Há duas semanas, a comunidade hacker internacional perdeu um ícone. Aaron Swartz, 26 anos, cocriador do RSS ainda na adolescência, foi encontrado morto no seu apartamento, em Nova York no último dia 11. O laudo médico constatou enforcamento. Ele provavelmente se suicidou.
A morte tem agitado os Estados Unidos e trazido à tona um debate que opõe o que os críticos chamam de ‘indústria do copyright’ e a liberdade de compartilhamento de arquivos. Swartz é considerado o mais recente mártir dessa cruzada que opõe detentores legais dos direitos de distribuição de obras – livros, música, filmes, fotos – e os defensores da liberdade de compartilhamento, ou piratas, segundo a indústria.
A disputa, e o falecimento de Swartz, respingam no Brasil. Além de um ato em memória do programador agendado para a Campus Party Brasil 2013, há quem preveja um ano de mais força na luta pela liberdade na rede para este ano.
“Os hackers vão ganhar força no Brasil”, prevê o sociólogo Sergio Amadeu da Silveira, em entrevista ao Terra.
Estudioso e entusiasta da cultura hacker, Amadeu prevê um 2013 de agitação ‘hackativista ‘ - termo mais recente atribuído aos programadores que atuam sob a bandeira da liberdade de conhecimento – forte inclusive no Brasil, onde a disputa entre essas forças opostas pelo controle da internet tem o seu próprio capítulo.
“O movimento hacker no Brasil, conta com muitos jovens e adultos de ambos os sexos que são brilhantes, que desenvolvem código e que têm o espírito hacker”, enfatiza.
Confira trechos da entrevista.
Terra – Como surgem os hackers no cenário da tecnologia?
Sergio Amadeu – A expressão hacker surge na cultura americana vinculada aos aficionados por códigos de programação e ganha força nos anos 1960, quando se constituem as comunidades hackers, cuja característica básica era superar desafios lógicos por diversão e compartilhar os conhecimentos obtidos, influenciados pela contracultura. O compartilhamento era algo fundamental para a cultura porque era assim que ele (o hacker) ganhava notoriedade. Ele tá no coração da construção da internet. Uma série de iniciativas hackers que geraram modelos tecnológicos distribuídos, avessos ao controle, estão no coração da internet. A ideia era que distribuir informação era o mesmo que distribuir poder. E essa cultura está em alguns dos protocolos de internet. Não existem na rede pontos obrigatórios. A rede é uma rede de controle, mas está distribuída.
Terra – Em que momento esses programadores e ativistas passam a ser considerados criminosos?
Amadeu - Quando a rede e se expande, incomoda muitas corporações que passaram a trabalhar na imprensa a ideia de hacker como algo criminoso. Ele (o hacker) passou a ser visto como alguém que simplesmente invade máquinas. Os hackers reagiram e criaram um termo para quem invade as máquinas, que é cracker. Até hoje grandes desenvolvedores se colocam como hackers.
Terra – Quando eles passaram a ser ativistas?
Amadeu - O que eu digo é que os hackers sempre foram ativistas. No final dos anos 1990, muitos hackers que estavam só preocupados com o desenvolvimento de códigos, por causa da ferocidade da indústria do copyright, foram se politizando. Não no sentido partidário, mas de perceber que existiam tentativas dos estados e seus aparatos de atuarem contra a lógica deles, de compartilhar conhecimento e saberes. E isso levou a uma aproximação grande entre grupos de ativistas, tecno-artistas, militantes de causas democráticas e direitos humanos com os hackers. E isso é a nossa década, quando se tem várias ações de hackers e ativistas que passaram a criar processos sinergéticos, se reunir e atuar em conjunto. Eles passaram a atuar fora do plano da tecnologia e passaram a ser percebidos por isso pela sociedade quando ajudam o Wikileaks divulgar informações e construir redes seguras. Quando o Wikileaks foi retirado do ar mais de 800 espelhos foram colocados na rede. Quando o aparato da inteligência americana, no início da Primavera Árabe, tinha países contra e a favor, os hackers ajudaram a mostrar como o governo americano passava informações. A luta pela liberdade tecnológica passa a ser uma luta pela liberdade de interagir e se comunicar.
Terra – Por que a morte de Swartz é tão emblemática?
Amadeu - Com a morte do Aaron fica nítido o exagero e a absurda perseguição contra aqueles que compartilham e criam tecnologias de conhecimento. Ele é um exemplo claro de um desenvolvedor brilhante que tinha uma prática social intensa. O aparato repressivo, dominado pela indústria do copyright, queria fazer o que se fez com o The Pirate Bay. Ele foi acusado de uma coisa que não tinha feito. Ele é uma expressão desse enfrentamento entre as possibilidades que a tecnologia dá e o enrijecimento das práticas. Ele é vítima desse confronto. Os hackers são ativistas nesse confronto. Eu espero que esse fato lamentável tenha resultado. Acho que sensibilizou muita gente. Eu mesmo vi professores que nunca tinham comentado nada desse ativismo que estavam chocados quando ficaram sabendo da morte. E ficaram chocados com a história também. Nos Estados Unidos, por exemplo, a EFF tem insistido na necessidade de revisão da lei de crimes computacionais.
Terra – Como está a questão no Brasil?
Amadeu - Nós estamos resistindo no Brasil para que não se abra espaço para fazer o que fizeram com o Aaron Swartz. Infelizmente aprovaram uma lei (Carolina Dieckmann) que diz que quando você faz um protesto em que se faz um DDoS (ataque de negação de serviço, com muitos usuários acessando um endereço para derrubá-lo). Essa forma de ação protesto, com essa lei, foi tornada crime. É um absurdo, um exagero e um descuido do legislador. Talvez ele não estivesse pensando nesse tipo de coisa. O fato é que tem os setores conservadores que são contra qualquer tipo de acesso à informação. O movimento hacker no Brasil tem muitos jovens e adultos de ambos os sexos que são brilhantes, que desenvolvem código e que têm o espírito hacker. Esse processo de politização desses desenvolvedores está se intensificando. Tem também vários movimentos que não eram hackers e que estão começando a perceber o assunto do ponto de vista hacker, para garantir o acesso livre. O Marco Civil deve juntar hackers e pessoas dos direitos humanos contra o lobby do copyright que tenta dizer que para remover conteúdo de internet tem que ter autorização judicial exceto em violação do direito do autor. Isso é colocar o direito das corporações totalmente acima do direito das crianças. Isso está gerando e certamente gerará mobilização intensa. Imagina! Sem ordem judicial, o cara olha o meu blog e manda tirar o blog do ar. O provedor vive de negócios, e vai fazer isso. Mas isso inverte o ônus da prova. Eu, pra colocar de volta, vou ter que recorrer ao judiciário. É uma situação esquizofrênica.
Comentários