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Internacional
Segunda - 30 de Janeiro de 2006 às 14:48

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(Londres, BR Press) – Os votos dos milhares de palestinos (cerca de 75% de 1.5 milhão) que foram as urnas na última quarta (25/01) num pleito histórico, cuja organização e tranquilidade foram elogiados por observadores internacionais e que renova seu Parlamento, têm o efeito de um tsunami no Oriente Médio e em todo o mundo. O Movimento de Resistência Islâmica, Hamas, uma das quatro organizações fundamentalistas islâmicas que encabeçam a lista dos EUA dos mais perigosos grupos terroristas do planeta, chegou oficialmente ao poder na Palestina. Seu braço político conquistou a maioria na Assembléia Legislativa, contrariando previsões de que o Fatah seria vencedor..

Com o Hamas, assumidamente responsável por diversos ataques com homens-bomba, eleito para 76 das 132 cadeiras, a relação com Israel azeda de vez. Inicialmente empregados pelo Hizbolah (grupo xiita libanês) contra alvos militares, os ataques suicidas logo foram "adaptados" pelo Hamas, indiscriminadamente contra militares e civis. A Al Qaeda segue a mesma "escola", ampliando tais alvos para civis de todo o Ocidente.

Rechaçando Bush

O resultado extremista nas urnas palestinas pode ser interpretado como mais uma resposta à política dos EUA pós-11 de Setembro de polarizar o mundo entre Bush e Bin Laden, em sua guerra contra "o terrorismo islâmico". As resistências geradas por essa luta transcendem grupos rebeldes no Afeganistão e Iraque. O que aconteceu na Palestina reflete o triunfo de um inimigo dos EUA. Portanto, é um voto contra Bush e suas intervenções no Oriente Médio.

O derrotado Fatah não agrada muito o Ocidente, mas certamente seria uma alternativa muito mais digerível. Se Arafat reconheceu abertamente o direito de Israel de existir em 77% da terra que seu povo reclama originalmente como a Palestina, o Hamas insiste em pregar a destruição do estado sionista para dar lugar a uma república muçulmana. Se Arafat era um "mahometano secular", o Hamas pleiteia uma sociedade teocrática, baseada na lei do Alcorão. Se Arafat era considerado um terrorista em pele de cordeiro, o Hamas se orgulha de explodir ônibus com crianças judias.

Porta aberta

Diante deste quadro, mesmo que se neguem a negociar com o novo governo palestino, os EUA e Israel não podem se atrever a desconsiderar as eleições e lançar uma nova ofensiva sobre Gaza. Isto minaria toda sua estratégia de "libertar" o Oriente Médio. A fim de se salvar desse impasse, Bush e Olmert deixam aberta uma porta para um possível diálogo com o Hamas, desde que este renuncie da idéia de destruir Israel – algo que não parece impossível, já que o partido abandonou tal discurso durante sua campanha eleitoral e deu uma trégua nos ataques.

Encorajando a vizinhança

O fato de um dos "piores grupos terroristas" terem chegado ao poder, justamente em eleições patrocinadas pelos EUA (de onde veio a verba para a realização do pleito pela Autoridade Nacional Palestina - ANP), o maremoto está mais do que instituído. Eleições no Egito (o maior país árabe) poderiam dar uma forte representação (quando não uma vitória) à Irmandade Muçulmana (o partido que originou o Hamas), assim como na Argélia. No Iraque e no Líbano, grupos que organizaram atentados compartilham o poder. No Irã, a intransigência de Bush produziu um efeito tão explosivo que o novo presidente quer arsenal nuclear próprio.

Fortalecimento

Em Israel existem vários setores, dos pacifistas aos militares, que crêem que as intervenções de Sharon não fizeram mais do que limitar o poder dos palestinos moderados e fortalecer os extremistas. Em março e abril de 2004, mísseis israelenses tiraram a vida do Xeque Yassin (líder espiritual do Hamas) e depois do seu sucessor Rantissi. Tais assassinatos, em vez de desmoralizar o Hamas, conferiram-lhe mais popularidade, fortalecendo o sentimento da maioria dos palestinos de que nada se conseguiu nos 10 anos em que o Fatah esteve no poder.

Tais resultados nas urnas palestinas se dão a dois meses das eleições em Israel e quando pesquisas do jornal Haaretz mostram que os "falcões" do Likud vivem seu pior momento, enquanto os Trabalhistas crescem na mesma proporção que o partido de centro-direita, o Kadima. Com a eleição do Hamas, há a tendência de capitalização de votos da linha dura de Netanyahu, uma vez que a opinião pública judaica está assustada com a ascensão do extremismo palestino. Por isso, será estúpido se o Hamas retomar os atentados.

Muro

Por sua vez, Olmert percebe claramente que não é viável anexar todos os territórios ocupados pela guerra de de 1967, porque fazê-lo implicaria em conceder cidadania a mais de três milhões de árabes. Assim, a população não judaica seria de cerca de 45%, com tendência de ultrapassaros hebreus. Nesse quadro, cai o plano da ultra-direita sionista (Moledet) de "transferir" todos os palestinos. Mas, a reboque da vitória do Hamas, Olmert pode acelerar a construção do muro, com o qual Israel busca anexar o leste de Jerusalém e o oeste de Cisjordânia.

Poder apaziguador?

Paradoxalmente, o triunfo do Hamas pode abrir novas negociações a médio prazo. Por um lado, é de se esperar que um governo de aliança entre o Kadima e os Trabalhistas dê continuidade ao processo de desocupação. Por outro lado, o Hamas se verá obrigado a administrar um Estado no qual se deve evitar o corte de ajuda internacional – ameaça já feita pela União Européia, caso o 'terrorismo' impere.

Diversos políticos e analistas ocidentais esperam que o poder apazigue o Hamas. Mas o discurso duro de Israel pode levar a consequências piores.

(*) Isaac Bigio lecionou Política Latino-americana na London School of Economics e é o colunista latino-americano mais citado na web.




Fonte: Da Assessoria

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