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Cidades/Geral
Domingo - 19 de Março de 2006 às 10:44

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"O trabalho dignifica o homem". Dignifica e lesiona, diria o coro de 3.256 enfermos, que se tornaram doentes ou mutilados em jornadas impróprias. Este é o número de homens e mulheres que recebem auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) em Mato Grosso.

Custam ao órgão R$ 1,8 milhão por mês. Individualmente, cada um deles tem uma história para contar de desrespeito ao limite humano, físico e mental, em nome do lucro.

Conduzindo coletivos pelas ruas de Cuiabá e Várzea Grande, enfrentando o calor inclemente e as péssimas condições dos carros, durante jornadas exaustivas, em meio a um trânsito insano, 839 motoristas e cobradores do transporte urbano adoeceram.

Há 1 ano se uniram em uma associação que junta de enfartados a portadores de disfunção mental, alguns poucos já estão aposentados por invalidez, outros ainda buscam esse direito.

A maioria tem menos de 60 anos e há os que nem completaram 50. Albino Bocheneki, 47, é um deles."Trabalhei como motorista por apenas 4 anos, mas foram suficientes para fazer um estrago na minha vida".

Ele tem problemas na coluna e no joelho, surdez parcial e se sente vítima do trabalho desgastante. Bocheneki lidera o grupo que se reúne oficialmente desde 14 de junho de 2005.

"Todos nós temos dificuldades, alguns piraram mesmo, esses casos são os que eu acho mais triste", lamenta.

Sete dias em coma e o ex-motorista Aldécio Miguel da Silva, 52, já não é mais o mesmo. "Já aguentei das 3h30 até as dez horas da noite, sem parar", lembra. Um belo dia, a queda. Um derrame e um infarto deixaram sequelas. Na face destorcida, sinais de problemas neurológicos. Do cacoete de levar a mão aos ouvidos, a certeza de que 40% do funcionamento do órgão esquerdo está perdido.

"Não enxergo quase nada", completa sobre a perda de visão. Ainda assim, conseguiu apenas o afastamento provisório.

"Eu era muito nervoso", observa, admitindo ter estado entre um dos motoristas de coletivos, desses que se relacionam com os passageiros às turras.

Bancários compõem outra categoria que mais adoece trabalhando. Entre as enfermidades adquirida, a campeã é a Lesão por Esforço Repetitivo (LER).

Um quadro grave, de dores intensas, que a gerente Lucimeire Anicésio Rezende, 38, enfrenta.

"Os resultados dos meus exames são sempre terríveis. Acho que só não estou pior, porque meu psicológico é muito bom. Há pouco tempo fiquei tão ruim que não conseguia nem vestir roupa", conta.

As categorias mais prejudicadas são as de motoristas e cobradores, bancários, funcionários de madeireiras e da construção civil pesada, além de trabalhadores rurais, que são vítimas frequentes de intoxicação por agrotóxicos. É o que observa a assistente social Soraia Maciel, especialista em Saúde Pública, gerente do

Centro de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador (Cerest).

O Cerest existe há apenas 1,5 ano e foi criado por portaria do Ministério da Saúde para elaborar políticas públicas que dêem mais segurança e aliviem o sofrimento de quem sai de casa todos os dias para "ganhar a vida".

"Nosso país é capitalista e a questão da produtividade vem em primeiro lugar. A gente se sente pressionado a produzir cada vez mais, extrapolando os próprios limites, debilitando o próprio corpo, porque a competitividade é grande, assim como o medo de perder o emprego", diz ela.





Fonte: Gazeta Digital

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