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Jô Soares estréia Ricardo III no Teatro Faap
SÃO PAULO - Foi o encontro de duas paixões - o ator e produtor Marco Ricca, que já ostenta um Hamlet em seu currículo, ambicionava fazia anos levar um dos mais fascinantes vilões de Shakespeare aos palcos. Por outro lado, o escritor e apresentador Jô Soares, que dirigiu uma versão de Romeu e Julieta há um bom par de anos, também flertava em participar da montagem daquela que é a sua favorita entre as peças do bardo. Da convergência de interesses surgiu Ricardo III, que estréia neste sábado para convidados no Teatro Faap, em São Paulo.
"Fazia três anos que eu planejava viver esse personagem neste palco e, para isso, eu sabia que precisaria de um elenco vigoroso e uma direção que conhecesse com detalhes toda a riqueza do texto", conta Ricca que, ao convidar Jô para comandar a encenação, aceitou sua principal condição: a de traduzir e adaptar o texto que seria levado ao palco. "O resultado é genial, pois Jô não só leva a sério a trama de Shakespeare, mas ressalta alguns detalhes, muitas vezes esquecidos por outros montadores, como o humor, que estabelece um canal com a platéia, e a força das personagens femininas, também relegadas a segundo plano em outras versões." São filigranas que, de fato, têm importância decisiva. Escrita por Shakespeare entre 1592 e 1593, Ricardo III tem um protagonista emocionalmente complexo. Depois de auxiliar seu irmão mais velho, Eduardo, a assumir o comando da Inglaterra, Ricardo, homem marcado por uma deformidade física, fomenta conspirações, alia-se a parceiros a quem trai sem culpa, ordena a morte de todos os que podem impedir sua chegada ao poder. "Shakespeare criou o maior monstro do teatro", comenta Jô Soares. "E, curiosamente, é um dos mais amados."
Tal dicotomia é reforçada pelas opções do diretor/adaptador, especialmente em cenas como a em que Ricardo, depois de ter matado o pai e o sogro da jovem Anna (Maria Manoella), ainda a seduz durante o cortejo fúnebre, em uma cena ao mesmo tempo bela e impactante. "Ele tem um poder de sedução que, mesmo coxo, feio, consegue se impor como um homem irresistível." Para a maioria dos estudiosos, Ricardo é a definitiva caracterização da ambição, da completa falta de escrúpulos e da indiferença pelo sofrimento alheio. O mal personificado na figura odiosa de um homem capaz de tudo. Mas, antes de ser macabra ou pessimista, a peça permite - ao representar com imensa ironia a encarnação do mal - a possibilidade de se refletir sobre os tempos atuais.
Mesmo não sendo intencional, Jô reforçou tal característica contemporânea do texto de Shakespeare. A tradução foi criteriosa - ao longo de seis meses, ele fez inúmeras pesquisas e descobriu que Ricardo III nunca foi encenado na íntegra. E um dos primeiros cuidados foi a redução de algumas passagens. "Afinal, são 48 personagens no original", conta Jô. "A primeira etapa foi excluir aqueles que se repetiam ou que estavam ali apenas para marcar uma função de época, o que deixava o texto datado." Segundo ele, por ser uma peça da fase de juventude de Shakespeare, Ricardo III exala uma liberdade que seria mais controlada no futuro, à medida que o dramaturgo amadurecia. "O interessante é que ele se atirava muito nessa época", conta o encenador, que buscou ressaltar a força poética e bem-humorada do texto. Terminada a tradução, que resultou em sete versões até a definitiva, Jô iniciou o trabalho de encenação, para o qual , seguindo os rompantes juvenis do autor, também não se amarrou em convenções ou respeito exagerado. O cenário, por exemplo, surge limpo de detalhes, concentrando a atenção nos personagens. E, a respeito destes, ele ressaltou a presença feminina. "É curioso como as mulheres são apresentadas de forma secundária por muitos montadores, pois elas têm uma força extraordinária."
"O que realmente me seduziu no projeto foi esse destaque para as mulheres", conta Glória Menezes, que interpreta a Duquesa de York, mãe de Ricardo e Eduardo. "E a tragédia da minha personagem está na consciência de ser a causadora de todo o mal; afinal, ela gerou Ricardo, o que lhe dói muito, pois trouxe ao mundo um vilão." A atriz, que já experimentara papéis desafiadores no palco como Wit - A Jornada de um Poema, sob a direção de Diogo Vilela, surpreendeu-se com o ritmo cinematográfico da montagem de Jô Soares. "A cenas lembram fusões do cinema, o que ressalta o aspecto humano da peça, mesmo concentrando a atenção do público em um homem que é disforme de corpo e alma."
Tal detalhe, segundo Denise Fraga, que interpreta Elizabeth, permite uma comunicação constante do público com o texto, mesmo enfrentando 120 minutos sem intervalos, uma `heresia´ para espectadores acostumados à rala velocidade das histórias atuais. "O curioso em Elizabeth é que, para sobreviver em um mundo machista, ela é obrigada a ser uma espécie de Ricardo com saias", explica. "Para manter sua posição social na realeza, Elizabeth experimenta situações a que ainda hoje não estamos acostumados, como abrir mão de relações sentimentais que lhe são muito caras." Acostumada a ser identificada como atriz de comédias rasgadas, Denise sente-se preparada para enfrentar a expectativa da platéia e não decepcionar. "Fui muito auxiliada pela visão que o Jô trouxe para o texto, especialmente por ressaltar a ironia que marca a transgressão dos personagens. Com isso, é possível mostrar que Elizabeth tem, na verdade, uma visão pragmática de sua situação." O encenador confirma sua intenção de valorizar o humor inteligente de Shakespeare. "Ricardo III é uma tragédia com muito humor; caso contrário, o público não suportaria tanta vilania", acredita ele que, habituado a se aprofundar em pesquisas, ofereceu aos atores uma infinidade de informações históricas que lhe facilitassem a construção dos personagens. "O Jô parecia uma estante de livros, tamanha a facilidade com que ele nos trazia dicas importantes", brinca Denise Fraga.
O material foi essencial para Marco Ricca que, no papel do coxo maldito e sedutor, buscou não acentuar as deficiências físicas do personagem, que surgem apenas como mais um desafio a ser enfrentado (e vencido) por Ricardo. "É fascinante como Shakespeare, com esta peça em especial, vasculha a alma humana", comenta. "Afinal, por conta de sua fome de poder, o homem é capaz de trair." E, a fim de compartilhar a qualidade da tradução e da montagem com o público, este terá acesso ao texto de Jô Soares, editado pela Imprensa Oficial e Fundação Abrinq. Ricardo III. 120 min. 12 anos. Teatro Faap (408 lugares). Rua Alagoas, 903, 3662-7233. 5.ª e 6.ª, 21h30; sáb., 21 h; dom., 18 h. R$ 50 e R$ 60. Até 27/8
"Fazia três anos que eu planejava viver esse personagem neste palco e, para isso, eu sabia que precisaria de um elenco vigoroso e uma direção que conhecesse com detalhes toda a riqueza do texto", conta Ricca que, ao convidar Jô para comandar a encenação, aceitou sua principal condição: a de traduzir e adaptar o texto que seria levado ao palco. "O resultado é genial, pois Jô não só leva a sério a trama de Shakespeare, mas ressalta alguns detalhes, muitas vezes esquecidos por outros montadores, como o humor, que estabelece um canal com a platéia, e a força das personagens femininas, também relegadas a segundo plano em outras versões." São filigranas que, de fato, têm importância decisiva. Escrita por Shakespeare entre 1592 e 1593, Ricardo III tem um protagonista emocionalmente complexo. Depois de auxiliar seu irmão mais velho, Eduardo, a assumir o comando da Inglaterra, Ricardo, homem marcado por uma deformidade física, fomenta conspirações, alia-se a parceiros a quem trai sem culpa, ordena a morte de todos os que podem impedir sua chegada ao poder. "Shakespeare criou o maior monstro do teatro", comenta Jô Soares. "E, curiosamente, é um dos mais amados."
Tal dicotomia é reforçada pelas opções do diretor/adaptador, especialmente em cenas como a em que Ricardo, depois de ter matado o pai e o sogro da jovem Anna (Maria Manoella), ainda a seduz durante o cortejo fúnebre, em uma cena ao mesmo tempo bela e impactante. "Ele tem um poder de sedução que, mesmo coxo, feio, consegue se impor como um homem irresistível." Para a maioria dos estudiosos, Ricardo é a definitiva caracterização da ambição, da completa falta de escrúpulos e da indiferença pelo sofrimento alheio. O mal personificado na figura odiosa de um homem capaz de tudo. Mas, antes de ser macabra ou pessimista, a peça permite - ao representar com imensa ironia a encarnação do mal - a possibilidade de se refletir sobre os tempos atuais.
Mesmo não sendo intencional, Jô reforçou tal característica contemporânea do texto de Shakespeare. A tradução foi criteriosa - ao longo de seis meses, ele fez inúmeras pesquisas e descobriu que Ricardo III nunca foi encenado na íntegra. E um dos primeiros cuidados foi a redução de algumas passagens. "Afinal, são 48 personagens no original", conta Jô. "A primeira etapa foi excluir aqueles que se repetiam ou que estavam ali apenas para marcar uma função de época, o que deixava o texto datado." Segundo ele, por ser uma peça da fase de juventude de Shakespeare, Ricardo III exala uma liberdade que seria mais controlada no futuro, à medida que o dramaturgo amadurecia. "O interessante é que ele se atirava muito nessa época", conta o encenador, que buscou ressaltar a força poética e bem-humorada do texto. Terminada a tradução, que resultou em sete versões até a definitiva, Jô iniciou o trabalho de encenação, para o qual , seguindo os rompantes juvenis do autor, também não se amarrou em convenções ou respeito exagerado. O cenário, por exemplo, surge limpo de detalhes, concentrando a atenção nos personagens. E, a respeito destes, ele ressaltou a presença feminina. "É curioso como as mulheres são apresentadas de forma secundária por muitos montadores, pois elas têm uma força extraordinária."
"O que realmente me seduziu no projeto foi esse destaque para as mulheres", conta Glória Menezes, que interpreta a Duquesa de York, mãe de Ricardo e Eduardo. "E a tragédia da minha personagem está na consciência de ser a causadora de todo o mal; afinal, ela gerou Ricardo, o que lhe dói muito, pois trouxe ao mundo um vilão." A atriz, que já experimentara papéis desafiadores no palco como Wit - A Jornada de um Poema, sob a direção de Diogo Vilela, surpreendeu-se com o ritmo cinematográfico da montagem de Jô Soares. "A cenas lembram fusões do cinema, o que ressalta o aspecto humano da peça, mesmo concentrando a atenção do público em um homem que é disforme de corpo e alma."
Tal detalhe, segundo Denise Fraga, que interpreta Elizabeth, permite uma comunicação constante do público com o texto, mesmo enfrentando 120 minutos sem intervalos, uma `heresia´ para espectadores acostumados à rala velocidade das histórias atuais. "O curioso em Elizabeth é que, para sobreviver em um mundo machista, ela é obrigada a ser uma espécie de Ricardo com saias", explica. "Para manter sua posição social na realeza, Elizabeth experimenta situações a que ainda hoje não estamos acostumados, como abrir mão de relações sentimentais que lhe são muito caras." Acostumada a ser identificada como atriz de comédias rasgadas, Denise sente-se preparada para enfrentar a expectativa da platéia e não decepcionar. "Fui muito auxiliada pela visão que o Jô trouxe para o texto, especialmente por ressaltar a ironia que marca a transgressão dos personagens. Com isso, é possível mostrar que Elizabeth tem, na verdade, uma visão pragmática de sua situação." O encenador confirma sua intenção de valorizar o humor inteligente de Shakespeare. "Ricardo III é uma tragédia com muito humor; caso contrário, o público não suportaria tanta vilania", acredita ele que, habituado a se aprofundar em pesquisas, ofereceu aos atores uma infinidade de informações históricas que lhe facilitassem a construção dos personagens. "O Jô parecia uma estante de livros, tamanha a facilidade com que ele nos trazia dicas importantes", brinca Denise Fraga.
O material foi essencial para Marco Ricca que, no papel do coxo maldito e sedutor, buscou não acentuar as deficiências físicas do personagem, que surgem apenas como mais um desafio a ser enfrentado (e vencido) por Ricardo. "É fascinante como Shakespeare, com esta peça em especial, vasculha a alma humana", comenta. "Afinal, por conta de sua fome de poder, o homem é capaz de trair." E, a fim de compartilhar a qualidade da tradução e da montagem com o público, este terá acesso ao texto de Jô Soares, editado pela Imprensa Oficial e Fundação Abrinq. Ricardo III. 120 min. 12 anos. Teatro Faap (408 lugares). Rua Alagoas, 903, 3662-7233. 5.ª e 6.ª, 21h30; sáb., 21 h; dom., 18 h. R$ 50 e R$ 60. Até 27/8
Fonte:
Agência Estado
URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/298609/visualizar/
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