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Internacional
Terça - 28 de Fevereiro de 2006 às 15:20

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A violência sectária que assola o Iraque nos últimos dias é vista por muitos analistas como fruto de décadas de repressão exercida pelo ex-presidente Saddam Hussein e pela elite sunita contra a maioria xiita do país árabe.

"Quando vejo Saddam no tribunal, me vêm à memória a longa série de atrocidades cometidas por seu regime durante mais de três décadas, nas quais milhares de pessoas foram assassinadas, deportadas ou exiladas", lembra à EFE Mamun Yusef, analista político iraquiano.

Saddam não titubeou ao liquidar duas das principais figuras do clero xiita - venerado como o Vaticano para os católicos -, Mohammed Baqir Al Sadr e Mohammed Sadeq Al Sadr, além de milhares de civis do mesmo credo.

Em 1980, recém lançada a guerra contra o Irã, Mohammed Baqir Al Sadr emitiu uma "fatwa" (decreto religioso) na qual pedia aos iraquianos que não participassem da guerra contra os irmãos iranianos.

Em abril do mesmo ano, foi executado junto de sua irmã Bint Al Huda.

Mohammed Baqir também expressou publicamente seu apoio ao partido xiita Al Dawa (A Chamada), que em sua "campanha armada" contra o regime laico do Baath se atreveu a cometer um atentado contra o então vice-primeiro-ministro Tareq Aziz sem êxito.

A repressão que se abateu contra o Al Dawa foi brutal, e atingiu não só os seus membros, mas também milhares dos seus familiares, que acabaram presos, torturados e "desaparecidos".

Atualmente, os líderes do Al Dawa que sobreviveram no exílio, como o ainda primeiro-ministro Ibrahim al-Jaafari, têm as rédeas do novo Iraque.

O outro grupo xiita que se rebelou contra Saddam foi a Assembléia Suprema da Revolução Islâmica no Iraque (ASRI), encabeçado pelo Aiatolá Mohammed Baqr Al-Hakim e com claras conexões com o Irã, país onde tem sua base.

Em 1999, após uma série de ataques das milícias do ASRI, que entraram clandestinamente no Iraque vindos do Irã, Saddam pediu a outro clérigo, Mohammed Sadeq Al Sadr que emitisse outra "fatwa" contra as milícias, mas teve o pedido negado.

Pouco depois, em março, o clérigo foi assassinado numa estrada de Kufa junto a seus filhos Moamel e Murtada, crime que ninguém hesitou em atribuir ao regime de Saddam Hussein.

"O assassinato dos dois clérigos foi uma sacudida para todos os xiitas e, por essa razão, nenhum xiita do Iraque sente compaixão quando vêem Saddam e seus tenentes atrás das grades", disse Mamun Youssef.

Um dos momentos mais sangrentos na repressão contra os xiitas foi a primavera de 1991: encorajados pelo Governo americano, os xiitas se rebelaram em quase todo o país na chamada "intifada xiita", ao mesmo tempo que os curdos o faziam no norte.

O Exército iraquiano, e particularmente o corpo de elite da Guarda Republicana, reprimiu duramente a manifestação xiita, utilizando artilharia pesada e chegando, inclusive, a secar as famosas terras pantanosas do sul iraquiano para privar os que fugiam de um esconderijo.

Só na cidade de Nasiriya calcula-se que 12 mil pessoas morreram.

Após a queda de Saddam, apareceram várias valas comuns com os corpos dos xiitas que participaram da "intifada", persuadidos que em breve receberiam uma ajuda exterior que nunca chegou.

A queda do regime do ditador, apesar de alçar os xiitas a um poder que nunca haviam exercido na história do Iraque, não terminou com a violência exercida contra eles, já que foram o alvo predileto do terrorismo praticado pelos extremistas islâmicos, todos de corte sunita.

No entanto, os xiitas, com uma tolerância admirável, quase nunca responderam à violência com ataques similares contra os sunitas.

A violência da última semana parece marcar um ponto de inflexão, já que detonou uma inédita onda de ataques contra pessoas e mesquitas sunitas, ainda que todos os líderes xiitas tenham pedido calma aos seus fiéis.





Fonte: EFE

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