Funai divulga denúncia de que fazendeiros estariam envenenando Xavantes com agrotóxicos
Os índios Xavantes da terra indígena Marãiwatsédé acusam fazendeiros dos entornos da reserva de estarem jogando agrotóxicos na aldeia em uma tentativa de vingar os produtores rurais despejados pela operação de desintrusão do distrito Estrela do Araguaia. A área em questão é o remanescente da antiga fazenda Suiá Missú, homologada como terra Xavante desde 1998, mas cujo domínio sobre ela – ou pelos índios ou pelos produtores rurais – ainda está em disputa judicial.
De acordo co um xavante que teria retornado de Marãiwatsédé na semana passada, que cedeu entrevista ao blog da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Nova Xavantina (659 quilômetros de Cuiabá), mas não é identificado em nenhuma parte do texto, fazendeiros da região tem usado aviões para despejar produtos químicos no começo da manhã e ao fim da tarde. Nesses momentos não haveria vigilía das forças policiais e da Funai.
Vários indígenas já teriam caído doentes na aldeia de Marãiwatsédé. Entre os efeitos sentidos pelos indígenas estaria febre alta, dor de cabeça, vomito e vermelhidão nos olhos. “Parece que as crianças estão todas doentes, com vômito e febre muito alta. E os velhos também. E eu pude perceber que cada dia tem adultos desmaiando de dor de cabeça e do corpo”, disse o indígena.
A situação dos indígenas também estaria complicada devido ao sentimento generalizado de ódio pelas Xavantes que se alastrou na regição desde o início da operação de despejo dos produtores rurais de Estrela do Araguaia, distrito também conhecido coo Posto da Mata. Segundo o índio entrevistado, os xavantes de Marãiwatsédé estão com medo de ir às cidades próximas, tanto para fazer compras quanto para receberem benefícios do governo, e só saem da aldeia com acompanhamento policial.
A área do distrito Estrela do Araguaia foi homologada terra indígena Marãiwatsédé, do povo Xavante, em 1998, mas a decisão judicial que determinou a retirada de não índios só foi prolatada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012. Então começou um confronto jurídico entre a Funai e ruralistas pela propriedade daquelas terras.
O conflito jurídico manteve os produtores rurais que ocupavam a região dentro do território até meio do ano passado, quando as liminares responsáveis por mantê-los dentro da área foram derrubadas.
A Justiça Federal então determinou a desintrusão de todos os não indígenas daquele território. Vários prazos foram concedidos para a saída voluntária dos moradores, mas eles sempre se recusaram por se considerarem os verdadeiros donos da terra. Além disso, o advogado da Aprosum reuniu um dossiê com provas de uma suposta fraude no processo de demarcação da terra indígena.
Mas apesar de os produtores rurais continuarem a recorrer, a operação de desintrusão foi iniciada em dezembro de 2012 e em janeiro de 2013, com um mês e uma semana decorridos desde o início, está quase concluída.
Um total de 619 pontos de ocupação foi vistoriado pelos oficiais de Justiça e, até o momento, foram contabilizadas 437 construções repassadas para a Funai, compreendendo equipamentos na área rural e no Posto da Mata. Ainda faltam ser fiscalizados 46 pontos em regiões mais distantes, trabalho que vem sendo realizado apesar das fortes chuvas na região, segundo informe oficial do órgão indigenista.
Veja abaixo a entrevista completa abaixo:
Entrevista realizada semana passada, com um indígena xavante que retornou de uma visita à aldeia Marãiwatsédé. Ele nos conta como está o processo de desintrusão pela ótica da comunidade xavante e as dificuldades que estão passando. Ele nos faz uma denúncia sobre o uso de agrotóxico sobre a comunidade, que tem deixado muitos doentes. Sobre essa questão, a guarda militar que está de plantão na Terra Indígena já foi notificada e está averiguando a situação.
[As palavras grifadas entre parênteses são notas adicionadas pela edição para facilitar a compreensão.]
Como está a comunidade dentro da Aldeia Marãiwatsédé?
Lá em Marãiwatsédé, os xavantes estão bem. Mas eu vi que [há muita] necessidade, porque as plantas, dos plantios que eles fizeram, ainda estão pequenas, vai precisar de mais mantimentos, de cestas básicas, como colaboração para eles. E eu vi as mulheres necessitando, disputando para receber antes das outras pessoas. Isso eu vi, quando chegou as cestas básicas que era necessidade que elas tinham no momento, e corriam para receber antes que as outras. Mas ainda bem que lá os grupos são organizados, e através desses grupos, se reparte bem o que chega lá, de cestas básicas, mas não é o suficiente, teria que ir mais vezes. Hoje, o atendimento de saúde está muito bom com o povo xavante de Marãiwatsédé. A Funai melhorou agora, com a troca de chefe lá de Ribeirão Cascalheiras [1]. Agora tem que prestar atenção nessa ajuda, na colaboração de outros órgãos para conseguir enviar mais cestas básicas.
Você estava contando que está tendo pulverização aérea de agrotóxicos no entorno e às vezes até em cima da aldeia. Explique essa situação. E como isso esta afetando os Xavantes.
Tem plantações de soja nas fazendas vizinhas e o avião sobrevoa para jogar agrotóxicos e faz a manobra em cima da aldeia. Eles jogam o veneno no fim do dia ou de manhãzinha, quando os policiais e a Funai não estão lá e não estão vendo. Então, falando de saúde, o que me preocupa e os xavantes também [é que] talvez, para alguns anciãos, está tendo vingança em Marãiwatsédé, jogando veneno em cima dos xavantes e eles percebem essa malandragem dos amigos dos posseiros, para poder vingar a saída da Terra Marãiwatsédé dos posseiros para outros municípios. Está evidente essa vingança para com o xavante, eles [posseiros] estão bravos ainda, vamos dizer, estão com raiva dos xavantes, já culpando os xavantes porque eles foram retirados da Terra Marãiwatsédé. Isso é evidente para o xavante. E é evidente também que estão prejudicando a saúde do xavante com os agrotóxicos, é perigoso, perigosíssimo. Mas deve haver intervenção de alguma autoridade máxima competente de Cuiabá ou de Brasília, alguém que possa ajudar nessa questão, para parar de jogar veneno na aldeia Marãiwatsédé.
Quais os efeitos que a comunidade está tendo dessa exposição aos agrotóxicos?
Eu ainda não me recuperei também, ainda estou com os olhos vermelhos, estou com dor de cabeça na testa. E outros xavantes estão também assim como eu. Acho que eles estão passando muito pior do que eu, que vim para a cidade e eles ainda estão na aldeia. Parece que as crianças estão todas doentes, com vômito e febre muito alta. E os velhos também. E eu pude perceber que cada dia tem adultos desmaiando de dor de cabeça e do corpo.
Os xavantes de Marãiwatsédé estão sofrendo ameaças?
Sim, desde que começou a desintrusão, o xavante não sabia se tinha começado a desintrusão, os posseiros já tinham cavado um buraco pra ninguém poder passar, nem para Vila Rica, nem para São Felix do Araguaia, nem para Alto Boa Vista [2]. Então, [os xavantes que estavam indo de carro para São Felix do Araguaia,] perceberam que a estrada estava bloqueada e os posseiros viram os xavantes no carro e gritaram, xingando os xavantes, e o carro [dos xavantes] voltou imediatamente para trás, foram para a aldeia. E daí, eles não tentaram mais passar, nem tentaram ir para São Felix do Araguaia receber aposentadoria. E assim, estão lá sem receber.
Há vários indígenas na comunidade que recebem aposentadoria e outros direitos sociais, como Bolsa-Família e Auxílio-Maternidade. Além disso, há indígenas com salários, como os professores indígenas e agentes comunitários de saúde. Eles estão conseguindo ir até as cidades para ir por exemplo ao banco, ao mercado ou hospital?
A maior dificuldade dos aposentados xavantes, tanto homens como mulheres, é o transporte. Desde setembro que eles não vão receber aposentadoria no banco em São Felix do Araguaia. Alguns não conseguem receber em outra agência, tem problema na conta, por exemplo, a conta fica bloqueada, e não podem ir na agência em São Felix para desbloquear e não conseguem receber. Então, tem alguns que não recebem desde setembro, por causa desse problema que está ocorrendo. [Quando eu fui] na aldeia tentei conversar com alguns da Funai que estão lá também, que estão acompanhando de perto a desintrusão, e com o chefe dos policiais, para poder acompanhar os xavantes que recebem em São Felix do Araguaia. Parece que esta semana, eles vão marcar um dia para levar e acompanhar os xavantes no banco em São Felix do Araguaia.
Em Bom Jesus também tem ameaças?
Hoje, tem bastante gente do Posto da Mata em Bom Jesus do Araguaia. Acho que a maioria dos posseiros que saíram do Posto da Mata, está tentando morar lá, em Bom Jesus do Araguaia [3]. E vai haver dificuldade de agora em diante por causa da grande quantidade de posseiros do Posto da Mata lá em Bom Jesus do Araguaia.
A polícia tem acompanhado então os xavantes quando saem para as cidades?
Só quando vão para cidades mais distantes, como Canarana, mas nas cidades mais próximas, como Alto Boa Vista, São Felix do Araguaia e Bom Jesus do Araguia ainda não há acompanhamento, tem que ter. Então, quando quiserem sair e fazer compras em Bom Jesus do Araguaia, só com o acompanhamento dos policiais,. E para receber, os policiais tem que acompanhar os xavantes até São Felix do Araguaia, senão sem policiais, eles não vão. É arriscado. E os posseiros ainda culpam os índios pela saída deles para fora do Posto da Mata, da terra dos xavantes. Mas não só os índios, eles tem ódio da Funai, e principalmente, como os posseiros falam, eles tem mais ódio contra as organizações não-governamentais, eles tem ódio das ONGs. Então, está assim em Marãiwatsédé. E o caminhão que foi queimado no Posto da Mata [4], os posseiros pegaram para eles os mantimentos que estavam sendo levados, uns dizem para Karajá outros dizem para Tapirapé. E os policiais, segundo a Força Nacional que está em Marãiwatsédé, falaram que recuperaram alguns mantimentos e levaram para o xavante de Marãiwatsédé. O xavante está hoje necessitando das cestas básicas. E alguns colaboram, principalmente OPAN, são levados esses mantimentos para a aldeia Marãiwatsédé através da Funai de Ribeirão Cascalheiras. A Funai de Ribeirão Cascalheiras mudou muito também, trocou o Coordenador da Funai de lá. O Coordenador atual vai à desintrusão do Posto da Mata, voltando para Ribeirão Cascalheiras, ele entra na aldeia, repassando todas as notícias, atualizando como estão as coisas. Antes, não tinha atenção. Isso é muito importante, porque os xavantes estão na Terra acompanhando essa desintrusão.
Falando então no trabalho da Funai, como está o apoio dos parceiros?
Fiquei triste quando liguei para outros órgãos não-governamentais, que são colaboradores, que falaram que estão de férias. É hora deles se reconectarem, ligar-se com a situação de Marãiwatsédé e não falar que está de férias e que vai voltar no mês de fevereiro. Se é assim, melhor se desligar de uma vez, e não ir atrás quando voltar ao seu trabalho. Isso não é parceria, vamos dizer assim. Quem está ligado hoje só a Funai de Ribeirão Cascalheiras. Eu senti na pele [como está a situação e estava] contando com eles, mas não houve correspondência. Coloquei a situação para eles, e eles não estavam respondendo à situação do xavante em Marãiwatsédé.
Notas:
[1] A Aldeia Marãiwatsédé é atendida pela Coordenação Regional da Funai em Ribeirão Cascalheiras/MT, cidade localizada a cerca de 150 km sul da Terra Indígena Marãiwatsédé.
[2] A vila do Posto da Mata, localizada dentro da Terra Indígena Marãiwatsédé e onde vive a maioria das famílias não-indígenas que estão sendo retiradas, tem sido o ponto central de resistência dos chamados posseiros. No Posto da Mata, há uma intersecção de estradas: BR-158 que vai à norte em direção à Vila Rica (230km), e BR-242 à leste vai para Alto Boa Vista (30km) e São Félix do Araguaia (120km).
[3] Bom Jesus do Araguaia/MT é a cidade mais próxima da aldeia, a cerca de 25km e que tem uma relação amistosa com os indígenas de Marãiwatsédé, em comparação com outros municípios da região.
[4] No dia 28/12/12, um caminhão da FUNASA-SESAI, órgão federal responsável pela saúde indígena, que transportava cestas básicas para uma aldeia foi saqueado e queimado no Posto da Mata. Como o caminhão estava indo em direção oposta à aldeia xavante de Marãiwatsédé, acredita-se que estivesse indo em direção a aldeias das etnias Karajá (nas margens do Rio Araguaia) ou Tapirapé (na região de Confresa/MT e Santa Terezinha/MT).
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