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Internacional
Domingo - 21 de Maio de 2006 às 08:21

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SÃO PAULO - Mais do que simplesmente promover suas políticas de esquerda, o governo do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, busca afirmar e difundir, interna e externamente, sua "ideologia revolucionária".

Para isso, conta com figuras como a do tenente coronel retirado Héctor Herrera. Amigo de Chávez - "nos queremos muito bem", resume - e seguidor de suas idéias desde a academia do exército, Herrera é o presidente da Frente Cívico Militar Bolivariana, um grupo formado por civis e militares aposentados que tem por objetivo dar apoio ideológico e discutir as políticas sociais do governo.

Em conversa com o Portal Estadao.com.br, ele falou sobre o trabalho da organização não governamental que dirige, defendeu as políticas de Chávez e explicou alguns dos fundamentos que estão por trás do processo político vivido atualmente pela Venezuela, a "Revolução Bolivariana". A entrevista:

Quais são os objetivos da Frente Cívico Militar Bolivariana?

Nosso objetivo principal é a defesa da constituição nacional. Em segundo lugar, temos um trabalho de divulgação da ideologia e da filosofia da constituição, para que ela não se torne letra morta. Em terceiro, a defesa do governo revolucionário do presidente Chávez. E em quarto lugar, a participação ativa nos programas sociais revolucionários.

Em suas palestras, o senhor costuma dizer que o governo Chávez não era reformista, mas sim revolucionário. Neste sentido, como o sr. definiria a Revolução Bolivariana e que resultados deste processo podemos observar hoje na Venezuela?

Nós não acreditamos no reformismo. Por isso, propomos a realização de uma revolução democrática. E o que é uma revolução democrática? Essa democracia que há hoje em dia é uma democracia representativa, em que cinco ou seis pessoas supostamente representam milhões. Então, acreditamos em uma democracia participativa em que o povo não só vota em seus representantes a cada quatro anos, como participa das tomadas de decisões da gestão pública, da criação de leis, de referendos para retirar um presidente ou governador que não cumpriu suas promessas de mandato. Também propomos que as forças armadas ajudem no desenvolvimento econômico e social do país. É claro que elas devem usar todo o seu aparato logístico para garantir a defesa do território nacional, mas também deve servir para fazer estradas, escolas, abrir caminhos rurais para que os camponeses escoem sua produção. E os resultados que já podemos ver dessa revolução são coisas como a distribuição entre os pobres de mais de três milhões de hectares de terra que estavam sendo utilizadas somente entre uns poucos oligarcas. Também temos visto a eliminação do analfabetismo na Venezuela, assim como a união entre as forças armadas e o povo para garantir que todas as pessoas possam comer. Essas são coisas tangíveis que podemos ver.

Mas também sabemos que a Venezuela enfrenta hoje problemas sociais graves, como o desemprego. Segundo dados do Banco Mundial, o índice de desemprego atingiu uma média de 16,8% entre 2000 e 2004. Mas há outras coisas, como os gastos com saúde, que caíram de US$ 299 per capita em 2000 para US$ 146 em 2004. Como o senhor explica esses dados?

Não sei sobre que bases o Banco Mundial definiu esses dados, mas o que posso dizer é que começamos o governo em 1999, e em 2001 tivemos uma greve patronal tremenda e em 2002 um golpe de estado. Ou seja, os três primeiros anos do governo Hugo Chávez não foram fáceis. Foram três anos de luta. O primeiro foi um ano de transformação estrutural em todo o país, porque tivemos uma Assembléia Constituinte. Essa Assembléia transformou toda a macroestrutura administrativa e legal do país. No ano seguintes tivemos uma greve patronal envolvendo todo o setor econômico. E depois veio o golpe de estado e o golpe petroleiro, este último com conseqüências terríveis. Então é só no final de 2002 para o início de 2003 que começa o crescimento do país. A taxa de desemprego, por exemplo, já está em 11%, e não 16%. Posso dizer também que nos últimos 10 trimestres tivemos crescimento constante numa média de 13%, um dos maiores do mundo. Hoje temos analfabetismo zero. O avanço na saúde é incrível, graças ao programa bairro a dentro, um convênio do governo de Cuba e Venezuela, que levou cerca de dois mil médicos, enfermeiros e dentista às favelas, e instalaram ambulatórios nesses lugares. Hoje as comunidades nacional e internacional reconhecem esses avanços. E o crescimento não é um resultado só da indústria petroleira, por que o governo tem incentivado a produção não petroleira. É o caso de uma corporação petroquímica que está produzindo muitas coisas e exportando.

Estatal?

Sim. Porque essa é uma forma diferente de avançar fora do modelo neoliberal. É um sistema misto socialista e de mercado, em que o Estado tem também uma participação importante. E a revolução bolivariana quer se diferenciar dos conceitos anteriores, em que apenas o "senhor mercado" falava. Nós acreditamos que o estado tem que ter uma participação importante. E as corporações que mais progrediram do ponto de vista econômica foram as estatais.

Voltando para a questão da democracia direta. Tudo nos leva a crer que o governo Chávez tem uma característica de concentrar muito poder. Nesse sentido, não é uma contradição essa proposta de uma democracia mais direta? É necessário, para promover uma democracia participativa, ter na esfera federal um poder concentrado?

Essa concentração de poder não existe. O que acontece é que o povo venezuelano perdeu a confiança na oposição. Estamos vivendo um processo em que a oposição não está encontrando como se articular, não sabe como enfrentar esse fenômeno chamado Chávez. Por exemplo, antes das eleições para a Assembléia Nacional, que tem 167 deputados, 60% dos deputados eram chavistas, e o resto da oposição. Mas, antes da última eleição, as pesquisas mostravam que eles passariam a ter só 10 ou 12 deputados, o que levou a oposição a boicotar o pleito, porque do contrário enfrentariam uma derrota humilhante. Então dizem que a Assembléia Nacional está na mão do governo. Não, o que acontece é que o povo já não os vê como representantes. Nos estados, nós tínhamos apenas cinco de 24 governadores. Mas após as eleições invertemos esse número, e agora temos 22 governadores chavistas. Então, quem concentrou o poder? Chávez ou o povo? Porque as pessoas votam voluntariamente em seus candidatos. Agora, o que deve fazer a oposição? Em primeiro lugar, o que acontece é que eles não entram em um acordo. Todos querem o poder. Para as eleições presidenciais, por exemplo, estão com nove candidatos. E, se continuarem com tantos candidatos, dificilmente conseguirão mais do que 3 ou 4% dos votos. Eu acho que esse é um castigo do povo às classes dominantes tradicionais, que o traiu por muitos anos. O povo quer outra coisa. E a oposição ainda não colocou um debate enriquecedor, com propostas. Nós necessitamos de uma oposição, mas uma oposição séria, com propostas. Não uma oposição que tenha por objetivo dar golpes de estado, que apóie embargos de potências estrangeiras ou busque a desestabilização interna. Mas uma oposição que apresente propostas ao povo, que faça propostas legislativas e que coexista com o governo nacional.

A Revolução Bolivariana é um processo permanente ou há um ponto em que vocês pretendem chegar, como, por exemplo, o comunismo?

O revolucionário é um conceito, uma filosofia de justiça social. Por isso, o processo tem que ser permanente.

Nesse sentido, há outros quadros, além de Chávez, para ocupar a presidência?

Nós não acreditamos na autocracia ou no messianismo. Desta forma, quando chegar a hora em que tivermos que criar uma nova liderança, teremos uma mudança no poder. E nós temos figuras importantes dentro do chavismo que poderiam continuar esse processo. Mas no momento nós não estamos pensando em eleger outro presidente, porque Chávez é parte fundamental desse processo.

Quais são os princípios da política externa bolivariana?

Em primeiro lugar, acreditamos na autodeterminação dos povos, no princípio da não ingerência e na manutenção da nossa soberania. Nós não aceitamos que se metam em nossos assuntos internos. Somos altamente nacionalistas e acreditamos que a integração sul-americana é primordial para que cresçamos enquanto região. E, para essa integração, é preciso deixar de lado o postulado da Alca, que tem como base uma competição em que os grandes engolem os pequenos. Nós achamos mais adequado a solidariedade, a complementaridade de nossos recursos naturais e, conseqüentemente, a cooperação. E o que estamos fazendo é colocar isso em prática, por exemplo, com a proposta de um Mercosul que leve em conta esses princípios, e não só o princípio de mercado.

Se os princípios dessa política são a autodeterminação e a não intervenção, como o senhor explica o embate entre Chávez e o candidato à presidência do Peru, Alan García, por exemplo? Não há aí uma contradição?

Creio que não, porque o presidente Chávez tem uma forte relação pessoal com o candidato Olanta Humalla, e ambos têm os mesmo princípios. Mas o povo peruano deve votar em quem considerar melhor. Agora , o que aconteceu foi que o ex-presidente Alan García xingou diretamente o presidente Chávez. O presidente apenas respondeu. E somos diretos em nossas opiniões. Acreditamos, por exemplo, que os brasileiros deveriam seguir votando no presidente Lula. Porque acreditamos que Lula representa um governo progressista, humanista e a favor dos pobres. E pensamos: por que não dizer isto? Por que ser hipócrita? Então eu acredito que o tema da diplomacia deveria mudar um pouco. Não estamos sendo intervencionistas, e sim honestos e sinceros.

Em que sentido o senhor propõe o tema da diplomacia deve mudar?

No sentido de sermos mais diretos, de dizer as coisas. Isso não significa, no entanto, participar diretamente da política interna dos países. Não somos intervencionistas, como foi os Estados Unidos quando mandaram uma fragata para a costa venezuelana durante o golpe de estado. Isso está gravado. Ou quando eles (os EUA) mandam milhões de dólares para associações da oposição venezuelanas, com vistas na desestabilização social do país. Está comprovado. E isto é diferente de um presidente dizer o que pensa.

Mas quando Chávez vende petróleo para as comunidades pobres dos EUA, ele não está intervindo na política externa americana?

Não, porque ele não está afetando o governo ou o país. Nós não estamos mandando dinheiro para subverter a ordem. Não estamos mandando dinheiro para criar guerrilhas, como fez os EUA na Nicarágua. São coisas distintas, e é por isso que digo que não devemos utilizar uma diplomacia cínica e mentirosa.





Fonte: EFE

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