Após mais de 11 anos do incêndio que matou sete pessoas e feriu 197 pessoas em Belo Horizonte, seis dos sete condenados por homicídio culposo cumprem pena. O sétimo já cumpriu um ano e seis meses de prestação de serviço à comunidade . No dia 24 de novembro de 2001, um incêndio que começou com uma cascata de fogos de artifício no palco consumiu a casa de shows “Canecão Mineiro”. Na hora, se apresentava a banda “Armadilha do Samba”. A casa não tinha alvará de funcionamento nem saídas de emergência, e catracas faziam o controle de entrada e saída na porta principal. Naquela noite, 1,5 mil pessoas assistiam ao show no momento do incêndio.
(Correção: ao ser publicada, esta reportagem errou ao informar que somente um dos condenados cumpre pena. Na verdade, um dos condenados já cumpriu pena, e os outros seis cumprem pena atualmente. O erro foi corrigido às 10h39. )
Neste domingo (27), mais de 230 pessoas morreram em um incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. A maior parte das vítimas são estudantes universitários. As causas do incêndio são investigada pela polícia. Testemunhas relataram que o fogo começou depois que o vocalista acendeu uma espécie de sinalizador, e faíscas atingiram o teto da casa noturna. Delegados aguardam o resultado da perícia para verificar o que ocorreu e onde as chamas começaram.
Il Brener é um dos sobreviventes do incêndio no "Canecão Mineiro" (Foto: Reprodução/TV Globo)
Sobrevivente da tragédia do “Canecão Mineiro”, o músico Il Brener contou o que viu dentro da casa de shows em Belo Horizonte. “Quando eu deparei com o fogo que estava pequeno no teto, tinha ainda aquela esperança que o segurança pudesse apagar, mas quando ele jogou o extintor, alastrou [o fogo]. Aí o recurso foi só correr mesmo pra salvar a vida”, relembrou Brener. Ele era um dos músicos da banda, e estava no camarim na hora do início da cascata de fogos. Ele conta que subiu ao palco instantes depois, mas o fogo já estava no teto.
“Tinha em média mais de mil pessoas no local, e deu curto circuito, com fumaça, sem luz. Você não sabe onde é a saída. Você vai andando, pedindo pra Deus que dê certo. Nesse trajeto [do palco até a porta de saída], eu inalei muita fumaça, alguns respingos de plástico foram pegando na pele e fui indo pedindo a Deus pra dar certo. (...) Tinha muita gente na nossa frente, então pegamos, abraçamos uns aos outros [músicos] e fomos indo, mas no meio do caminho vai separando naquele empurra-empurra, não tem luz e eu continuei andando”.
Brener mostra queimadura na barriga
(Foto: Reprodução/TV Globo)
Brener ficou 15 dias em coma por complicações respiratórias e sofreu várias queimaduras. “Eles jogavam soro na gente porque ‘tava’ já na carne, então não podia colocar lençol, com o perigo de grudar”, detalhou o músico. “A principio, eu devo ter tomado uma medicação que eu não lembro porque depois eu só lembro da médica pedindo pra eu cuspir em uma vasilha e só saia aquelas bolas de fumaça e, depois disso, eu já entrei em coma, e não lembro mais”, contou.
Os sete condenados por homicídio culposo – em que não há intenção de matar - eram o empresário da banda, dois músicos, dois promotores do show e o dono da casa de shows, além do irmão dele. Todos foram condenados em 2004 a quatro anos de prisão em regime aberto. Em 2008, as penas foram revertidas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais a prestação de serviço comunitário. Os sete condenados, somente um dos promotores da banda cumpre pena de dois anos e seis meses no Rio de Janeiro. As penas dos outros varia de 1 ano e seis meses a 3 anos e um mês de serviços comunitários.
Entre todos os feridos e familiares dos mortos na tragédia, somente uma sobrevivente conseguiu na Justiça indenização. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) condenou a Prefeitura de Belo Horizonte a indenizar a mulher em 300 salários mínimos. É a primeira sobrevivente a conseguir reparação judicial pelos danos sofridos. Segundo o advogado dela, Antônio Carlos Theodoro, da decisão não cabe recurso, e a sentença está em fase de execução. A expectativa é que o pagamento seja feito até o próximo ano. A mulher não quis dar entrevista. O processo de Brener, que entrou na Justiça contra o estado, foi arquivado.
Maria José mostra a foto do irmão Geraldo, morto no incêndio (Foto: Reprodução/TV Globo )
Outra família também tenta na Justiça a reparação pelo ente perdido. Geraldo Soares Filho foi uma das sete pessoas que morreram no incêndio. O irmão dele, Jerry, também estava na casa, e conseguiu se salvar. “Pessoas quebravam a janela, pulavam do segundo andar na rua. A única saída era a entrada, dois andares abaixo”, contou o sobrevivente. A irmã deles, Maria José, ainda se emociona ao se lembrar do irmão que morreu. “É sofrimento demais, porque eu fui tratar com psiquiatra. É difícil, por que a gente não esquece. Eu gostava muito dele, ele era minha companhia”, chora. A família está com vários processos na Justiça, ainda sem decisão. Mas a indenização que foi determinada para uma das vítimas dá esperança à família de Geraldo.
A Prefeitura de Belo Horizonte disse que, em 60 casos de vítimas do “Canecão Mineiro”, cinco ainda não têm decisão judicial. Nos demais, a prefeitura informou que foi inocentada pela Justiça. E somente houve uma decisão que condenou o município a pagar indenização a uma vítima do incêndio.
A Defensoria Pública disse que entrou com mais de oito processos com grupos de vítimas na Justiça, pedindo reparação judicial. E que boa parte delas já ganharam em primeira instância. A Defensoria disse que os donos da casa não tinham patrimônio para pagar as indenizações. Desta forma, os cidadãos ganharam a causa, mas o processo não tem como ser executado.
Com essas dificuldades, a Coordenadoria da Defensoria Pública estuda a possibilidade de levar a causa para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por que o Estado Brasileiro não estaria assegurando a dignidade e a integridade do cidadão. A coordenadoria espera que as ações sejam julgadas até o último recurso para decidir se vão pedir ajuda ao órgão internacional.
A Defensoria ainda informou que a Prefeitura de Belo Horizonte foi condenada pela falta de fiscalização do local.
Fogo atinge teto do "Canecão Mineiro" (Foto: Reprodução/TV Globo)
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