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Sexta - 24 de Fevereiro de 2006 às 16:50
Por: Soraia Ferreira

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Sinop, MT - O coordenador geral de Educação do Campo do Ministério da Educação (MEC), Antônio Munarin, está em Sinop (município localizado a 500 km de Cuiabá) participando do 1º Seminário de Educação do Campo do Norte de Mato Grosso, evento promovido pelo Governo do Estado.

O ensino da zona rural no Brasil passa por uma estruturação e, com a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade(Secad) em 2004, o Governo Federal, por meio da coordenação de Educação no Campo, finaliza a proposta para a construção das políticas públicas para essa área, o texto final irá integrar o Plano Nacional de Educação.

Munarin defende o ensino diferenciado para os alunos da zona rural, com a expansão do ensino, redução ou até mesmo o fim do transporte escolar e programas de formação específicos para professores da zona rural.

Acompanhe a entrevista:

Em 2003, o Governo Federal, por meio do MEC, instituiu o Grupo Permanente de Trabalho Sobre a Educação do Campo (GPT). Essa necessidade surgiu tão logo o governo assumiu, por que motivo?

Este grupo (o GPT), e logo em seguida a Secad, nasceu a partir da demanda que vinha de movimentos sociais do campo. Diga-se que em anos anteriores esses movimentos organizados conquistaram, junto ao Conselho Nacional de Educação, as diretrizes operacionais da Educação do Campo, que ficaram engavetadas de qualquer modo. Assim que assumimos, as colocamos em prática e a primeira ação foi justamente do Poder Executivo que implementou essas diretrizes.

E um trabalho principal do GPT é construir a proposta de capítulo específico sobre Educação do Campo, para o Plano Nacional de Educação. Vinte e seis pontos fazem parte desse documento, tendo como principais a expansão da educação básica da rede física e a formação dos educadores.

Como está sendo feita essa implementação?

É preciso, antes de tudo, fazê-las conhecidas do grande público, responsável pela a educação no Brasil. Assim foi que se desencadeou em 2004 um processo de seminários estaduais de Educação do Campo. Adotamos uma política pró-ativa, trazendo sujeitos diversos, responsáveis pela educação no campo, como secretarias estaduais e municipais de educação, universidades e movimentos sociais organizados no campo que trabalha a questão da Educação.

Em que pé está esse trabalho?

O último seminário ainda está para acontecer, no mês de abril, em São Paulo. Mas já temos resultados interessantes. Nestes seminários fazíamos o diagnóstico das realidades, necessidades e dificuldades. E apontavam-se propostas concretas como, por exemplo, a expansão da educação básica no campo. Isso vem para superar a política de transporte que traz a criança do campo para a cidade, que é nefasta. E para isso, precisamos da expansão física e qualificação de professores. Tem uma série de demandas, mas essas considero as principais. Elas já compõem o documento básico coordenado pelo GPT, que já é discutido com o Congresso Nacional.

Esse encontro que ocorre aqui em Sinop, também é conseqüência do GPT?

Esse evento aqui é fruto do Seminário Estadual que realizamos no início de 2005 em Cuiabá e da atenção que o GPT deu aos documentos enviados pelos estados. Então, diria que esse momento tem o sentido de retomada do processo num âmbito local, estimulado por aquilo que já aconteceu no Estado de Mato Grosso, em Brasília e, agora, volta no sentido de dinamizar as atividades locais.

Disse anteriormente que o transporte escolar acaba sacrificando o aluno. Como o senhor avalia o ensino oferecido às crianças da zona rural?

Primeiro quero falar da questão da quantidade: ela está aquém, especialmente a partir da 4ª Série do Ensino Fundamental. Até a 4ª Série, posso dizer que se avançou bastante em termos de quantidade. Mas, da quinta série para frente é deficitária e se falarmos em Ensino Médio então, é quase zero, ensino superior nem se fala. Já no ponto de vista da qualidade, a formação dos professores também está aquém do que é oferecido na cidade, em termos de habilitação. Essa formação tradicional resulta que o professor reproduz no campo, de maneira simplista, aquilo que acontece na cidade.

Quais são as conseqüências disso?

É aquilo que chamamos de educação “urbano-cêntrica”, que acaba sendo um foco estimulador do êxodo rural. Pior que isso, que para atender a demanda do campo se promove a política de transporte, que desloca a criança de seu meio cultural e físico. Leva-se essa criança para a cidade para ter uma educação, quando razoável, absolutamente inadequada. E têm ocorrido conseqüências graves paralelas a esse processo, como a prostituição infantil, que resulta dessa criança que vem do campo para a cidade, também existe o processo de discriminação. Tem um caso, de um prefeito que construiu uma escola na periferia da cidade, especialmente, só para atender os alunos da zona rural. E o transporte escolar que também envolve interesses econômicos, comprometendo a qualidade dos ônibus.

Mas, em alguns casos o transporte é inevitável.

Nossa proposta não é eliminar o transporte. Ele deve ser considerado em casos extremos, mas principalmente, intra-campo.

As salas multiseriadas, que geralmente são a única alternativa para educação no campo, interferem no processo ensino aprendizagem? Elas são eficientes?

Posso me citar como exemplo de que as salas multiseriadas podem ser eficientes, e não necessariamente ineficiente. Passei três anos e meio numa sala dita multiseriada, só que minha professora não considerava a escola multiseriada. Organizava o espaço de tal modo que grupos de alunos se reuniam por proximidade: idade e maturidade. Acredito que ela só tinha o quarto ano primário e, intuitivamente fazia isso, me preparando para passar em um exame de admissão na Escola Técnica de Santa Catarina.

Então o problema maior não está em como se oferece e sim em como se aplica? Existem políticas voltadas para a preparação do profissional para atuar no campo?

Um dos problemas está na preparação do profissional de forma adequada. Os nossos cursos de formação inicial seja Pedagogia ou de Ensino Médio, o Magistério, não preparam o professor com essa multiplicidade, que significa a realidade do campo. Os professores são preparados para formar em série, nisso não importa se tem idade diferente ou possui maturidade diferente. A cabeça dele é formada para série e ponto final. O professor é mal preparado para a educação do campo. Além disso, tem a questão de equipamentos adequados, salas adequadas, instrumentos pedagógicos adequados, é isso que falta.

Como deve ser feita esta formação específica?

Defendemos uma política nacional de formação de educadores do campo. Por demanda dos encontros estaduais e definidos no GPT, estamos trabalhando junto ao MEC a elaboração de uma proposta de formação dos educadores do campo. Começando, por exemplo, junto às universidades que queiram fazer essa experiência. Sei que a Unemat já faz esse trabalho, voltado exatamente para formação baseada na realidade do campo.

Esse alto índice da taxa de distorção idade-série dos alunos da zona rural, que é maior que a do aluno da cidade, comprova os problemas de aprendizagem enfrentados no campo?

Para mim esse problema não está no método de seriação, que é ruim no campo e na cidade, mas na falta de condições objetivas e um bom atendimento para a escola do campo. Mas uma série de fatores contribui para essa realidade. Um exemplo: a maior pobreza está no campo, por incrível que pareça. São crianças que vão para a escola descalças, sem agasalho e sem comida. Outro fator, que chega ser engraçado é que quando um equipamento ou mobiliário não serve mais para a escola da cidade é mandada para o campo.

A disparidade entre o homem urbano e o homem rural está tanto na questão financeira, quanto em termos de informação e acesso à educação. Nesse sentido, existe um número maior de não-alfabetizados no campo?

O analfabetismo é maior no campo. Temos programas como o Brasil Alfabetizado a Educação de Jovens e Adultos para reprimir essa realidade. Mas, nosso setor, particularmente, está cuidando da implantação de um programa para o campo, que chamamos de “Os Saberes da Terra”. Esse programa, destinado a jovens com idade entre 15 e 29 anos, procura integrar o Ensino Fundamental escolar com a qualificação profissional para agriculturas familiares. Já iniciamos a primeira edição, que vai atender cinco mil jovens de 12 estados. Mato Grosso não faz parte da lista, mas espero que na próxima edição ele se inclua.

Como surgiu toda a discussão em torno da Educação do Campo?

A partir da segunda metade da década de 90 para cá, os sujeitos (movimentos coletivos sociais do campo) estão se impondo e dizendo fortemente: somos sujeitos de direito e a educação é um direito que queremos ver cumprido. E leva essas reivindicações para o Estado, que por outro lado passa a dar a resposta.





Fonte: Assessoria/Seduc-MT

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