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Eleitor pede até Viagra a parlamentares em MG
Milhares de cartas com pedidos inusitados chegam diariamente aos gabinetes dos deputados estaduais e vereadores de Minas Gerais, principalmente das grandes cidades. Entre os anseios dos eleitores, estão desde uma prótese peniana, comprimidos de Viagra, cirurgia de varizes, incubadora de ovos de avestruz e até passar um fim de semana com um cantor sertanejo.
V.A.G., de Itabirito, no Alto Paraopeba, pediu ao deputado Jayro Lessa (PL), no dia 10 de dezembro, para ele conseguir um fim de semana com o cantor Daniel. "Ele é o meu ídolo, e este é o sonho da minha vida", afirma ela na carta. Jayro enviou correspondência ao escritório do cantor, em São Paulo, mas não obteve resposta.
No dia 5 de junho de 2004, dona G.M., de Braúnas, no Vale do Rio Doce, pediu ao mesmo deputado ajuda para o filho passar no vestibular, porque ele já havia tentado várias vezes sem sucesso. O deputado respondeu a carta dizendo que compreendia "a preocupação da senhora com a educação do seu filho, mas, neste caso, não posso ajudar. Como a senhora acredita no potencial dele, sugiro que o incentive a estudar mais, porque assim fará boas provas".
Em junho de 2004, B.L.D., de Virginópolis, também no Vale do Rio Doce, pediu ajuda ao parlamentar para ser a "Rainha da Pipoca". Ele doou R$ 50 para ela. Jayro Lessa está exercendo o primeiro mandato parlamentar e, em pouco mais de dois anos, já recebeu mais de mil pedidos. Agora, em março, dona B.A.S., de Aramirim, distrito de Açucena, também no Vale do Rio Doce, lhe pediu um aparelho de som. "O senhor pode achar esquisito, mas o meu sonho é ter um som. Pode ser usado", disse ela. O parlamentar vai atender o pedido e enviar o equipamento.
O deputado Sargento Rodrigues (PDT), o quarto mais votado da Assembléia Legislativa, com 78.193 votos, está exercendo o segundo mandato e é um dos que mais recebem correspondências. Em 2003, ele recebeu pedidos como o de uma incubadora de ovos de avestruz de A.J.F., de Arcos, no Centro-Oeste do Estado. Na carta, A.J.F. explica: "Ganhei uns ovos de avestruz e não quero desperdiçá-los. Quero é chocá-los".
J.S.D., de Belo Horizonte, pediu um carro para uso particular. E ponderou: "Desde pequeno tenho o sonho de ter um carro. Não é um carrão. Gostaria que fosse um Chevette, qualquer que seja o ano".
Dona A.M.C.C., de Lavras, no Sul de Minas, pediu, numa única carta, emprego, colocação de laje na sua casa e uma máquina de fazer fraldas. Ela revelou: "Estou muito triste de ver as necessidades da família e não estar trabalhando. Gostaria de ganhar a máquina de fraldas, pois pode me ajudar muito".
A professora E.M.M., de Ponte Nova, na Zona da Mata, pediu "auxílio" para fazer uma cirurgia de redução dos seios. Ela justificou: "Não tenho condições de pagar a cirurgia e o Estado (Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais-Ipsemg) não cobre os custos."
O Sargento Rodrigues responde a todas as correspondências, explicando que não atende este tipo de pedido. E argumenta: "Não existe verba para isso. E minha sua função é atender a sociedade em outro âmbito".
Fim da subvenção reduziu atendimento Há pouco mais de um ano, no dia 21 de janeiro de 2004, a deputada Maria Olívia (PSDB), que está exercendo o quarto mandato, recebeu um pedido bastante esdrúxulo do médico L.B.: a revalidação do seu diploma obtido em Cochabamba, na Bolívia, no dia 31 de "marzo" de 2003, na Universidad Privada Abierta LatinoAmericana.
É claro que L.B. se dirigiu à pessoa errada, porque o ponto de partida seria o Ministério da Educação. A parlamentar respondeu a carta dizendo que não podia atender o pedido "porque foge da minha alçada".
A acadêmica de enfermagem de Lagoa da Prata, no Centro-Oeste de Minas, a estudante C.F.C., pediu, em fevereiro deste ano, "auxílio para conseguir o estágio extracurricular em Belo Horizonte, não-remunerado e sem vínculos empregatícios, só com objetivo acadêmico de aprendizagem". Maria Olívia disse que não tinha condições de conseguir o estágio.
Em outubro de 2003, J.N.T., presidente da Associação dos Aposentados e Pensionistas do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), de Alterosa, no Sul de Minas, pediu, em uma única carta, cadeira de barbeiro, lavador de cabelos, máquina de cortar cabelos, tesouras e secadores para a entidade. Resposta: "Com o fim da subvenção social, não tenho como atender a entidade".
Carlos Pimenta (PDT) também está exercendo o quarto mandato e, no último dia 11 de maio, recebeu carta de J.F.C., de Montes Claros, no Norte de Minas, onde ele tem a sua principal base eleitoral, solicitando uma cirurgia de varizes para a sua esposa, porque "as pernas dela estão inchando muito". Não foi difícil atendê-lo, porque Carlos Pimenta e a sua esposa, Cláudia Borém, são médicos e ela dirige o Centro de Atendimento Social que ele mantém em Montes Claros, com atendimentos médico, odontológico, prevenção do câncer, diabete e na área social.
Em dezembro, V.P.C., também de Montes Claros, pediu ao parlamentar uma cesta de Natal para dar de presente a sua mãe. Ela justificou dizendo que os seus pais estão desempregados, só fazendo bico. "Gostaria que o senhor me ajudasse a fazer a minha mãe feliz no Natal, pois não tenho dinheiro para dar a ela um presente". A esposa de Carlos Pimenta doou a cesta.
Deputado traz corpo dos EUA
O deputado José Henrique (PMDB), a exemplo do seu sogro, o ex-deputado José Laviola, que exerceu seis mandatos parlamentares consecutivos, desenvolve trabalho social em diferentes áreas. Mas, em janeiro passado, ele não pôde atender P.L.C., de Goiabeira, no Vale do Rio Doce, que lhe pediu "pelo menos cinco comprimidos de Viagra". Não pôde também atender J.P.C., de Resplendor, na mesma região, que lhe pediu uma prótese peniana. Os atendimentos foram negados porque poderiam abrir precedentes para inúmeras solicitações do gênero.
Só em 2004, José Henrique ajudou no traslado dos corpos de três brasileiros que morreram nos Estados Unidos. Neste ano, já foram dois traslados. Quando os corpos chegam a Belo Horizonte, o parlamentar ainda ajuda no transporte para as cidades onde serão sepultados.
Permanentemente, José Henrique recebe pedidos de cadeiras de roda, bengala, prótese ocular, bolsa de estudo, emprego, internamento hospitalar e até de cirurgia de revascularização peniana. Também são constantes os pedidos para libertação de presos nos Estados Unidos. Isto porque ele é majoritário em muitos municípios do Vale do Rio Doce, região que tem o maior número de imigrantes para aquele país. Emprego
"Recebo todo tipo de pedido através de cartas, telefone e pessoalmente. A maioria é emprego, bolsa de estudo, ajuda para compra e reforma de moradia", afirma José Henrique.
"Tenho procurado atender o possível, mas muita coisa não é viável. Ajudo sempre na remoção de corpos dos Estados Unidos, mas o custo é muito alto e não fica por menos de US$ 6 mil". José Henrique reconhece as críticas de que o deputado é um despachante de luxo, que a maioria da população não conhece a função da Assembléia Legislativa e cobra, do parlamentar, todo tipo de atendimento pessoal e coletivo.
"Este tipo de atendimento dá voto sim, mas existem segmentos da sociedade que querem ver o parlamentar só como fiscalizador do Poder Executivo e com uma atuação maior no combate à corrupção, na defesa do consumidor, meio ambiente e cobrando a aplicação correta dos recursos públicos", reconhece José Henrique. A exemplo do sogro, que sempre foi um dos deputados mais votados, José Henrique está seguindo a mesma trilha.
Em 1994, quando disputou o primeiro mandato, ele teve 47.032 votos. Em 1998, conseguiu 69.547 votos; e em 2002, um pouco mais: 71.032 votos.
Atuação parlamentar influencia tipo de apelo
Não são apenas pedidos de obras, bolsas de estudos, Viagra e próteses que os deputados recebem. Durval Ângelo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos que o diga. No dia 23 de novembro do ano passado, ele recebeu uma carta do ex-presidiário U.S.F., de Apucarana, no Paraná, relatando ter sido vítima de erros judiciais e torturas.
"Sou viciado em drogas (crack), tenho três filhos menores e sou amasiado com uma mulher há 12 anos. Sou também fugitivo do albergue, quando cumpria pena e hoje estou desesperado, devendo a traficantes e ameaçado de morte, com pensamento suicida. O vício me dominou", confessa U.S.F. Ele conclui a carta dizendo: "Aguardo com muita ansiedade pelo seu socorro. Espero que o mesmo não chegue tarde demais".
J.E.B., presidiário em Unaí, Noroeste de Minas, enviou no dia 20 de outubro de 2004 uma carta para Durval Ângelo, denunciando as possíveis torturas que teria sofrido, e cita o "castigo no latão". Se dirigindo a Durval e aos outros membros da Comissão de Direitos Humanos, ele ressalta: "Vocês podem vir até aqui e encontrar preso no latão. Por favor, nós não aguentamos tanta humilhação. Eles estão nos deixando de castigo, sem visita, entram com cachorros nas celas onde estamos e não temos o direito de comprar as nossas coisas de alimentação".
O presidiário faz um apelo a Durval: "Por favor, assim que o senhor receber esta carta, faça o favor de vir com urgência aqui nessa penitenciária. O pedido é de misericórdia de todos nós. Socorro, porque nós não aguentamos mais tanto desprezo. Somente o senhor para nos ajudar".
Votos dados são cobrados
A jornalista Eliane Aparecida Carneiro Moreira está concluindo uma pesquisa sobre os pedidos que os deputados recebem para o seu curso de mestrado em Sociologia da História. Antes mesmo de terminá-la, ela já chegou à conclusão que, conhecendo ou não a real função do deputado, os eleitores ignoram as restrições e, em nome do voto que deram anteriormente, encaminham os pedidos de caráter particular.
Ao todo, os 77 deputados da Assembléia Legislativa de Minas Gerais recebem, em média, 3,5 mil correspondências por dia. Como os Correios não funcionam aos sábados, nas segundas-feiras, o número sobe para 4,5 mil.
Entre os deputados que mais recebem cartas, estão o Dr. Viana (PFL), Durval Ângelo (PT), Ermano Batista (PSDB), Maria Olívia (PSDB), João Leite (sem partido), Jayro Lessa (PL) e Sargento Rodrigues (PDT).
A pesquisa que Eliane Aparecida está fazendo abrange 12 gabinetes de deputados que estão exercendo, no mínimo, o terceiro mandato, e que representam regiões distintas do Estado. A única exceção é o deputado Sargento Rodrigues (PDT), que está exercendo o segundo mandato e é votado em quase todos os municípios, por ser o representante de policiais.
Mata-burro A pesquisa mostra que o maior índice de pedidos dos eleitores é emprego, com 25%. Em segundo lugar, com 15%, são pedidos sobre direitos trabalhistas, como verbas retidas, descontos indevidos e publicação de aposentadorias; em terceiro lugar, com 14%, são os pedidos na área de educação, como vagas nas escolas; em quarto lugar, com 12%, os pedidos sobre infra-estrutura, como eletrificação, telefonia, redes de água, esgoto, construção de pontes, mata-burros, poços artesianos, estradas e obras diversas.
Ainda, de acordo com a pesquisa, em quinto lugar, com 11%, estão os pedidos na área de saúde, como consultas médicas, internamentos em hospitais e clínicas, transportes em ambulâncias, cirurgias, medicamentos, óculos, próteses e cadeiras de rodas. Em sexto lugar, com 10%, estão os pedidos de ajuda financeira. Professor aponta distorções graves na relação
O diretor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) e professor de Direito Processual Civil da Faculdade Milton Campos, Luís Cláudio da Silva Chaves, avalia que os pedidos feitos aos deputados têm de ser vistos de duas formas. De um lado, o desconhecimento da população sobre a atuação do Poder Legislativo, cobrando dos parlamentares algumas ações que deveriam ser disponibilizadas pelo Poder Executivo com o recolhimento de impostos.
A segunda forma, segundo o professor, é a questão cultural difundida na sociedade brasileira, de pedidos políticos, através de apadrinhamentos, como empregos e contribuições financeiras pelo fato de ter votado naquele deputado.
"As duas formas são distorções graves no processo político brasileiro porque o cidadão, ao invés de cobrar dos deputados uma atuação coletiva, em prol da sociedade, quer apenas resolver os problemas individuais", afirmou Luís Cláudio.
V.A.G., de Itabirito, no Alto Paraopeba, pediu ao deputado Jayro Lessa (PL), no dia 10 de dezembro, para ele conseguir um fim de semana com o cantor Daniel. "Ele é o meu ídolo, e este é o sonho da minha vida", afirma ela na carta. Jayro enviou correspondência ao escritório do cantor, em São Paulo, mas não obteve resposta.
No dia 5 de junho de 2004, dona G.M., de Braúnas, no Vale do Rio Doce, pediu ao mesmo deputado ajuda para o filho passar no vestibular, porque ele já havia tentado várias vezes sem sucesso. O deputado respondeu a carta dizendo que compreendia "a preocupação da senhora com a educação do seu filho, mas, neste caso, não posso ajudar. Como a senhora acredita no potencial dele, sugiro que o incentive a estudar mais, porque assim fará boas provas".
Em junho de 2004, B.L.D., de Virginópolis, também no Vale do Rio Doce, pediu ajuda ao parlamentar para ser a "Rainha da Pipoca". Ele doou R$ 50 para ela. Jayro Lessa está exercendo o primeiro mandato parlamentar e, em pouco mais de dois anos, já recebeu mais de mil pedidos. Agora, em março, dona B.A.S., de Aramirim, distrito de Açucena, também no Vale do Rio Doce, lhe pediu um aparelho de som. "O senhor pode achar esquisito, mas o meu sonho é ter um som. Pode ser usado", disse ela. O parlamentar vai atender o pedido e enviar o equipamento.
O deputado Sargento Rodrigues (PDT), o quarto mais votado da Assembléia Legislativa, com 78.193 votos, está exercendo o segundo mandato e é um dos que mais recebem correspondências. Em 2003, ele recebeu pedidos como o de uma incubadora de ovos de avestruz de A.J.F., de Arcos, no Centro-Oeste do Estado. Na carta, A.J.F. explica: "Ganhei uns ovos de avestruz e não quero desperdiçá-los. Quero é chocá-los".
J.S.D., de Belo Horizonte, pediu um carro para uso particular. E ponderou: "Desde pequeno tenho o sonho de ter um carro. Não é um carrão. Gostaria que fosse um Chevette, qualquer que seja o ano".
Dona A.M.C.C., de Lavras, no Sul de Minas, pediu, numa única carta, emprego, colocação de laje na sua casa e uma máquina de fazer fraldas. Ela revelou: "Estou muito triste de ver as necessidades da família e não estar trabalhando. Gostaria de ganhar a máquina de fraldas, pois pode me ajudar muito".
A professora E.M.M., de Ponte Nova, na Zona da Mata, pediu "auxílio" para fazer uma cirurgia de redução dos seios. Ela justificou: "Não tenho condições de pagar a cirurgia e o Estado (Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais-Ipsemg) não cobre os custos."
O Sargento Rodrigues responde a todas as correspondências, explicando que não atende este tipo de pedido. E argumenta: "Não existe verba para isso. E minha sua função é atender a sociedade em outro âmbito".
Fim da subvenção reduziu atendimento Há pouco mais de um ano, no dia 21 de janeiro de 2004, a deputada Maria Olívia (PSDB), que está exercendo o quarto mandato, recebeu um pedido bastante esdrúxulo do médico L.B.: a revalidação do seu diploma obtido em Cochabamba, na Bolívia, no dia 31 de "marzo" de 2003, na Universidad Privada Abierta LatinoAmericana.
É claro que L.B. se dirigiu à pessoa errada, porque o ponto de partida seria o Ministério da Educação. A parlamentar respondeu a carta dizendo que não podia atender o pedido "porque foge da minha alçada".
A acadêmica de enfermagem de Lagoa da Prata, no Centro-Oeste de Minas, a estudante C.F.C., pediu, em fevereiro deste ano, "auxílio para conseguir o estágio extracurricular em Belo Horizonte, não-remunerado e sem vínculos empregatícios, só com objetivo acadêmico de aprendizagem". Maria Olívia disse que não tinha condições de conseguir o estágio.
Em outubro de 2003, J.N.T., presidente da Associação dos Aposentados e Pensionistas do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), de Alterosa, no Sul de Minas, pediu, em uma única carta, cadeira de barbeiro, lavador de cabelos, máquina de cortar cabelos, tesouras e secadores para a entidade. Resposta: "Com o fim da subvenção social, não tenho como atender a entidade".
Carlos Pimenta (PDT) também está exercendo o quarto mandato e, no último dia 11 de maio, recebeu carta de J.F.C., de Montes Claros, no Norte de Minas, onde ele tem a sua principal base eleitoral, solicitando uma cirurgia de varizes para a sua esposa, porque "as pernas dela estão inchando muito". Não foi difícil atendê-lo, porque Carlos Pimenta e a sua esposa, Cláudia Borém, são médicos e ela dirige o Centro de Atendimento Social que ele mantém em Montes Claros, com atendimentos médico, odontológico, prevenção do câncer, diabete e na área social.
Em dezembro, V.P.C., também de Montes Claros, pediu ao parlamentar uma cesta de Natal para dar de presente a sua mãe. Ela justificou dizendo que os seus pais estão desempregados, só fazendo bico. "Gostaria que o senhor me ajudasse a fazer a minha mãe feliz no Natal, pois não tenho dinheiro para dar a ela um presente". A esposa de Carlos Pimenta doou a cesta.
Deputado traz corpo dos EUA
O deputado José Henrique (PMDB), a exemplo do seu sogro, o ex-deputado José Laviola, que exerceu seis mandatos parlamentares consecutivos, desenvolve trabalho social em diferentes áreas. Mas, em janeiro passado, ele não pôde atender P.L.C., de Goiabeira, no Vale do Rio Doce, que lhe pediu "pelo menos cinco comprimidos de Viagra". Não pôde também atender J.P.C., de Resplendor, na mesma região, que lhe pediu uma prótese peniana. Os atendimentos foram negados porque poderiam abrir precedentes para inúmeras solicitações do gênero.
Só em 2004, José Henrique ajudou no traslado dos corpos de três brasileiros que morreram nos Estados Unidos. Neste ano, já foram dois traslados. Quando os corpos chegam a Belo Horizonte, o parlamentar ainda ajuda no transporte para as cidades onde serão sepultados.
Permanentemente, José Henrique recebe pedidos de cadeiras de roda, bengala, prótese ocular, bolsa de estudo, emprego, internamento hospitalar e até de cirurgia de revascularização peniana. Também são constantes os pedidos para libertação de presos nos Estados Unidos. Isto porque ele é majoritário em muitos municípios do Vale do Rio Doce, região que tem o maior número de imigrantes para aquele país. Emprego
"Recebo todo tipo de pedido através de cartas, telefone e pessoalmente. A maioria é emprego, bolsa de estudo, ajuda para compra e reforma de moradia", afirma José Henrique.
"Tenho procurado atender o possível, mas muita coisa não é viável. Ajudo sempre na remoção de corpos dos Estados Unidos, mas o custo é muito alto e não fica por menos de US$ 6 mil". José Henrique reconhece as críticas de que o deputado é um despachante de luxo, que a maioria da população não conhece a função da Assembléia Legislativa e cobra, do parlamentar, todo tipo de atendimento pessoal e coletivo.
"Este tipo de atendimento dá voto sim, mas existem segmentos da sociedade que querem ver o parlamentar só como fiscalizador do Poder Executivo e com uma atuação maior no combate à corrupção, na defesa do consumidor, meio ambiente e cobrando a aplicação correta dos recursos públicos", reconhece José Henrique. A exemplo do sogro, que sempre foi um dos deputados mais votados, José Henrique está seguindo a mesma trilha.
Em 1994, quando disputou o primeiro mandato, ele teve 47.032 votos. Em 1998, conseguiu 69.547 votos; e em 2002, um pouco mais: 71.032 votos.
Atuação parlamentar influencia tipo de apelo
Não são apenas pedidos de obras, bolsas de estudos, Viagra e próteses que os deputados recebem. Durval Ângelo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos que o diga. No dia 23 de novembro do ano passado, ele recebeu uma carta do ex-presidiário U.S.F., de Apucarana, no Paraná, relatando ter sido vítima de erros judiciais e torturas.
"Sou viciado em drogas (crack), tenho três filhos menores e sou amasiado com uma mulher há 12 anos. Sou também fugitivo do albergue, quando cumpria pena e hoje estou desesperado, devendo a traficantes e ameaçado de morte, com pensamento suicida. O vício me dominou", confessa U.S.F. Ele conclui a carta dizendo: "Aguardo com muita ansiedade pelo seu socorro. Espero que o mesmo não chegue tarde demais".
J.E.B., presidiário em Unaí, Noroeste de Minas, enviou no dia 20 de outubro de 2004 uma carta para Durval Ângelo, denunciando as possíveis torturas que teria sofrido, e cita o "castigo no latão". Se dirigindo a Durval e aos outros membros da Comissão de Direitos Humanos, ele ressalta: "Vocês podem vir até aqui e encontrar preso no latão. Por favor, nós não aguentamos tanta humilhação. Eles estão nos deixando de castigo, sem visita, entram com cachorros nas celas onde estamos e não temos o direito de comprar as nossas coisas de alimentação".
O presidiário faz um apelo a Durval: "Por favor, assim que o senhor receber esta carta, faça o favor de vir com urgência aqui nessa penitenciária. O pedido é de misericórdia de todos nós. Socorro, porque nós não aguentamos mais tanto desprezo. Somente o senhor para nos ajudar".
Votos dados são cobrados
A jornalista Eliane Aparecida Carneiro Moreira está concluindo uma pesquisa sobre os pedidos que os deputados recebem para o seu curso de mestrado em Sociologia da História. Antes mesmo de terminá-la, ela já chegou à conclusão que, conhecendo ou não a real função do deputado, os eleitores ignoram as restrições e, em nome do voto que deram anteriormente, encaminham os pedidos de caráter particular.
Ao todo, os 77 deputados da Assembléia Legislativa de Minas Gerais recebem, em média, 3,5 mil correspondências por dia. Como os Correios não funcionam aos sábados, nas segundas-feiras, o número sobe para 4,5 mil.
Entre os deputados que mais recebem cartas, estão o Dr. Viana (PFL), Durval Ângelo (PT), Ermano Batista (PSDB), Maria Olívia (PSDB), João Leite (sem partido), Jayro Lessa (PL) e Sargento Rodrigues (PDT).
A pesquisa que Eliane Aparecida está fazendo abrange 12 gabinetes de deputados que estão exercendo, no mínimo, o terceiro mandato, e que representam regiões distintas do Estado. A única exceção é o deputado Sargento Rodrigues (PDT), que está exercendo o segundo mandato e é votado em quase todos os municípios, por ser o representante de policiais.
Mata-burro A pesquisa mostra que o maior índice de pedidos dos eleitores é emprego, com 25%. Em segundo lugar, com 15%, são pedidos sobre direitos trabalhistas, como verbas retidas, descontos indevidos e publicação de aposentadorias; em terceiro lugar, com 14%, são os pedidos na área de educação, como vagas nas escolas; em quarto lugar, com 12%, os pedidos sobre infra-estrutura, como eletrificação, telefonia, redes de água, esgoto, construção de pontes, mata-burros, poços artesianos, estradas e obras diversas.
Ainda, de acordo com a pesquisa, em quinto lugar, com 11%, estão os pedidos na área de saúde, como consultas médicas, internamentos em hospitais e clínicas, transportes em ambulâncias, cirurgias, medicamentos, óculos, próteses e cadeiras de rodas. Em sexto lugar, com 10%, estão os pedidos de ajuda financeira. Professor aponta distorções graves na relação
O diretor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) e professor de Direito Processual Civil da Faculdade Milton Campos, Luís Cláudio da Silva Chaves, avalia que os pedidos feitos aos deputados têm de ser vistos de duas formas. De um lado, o desconhecimento da população sobre a atuação do Poder Legislativo, cobrando dos parlamentares algumas ações que deveriam ser disponibilizadas pelo Poder Executivo com o recolhimento de impostos.
A segunda forma, segundo o professor, é a questão cultural difundida na sociedade brasileira, de pedidos políticos, através de apadrinhamentos, como empregos e contribuições financeiras pelo fato de ter votado naquele deputado.
"As duas formas são distorções graves no processo político brasileiro porque o cidadão, ao invés de cobrar dos deputados uma atuação coletiva, em prol da sociedade, quer apenas resolver os problemas individuais", afirmou Luís Cláudio.
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