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Economia
Quarta - 09 de Janeiro de 2013 às 13:03
Por: Igor Mauler Santiago

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Contrariamente ao que se pensa, os absurdos níveis de litigiosidade tributária no Brasil não devem ser creditados apenas aos contribuintes.

Há decerto quem abusa da ampla defesa para protelar o pagamento do que sabe ser devido, mas para esses, as sanções são leves na cominação e erráticas na aplicação.

A preferência — porque não se trata de tornar o sistema mais justo, mas de arrecadar a qualquer preço — é por punir a maioria ordeira pela má conduta de uns poucos: protesto de CDA, inclusão no Cadin de quem antecipa garantias, penhora indiscriminada de ativos financeiros, tentativa de supressão de recursos...

A tudo isso assistimos em 2012, fingindo não nos dar conta de que a avalanche de processos tributários se deve, antes de mais nada:

a) aos legisladores de todos os níveis da Federação, que não se pejam em editar normas abertamente inválidas;

b) às administrações tributárias, que editam regulamentos ultra, praeter ou contra legem e que — por despreparo, ideologia ou pressão — conseguem violar essas mesmas regras no lançamento de tributos;

c) à legislação processual, que não atribui efeito vinculante aos julgados repetitivos do STJ e não pune quem desobedece as decisões mandatórias do STF;

d) às instâncias inferiores, quando resistem às orientações das cortes superiores (o caso das cautelares para a antecipação de garantia é emblemático); e

e) às próprias cortes superiores, que, em sua volubilidade, premiam os que continuam a litigar contra a jurisprudência firmada e que, ao restringirem os benefícios de uma decisão a quem está em juízo (caso da Súmula Vinculante 8 do STF), punem os que não entraram com ações.

Seja como for, considerando as esferas administrativa e judicial em todas as instâncias e quanto a todos os fiscos, parece razoável afirmar que houve alguns milhões de julgamentos tributários em 2012.

Esta retrospectiva não poderia fazer-se, portanto, sem a fixação de critérios, donde termos optado por nos ater às decisões superiores, finais[1], inéditas e de relevantes, que organizamos em torno dos seguintes eixos temáticos:

Competência tributária
Por razões óbvias, o ano foi de pouca discussão tributária no STF. Do Pleno, só se destacam as ADI 2.556/DF e 2.568/DF (Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 20.09.2012), em que se deu pela validade da contribuição de 10% dos depósitos devidos à conta vinculada de FGTS do empregado despedido sem justa causa, cuja receita se volta a recompor as contas vinculadas dos trabalhadores prejudicados pelos expurgos inflacionários dos Planos Bresser, Verão, Collor I e Collor II (Lei Complementar 110/2001, artigo 1º).

O principal argumento dos contribuintes — a falta de referibilidade entre o grupo dos contribuintes (as empresas atuais, quiçá sequer constituídas em 1988 e 1989) e o dos beneficiários da arrecadação (os trabalhadores que sofreram os expurgos naqueles anos) — foi rechaçado de forma sumária pelo relator, a partir das suposições de que (a) os repasses que o Tesouro, à falta da contribuição, teria de fazer para aqueles trabalhadores “poderiam afetar negativamente as condições de emprego, em desfavor de todo o sistema privado de atividade econômica”, e de que (b) a descapitalização do FGTS — aqui subjaz a presunção de que, sem o tributo, a União descumpriria a decisão do STF que ordenou o pagamento dos valores expurgados (Pleno, RE 226.855/RS, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 13.10.2000) — poderia “prejudicar alguns setores produtivos”, como o da construção civil, cujas atividades são financiadas com recursos do Fundo.

A generalidade e o laconismo dos fundamentos deixam claro o pouco apreço que a corte tem pela ideia de referibilidade nas contribuições, que se confirmam como uma via larga para as pretensões arrecadatórias da União.

Extensão do fato gerador dos tributos
Embora reitere a jurisprudência anterior, o REsp 1.176.753/RJ (STJ, 1ª Seção, Rel. para o acórdão Min. Mauro Campbell Marques, DJe 19.12.2012, repetitivo) merece referência porque exarado na esteira de proposta, afinal rejeitada, de revisão do entendimento de que as receitas dos serviços suplementares à telefonia — troca de número, bloqueio de DDI e outros — não se sujeitam ao ICMS.

Prevaleceu a conclusão de que não se trata de serviços de comunicação propriamente ditos, estando por isso fora do campo de incidência do imposto.

Menos feliz foi a decisão tomada no REsp 1.089.720/RS (STJ, 1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 28.11.2012), sujeitando ao IR — ao suposto de que se trataria de indenização por lucros cessantes, e não por dano emergente — os juros de mora creditados ao empregado, salvo se recebidos em rescisão do contrato de trabalho ou se incidentes sobre verba isenta. Cuidamos do tema em coluna recente. Clique aqui para ler.

Tributação das vítimas de crimes ou atos fortuitos
Nesse campo, de que nos ocupamos em nosso texto de março — clique aqui para ler —, as novidades foram alvissareiras.

Revendo a sua posição anterior, criticada em nossa coluna, a 2ª Turma do STJ, no REsp 1.203.236/RJ (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 30.08.2012) passou a entender que não incide IPI sobre cigarros vendidos sob a cláusula CIF e furtados antes da entrega ao adquirente, dada a inocorrência do fato gerador (tradição).

Abandonando outro entendimento que discutimos, a 2ª Turma do STJ, no REsp 1.306.356/PA (Rel. Min. Castro Meira, DJe 28.08.2012), afastou a exigência de ICMS sobre a energia elétrica furtada antes da entrega ao consumidor final[2].

Louvável, por fim, a conclusão da 1ª Turma do STJ no REsp 1.101.814/SP (Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 29.05.2012). Exigia-se do transportador o imposto de importação suspenso na entrada de produtos destinados a loja franca, ao argumento de que o seu extravio obstara o implemento da condição (a venda naquele recinto) apta à conversão da suspensão em isenção definitiva. O débito foi extinto por inexistência de prejuízo a erário, já que a venda, se ocorresse, seria isenta.

Sujeição ativa tributária
Tendo o STF, em decisão discutível (RE 547.245/SC, Rel. Min. Eros Grau, DJe 05.03.2010), assentado que o leasing financeiro se sujeita ao ISS, restou definir o município competente para cobrá-lo.

No REsp 1.060.210/SC, a 1ª Seção do STJ (j. em 28 de novembro de 2012, acórdão a publicar, repetitivo) decidiu à unanimidade que, não se tratando de quaisquer das exceções do artigo 3º da Lei Complementar 116/2003, aplica-se o critério geral do pagamento ao município em que situado o estabelecimento prestador, com isso dando passo importante na superação de suas vacilações nessa matéria — clique aqui para ler nossa coluna de agosto.

Não-cumulatividade
No REsp 842.270/RS, a 1ª Seção do STJ (Rel. para o acórdão Min. Castro Meira, DJe 26.06.2012) garantiu às operadoras de telefonia os créditos pelo ICMS suportado na aquisição da energia elétrica essencial à sua atividade. Deveras, não faria sentido submeterem-se tais serviços ao imposto e negarem-se os créditos pelo único insumo essencial à sua prestação.

No RMS 24.911/RJ, a 2ª Turma do STJ (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 06.08.2012) autorizou o comodante a aproveitar os créditos pelo ICMS suportado na compra de bens do ativo depois dados em empréstimo, desde que úteis aos seus objetivos empresariais — tratava-se de freezers e outros equipamentos cedidos por indústria de bebidas a seus revendedores.

Ainda em relação ao ICMS, no Processo DRT-05-884937/2010, a Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo reconheceu o direito das usinas siderúrgicas ao creditamento do ICMS incidente sobre os produtos refratários imprescindíveis à produção do aço, superando antiga resistência fundada no fato de o seu consumo não ser integral — por deixar resíduos — e nem instantâneo.

A não-cumulatividade do PIS e da Cofins promete ensejar muita polêmica, mas são portadores de bons presságios os acórdãos da 1ª Seção do STJ no REsp 1.215.773/RS (Rel. para o acórdão Min. César Asfor Rocha, DJe 18.09.2012), admitindo a tomada de créditos em relação ao frete de veículos entre a fábrica e a concessionária — apesar de a lei falar apenas em frete “na operação de venda”), e da 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf nos PTAs 13053.000211/2006-72 e 13053.000112/2005-18, conceituando insumos para essas contribuições como todos os produtos e serviços inerentes à produção, o que — conquanto não chegue à amplitude da legislação do imposto de renda, pois deixa de fora as despesas não ligadas diretamente à atividade-fim, como os gastos de escritório — vai muito além dos rigores do crédito físico aplicável ao IPI.

Direito Tributário Internacional
Acórdão inspirado da 2ª Turma do STJ (REsp 1.161.467/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJe 01.06.2012) deu pela aplicabilidade do artigo 7º das convenções contra a dupla tributação assinadas pelo Brasil — os lucros de uma empresa só são tributáveis no Estado de que esta é residente e naqueles em que possui estabelecimento permanente — para afastar a exigência de IR-fonte nos pagamentos de serviços sem transferência de tecnologia prestados no país por empresas estrangeiras aqui não estabelecidas, declarando a invalidade do Ato Declaratório COSIT 1/2000 — explicação detalhada do assunto na coluna de abril de Roberto Duque Estrada, clique aqui para ler.

Processo tributário
Nos terceiros embargos de declaração no REsp 1.305.881/PR, a 2ª Turma do STJ (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 18 de dezembro de 2012, acórdão a publicar) definiu que não cabem embargos à execução quando a exigência decorra do indeferimento pelo fisco de compensação feita pelo contribuinte, dando interpretação equivocada e inconstitucional ao artigo 16, parágrafo 3º, da Lei 6.830/1980.

De fato, ao vedar a compensação em sede de embargos, a regra se limita a impedir que esta ação tenha efeito reconvencional — tentativa, por parte do executado, de extinguir o débito com créditos que acaso detenha contra a Fazenda exequente —, não impedindo a discussão do fundamento mesmo da exigência, o que constituiria violação à ampla defesa e ao direito de acesso ao Judiciário. O direito de discutir tributos continua em perigo, como apontamos na coluna de abril — clique aqui para ler

Feitas as contas, tem-se que os avanços foram maiores do que os reveses, o que nos anima para os combates mais árduos e mais numerosos que se anunciam para este ano.

Feliz 2013 a todos!


[1] Excluídas as que se limitaram a reconhecer a repercussão geral a recursos extraordinários ou a afetar recursos especiais à sistemática dos repetitivos, sem lhes decidir o mérito.

[2] A circunstância de o furto dar-se na etapa distribuidora → consumidor final, hipótese versada em nossa coluna de março, ou na etapa geradora → distribuidora, situação subjacente ao aresto ora referido, é de todo irrelevante, pois o imposto é pago por substituição para trás quando do fornecimento ao consumidor, e que a base de cálculo (a contemplar todas as operações anteriores) é o preço faturado contra este.

Igor Mauler Santiago é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG. Membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.





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