protesto. Os integrantes da etnia kalapalo realizaram a tradicional cerimônia do Quarup. De acordo com lideranças indígenas, foi nesse lugar que se realizou o primeiro ritual funerário do Quarup.
As lideranças xinguanas concentradas no local desejam se reunir com representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Ministério Público Federal, do Ministério de Meio Ambiente e da Fundação Nacional do Índio (Funai) até domingo.
Destes encontros as lideranças esperam obter o compromisso de que nenhuma barragem seja construída no rio Xingu ou em seus afluentes, que seja proibido o desmatamento de matas ciliares e que os índios tenham apoio para recuperar as nascentes no Xingu.
Construção vira pendência judicial
Desde 2005, a hidrelétrica tem sido objeto de diversas idas e vindas judiciais. Sua execução chegou a ser embargada pela Justiça, que determinou que seu licenciamento ambiental fosse feito pelo governo federal. O avanço das obras também incluiu um polêmico acordo entre o governo do Mato Grosso e algumas lideranças indígenas.
O acordo foi contestado pela maioria dos caciques do Xingu e, posteriormente, negado inclusive por alguns dos que o tinham assinado.
A mobilização indígena visa impedir a conclusão da obra e a formação do reservatório. O principal temor dos índios é que a barragem prejudique a reprodução das espécies de peixes que praticam a piracema - migração rio acima para desova. Com o rio obstruído, a reprodução das espécies seria afetada, causando a diminuição na quantidade de peixes nos rios da região e afetando a pesca e a segurança alimentar das populações indígenas. Outros impactos negativos já estão ocorrendo, segundo relato dos índios. As escavações da obra teriam provocado o assoreamento do Culuene, alterando o fluxo e a correnteza do rio e dificultando a navegação na região.
Dinamites explodem em área preservada
Segundo o estudo do antropólogo, as dinamites colocadas pela empresa estão explodindo um local também conhecido como “o moquém do Sol”.
No estudo, o professor escreve que “a narrativa conta que foi o Sol quem fabricou essas formações para pegar os peixes que, moqueados, serviriam para alimentar os convidados do primeiro Quarup”.
“Esse é o local que os índios identificam com aquele em que a PCH Paranatinga II está sendo construída”, conclui.
Sob pressão
A liminar concedida cita, como prova do conflito de interesses entre os povos do Xingu e a Paranatinga Energia S/A, o acordo firmado em dezembro passado entre a empresa, o governo do Estado do Mato Grosso e lideranças indígenas do PIX. Neste acordo, o governo teria conseguido a anuência dos povos xinguanos para o prosseguimento da obra.
Em reunião, dentro do Parque Indígena do Xingu, em março, com a presença de lideranças das 14 etnias do PIX, os caciques que firmaram o acordo em favor da barragem disseram que o fizeram sob pressão de representantes da empresa.
Afirmaram também que estão arrependidos de tê-lo feito.
“O acordo gerou muita insatisfação entre os índios porque foi assinado sem a consciência de todas as lideranças”, afirma Ianukulá Kaiabí Suiá, diretor de projetos da Associação Terra Indígena Xingu (Atix).
No início de maio, a Justiça Federal suspendeu novamente as obras. Só que as obras nunca param, revelou Ianukulá.
Movimento critica governo do Estado
Para o movimento xinguano as autoridades do governo mato-grossense não consideraram o estudo do antropólogo Carlos Fausto: “A ocupação indígena do alto curso dos formadores do rio Xingu e a cartografia sagrada alto-xinguana”.
O trabalho de Carlos Fausto, professor de etnologia do Museu Nacional, traz informações arqueológicas, históricas e etnológicas sobre a ocupação indígena do médio e alto cursos dos formadores do rio Xingu.
A partir delas, o antropólogo descreve as áreas localizadas fora dos limites do Parque Indígena do Xingu e suas relações estreitas com a cultura dos povos nativos da região.
O laudo conta que dados históricos comprovam que o curso do Culuene ao sul do Parque Indígena do Xingu é território histórico dos povos Karib e que a população nativa foi reduzida ao longo dos séculos em função das doenças transmitidas nos contatos com os colonizadores.
O trabalho revela que o trecho do rio Culuene no qual está erguida a PHC Paranatinga 2 é conhecido pelos alto-xinguanos pelo nome de Sagihenhu - aldeia na qual, de acordo com a mitologia dos povos nativos, Sol e Lua realizaram o primeiro Quarup em homenagem à sua mãe, filha da divindade Mavutsinin.
O antropólogo afirma que o Quarup é uma cerimônia de caráter intertribal, em homenagem a chefes mortos, realizada no auge da estação seca. “Ele é o ponto final de um ciclo ritual que se inicia com a morte de uma pessoa com status de chefe, correspondendo ao final do luto”.
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