TRF-4 derruba pena de perdimento por falta de documento
O juiz substituto Aderito Martins Nogueira Júnior, da Vara Federal de Uruguaiana, lembrou que o Mandado de Segurança não comporta produção de provas e que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade. Por isso, registrou na sentença, seria inviável acolher a alegação de que o transportador informou, espontaneamente, a ausência do documento antes mesmo do equívoco ser constatado pela fiscalização. Isso porque, a prova documental apontou que o autor só se manifestou na esfera administrativa após ser intimado a esclarecer a irregularidade.
Para ele, não tratou-se de ‘‘equívoco meramente formal’’, de pouca relevância, passível de ser corrigido no curso do despacho, sem aplicação de qualquer penalidade. Antes, tratou-se de uma das mais graves violações às normas que regulamentam as atividades de exportação: o desacordo entre a mercadoria declarada à fiscalização aduaneira e o montante que efetivamente estava sendo exportado.
‘‘De fato, o artigo 105, inciso IV, do Decreto-Lei nº 37/66, combinado com o artigo 23, inciso IV, do Decreto-Lei nº 1.455/76, define de forma expressa que, por consubstanciar dano ao erário, está sujeita à pena de perdimento a mercadoria existente a bordo do veículo, sem registro em manifesto ou em documento de efeito equivalente’’, justificou o juiz, que considerou o Mandado de Segurança improcedente.
Ausência de ilícito
O entendimento de primeira instância, entretanto, não prevaleceu na 1ª Turma do TRF-4. O relator, juiz federal convocado Francisco Donizete Gomes, se alinhou à tese que considera excessiva a pena de perdimento quando não há indício de má-fé ou de lucro a ser obtido com a infração. Decisão contrária afrontaria, flagrantemente, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Nesta linha, o relator acolheu integralmente a opinião do procurador da República Januário Paludo, adotando seu Parecer como razões de decidir.
Após discorrer sobre as disposições do Regulamento Aduaneiro, Paludo registrou que a decretação de pena de perdimento para o transportador está, reiteradamente, associada às expressões ‘fraude’, ‘clandestina’, ‘simulação’, ‘ocultação’, ‘ilusão’, ‘ardil’, entre outras.
‘‘Intui-se, ainda, dos termos do inciso XI, do artigo 689, do Decreto 6.759/09, a necessidade de se inferir, da atuação do agente econômico, a vontade deliberada de se furtar ao cumprimento das exigências que regulamentam a importação, o que se denota da expressa previsão do dolo como requisito à aplicação da pena de perdimento no caso de mercadoria estrangeira’’.
Por fim, corroborando com esta linha de entendimento, o representante da Procuradoria no colegiado invocou o Enunciado da Súmula 138 do TRF, que se aplica, por interpretação analógica, ao caso concreto. Diz o Enunciado: ‘‘A pena de perdimento de veículo, utilizado em contrabando ou descaminho, somente se justifica se demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do seu proprietário na prática do ilícito’’.
O caso
Conforme narra o Parecer da Procuradoria Regional República na 4ª Região (PRR-4), o autor, no cumprimento do contrato de transporte de carga destinada ao exterior, deixou de declarar no Manifesto Internacional de Carga Rodoviária (MIC) o Conhecimento Internacional de Transporte Rodoviário (CRT) número BR-078-007322, relativo a 24 tambores de tinta Black Alkyd Concentrate.
O transportador só percebeu o erro no momento em que o veículo, amparado pelo MIC/DTA número BR-078-009072, entrou no Porto Seco Rodoviário de Uruguaiana, com destino ao Chile, para proceder ao desembaraço aduaneiro das mercadorias transportadas. O fato aconteceu em 3 de outubro de 2011.
Naquele momento, o representante do transportador, presente no local, informou ao auditor fiscal da Receita Federal o ocorrido — antes mesmo do início da conferência física da carga. Informou que o MIC/DTA estava sendo alterado, para fazer constar o CRT. O auditor fiscal, ignorando as informações que lhe foram prestadas, resolveu intimar formalmente o transportador, a fim esclarecer sobre a ausência do documento.
No dia 5 de outubro, segundo o Parecer, citando a inicial, o autor apresentou explicações formais ao agente fiscal, requerendo a juntada do MIC/DTA já alterado para constar o CRT faltante. No dia seguinte, entretanto, o auditor lavrou termo de apreensão. No dia 4 de novembro, ele foi além: lavrou um auto-de-infração, aplicando pena de perdimento da mercadoria. O ato se baseou no artigo 105, inciso IV, do Decreto-Lei n. 37/1966.
O transportador, inconformado com pena tão severa, apresentou defesa administrativa contra o ato que determinou o perdimento da carga. Como a defesa não teve êxito neste âmbito, resolveu entrar com Mandado de Segurança na Vara Federal de Uruguaiana, sede do Porto Seco, para buscar reconhecimento da nulidade do ato administrativo.
Comentários