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Nacional
Sexta - 03 de Fevereiro de 2006 às 09:30

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São Paulo - Quando apresentou seu filme "Boa Noite e Boa Sorte" no Festival de Veneza, George Clooney fez questão de dizer que se tratava de uma homenagem a seu pai. Nick Clooney era um conhecido jornalista em Cincinnati, Ohio, e, como a maioria dos seus colegas, nutria uma admiração sem limites por Edward R. Murrow, o famoso apresentador de TV que, na época da caça às bruxas, se notabilizou por enfrentar o poderoso senador Joseph McCarthy. O que, naquele tempo, não fazia nada bem para a saúde e sobretudo para a carreira de um profissional. Murrow, interpretado por David Strahairn, é o herói de Boa Noite e Boa Sorte. Murrow veio da era do rádio e, com sua cobertura da 2.ª Guerra Mundial, diretamente da Europa, em ondas curtas, tornou-se personalidade pública.

O título é a tradução literal da expressão usada por Murrow para se despedir dos espectadores. No inglês, Good Night, and Good Luck, usa-se a vírgula, porque o jornalista fazia uma pequena pausa depois do "Boa Noite". O detalhe é significativo, por mostrar o grau de minúcia colocado por Clooney em seu filme. Todas as falas do filme foram ditas naquela época pelo Murrow real. Aliás o ambiente criado lembra mais um documentário minucioso do que um trabalho de ficção. A começar pela reprodução dos estúdios esfumaçados de uma rede de televisão dos anos 50, quando todo mundo usava terno, gravata e fumava, e terminando pela utilização de trechos documentais com o próprio McCarthy em cena

No filme, imagens reais de McCarthy Na entrevista, perguntaram a Clooney por que havia usado imagens reais do senador e não um ator para interpretá-las. Respondeu: "E quem mais poderia fazer um McCarthy tão convincente quanto ele próprio?" A ironia é fina e, se num filme tão sóbrio não existe espaço para caricaturas, Clooney também não faz questão de esconder de que lado fica. "Era uma época triste, em que bastava alguém ser suspeito para que fosse condenado", disse. Bem, como Clooney sabe, aquela "época triste" não faz inteiramente parte do passado. Retorna, isso também ele disse, a cada vez que um país se sente muito ameaçado e então parece disposto a abrir mão da liberdade democrática em troca da segurança. Isso também nós sabemos.

Mas Clooney sempre se recusa a fazer uma ligação muito direta entre a época do presidente Truman, quando McCarthy imperava no Comitê de Atividades Antiamericanas, e a atual, sob George W. Bush. Limita-se apenas a lembrar, e com toda a discrição possível, de um caso exemplar. Um caso de decência, de coragem pessoal, mas também de patifaria e perseguição.

O acontecimento particular no quadro geral da caça às bruxas foi o afastamento de um piloto da Força Aérea, Milo Radulovich, acusado de ser espião comunista. Radulovich foi uma espécie de Dreyfuss americano, e Murrow, o seu Zola. Como o escritor francês defendeu o oficial acusado de traição em seu artigo "J’Accuse, Murrow" abriu espaço em seu programa para questionar a legitimidade da perseguição a Radulovich. McCarthy sentiu-se desafiado em sua autoridade e, claro, acusou Murrow de ser, ele próprio, um criptocomunista, quer dizer, um vermelho no armário.

Murrow não teve um minuto de dúvida. Abriu seu talk show See It Now a McCarthy e debateu ao vivo com o senador. Muita gente considera essa exposição pública de McCarthy como o início do seu fim.

É mais provável que o declínio de um personagem tão poderoso se deva a mais de um fator. Mas - e isto o filme mostra com clareza - certamente a exposição dos seus métodos de trabalho pela TV pode ter contribuído para enfraquecê-lo. Foi um ato de coragem, e de dignidade, de um jornalista livre, e que precisou enfrentar muita pressão, tanto da direção da CBS quando de anunciantes, para levá-lo até o fim. Da mesma forma, o filme mostra, ainda uma vez, quanto uma imprensa livre e independente pode exercer uma função saneadora na vida pública. Era isto que Clooney queria fazer e o fez bem.

Boa Noite e Boa Sorte (Good Night, and Good Luck, EUA-Jap-Fr-Ing/2005, 93 min.). Drama. Dir. George Clooney. 14 anos. Bristol 4 - 12h50, 15h10, 17h20, 19h30, 21h40 (6.ª e sáb. também 23h50). Espaço Unibanco 3 - 14h, 16h, 18h, 20h, 22h (3.ª não haverá 20h, 22h). Jardim Sul 7 - 17h50, 19h50, 21h50 (6 ª e sáb. também 23h50). Market Place Playarte 1 - 13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30 (6.ª e sáb. também 23h40). Pátio Higienópolis 1 - 15h10, 17h40, 19h50, 22h (6.ª e sáb. também 0h15; sáb. e dom. também 13h). Reserva Cultural 1 - 14h, 15h50, 17h40, 19h30, 21h20. Unibanco Arteplex 3 - 14h, 16h, 18h, 20h, 22h (sáb. também 0h). Cotação: Ótimo





Fonte: Agência Estado

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