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Cidades/Geral
Domingo - 16 de Dezembro de 2012 às 04:02

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José Medeiros / Olhar Direto

O panorama conturbado dos últimos dias na gleba de Suiá Missú gerou tensão suficiente para ensejar intrigas pessoais, o anúncio de pelo menos um novo processo judicial e investigações abertas pela Polícia Federal (PF) para descobrir circunstâncias de ameaças, possíveis incentivadores de violência e desobediência civil.

Embora muito mais complexo que isso, o imbróglio tem contraposto dois lados desde que a Justiça federal decretou a chamada “desintrusão”, a retirada de todos os não-índios desta área de 165 mil hectares no nordeste mato-grossense: o dos produtores rurais e moradores do local contra o governo federal, que demarcou o local como terra xavante Maraiwatsede em 1998.

O cenário de animosidade já se desenhava ao longo do volumoso processo judicial, contudo a tensão recente na região – com helicópteros a sobrevoar e a presença de oficiais de Justiça, Exército, Policiais Rodoviários (PRF), Força Nacional de Segurança (FNS) e PF – “engrossou o caldo”.

Para quem vive no distrito de Estrela do Araguaia (Posto da Mata), figuras como o bispo emérito da prelazia de São Félix do Araguaia Dom Pedro Casaldáliga, o cacique xavante Damião Paridzané e instituições como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e Ministério Público Federal (MPF) já não são das mais populares – num termo bem eufemístico. Cartazes espalhados no local e cartolinas feitas por crianças da região dão conta da repulsa provocada pelo MPF e pela Funai, por exemplo, sendo esta última recorrentemente chamada de “câncer” do Brasil.

Alta cúpula

Agora, outros personagens têm provocado revolta dos moradores e produtores rurais da gleba, como funcionários de alto escalão do governo federal responsáveis pelo suporte à operação de retirada da área e até mesmo o Partido dos Trabalhadores (PT).


José Medeiros / Olhar Direto



O último episódio desta tensão já teve como fruto um processo judicial. O produtor rural Sebastião Prado acusou o secretário nacional de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, Paulo Maldos, de ter lhe oferecido meses atrás a possibilidade de impedir a desintrusão da gleba, por meio de lobby, mediante o pagamento de R$ 12 milhões. Maldos é um dos responsáveis pela execução do despejo. A denúncia foi prontamente seguida de uma nota do ministro Gilberto Carvalho, chefe da Secretaria-Geral da Presidência, desmentindo o ato de corrupção e anunciando processo judicial contra Prado por calúnia.

Para Prado, o fato apenas mostra que Gilberto Carvalho é parte do “espólio maldito” deixado pelo governo Lula à presidente Dilma Rousseff (PT). “Ele está atolado até o pescoço em escândalos de corrupção”, aponta. Segundo ele, após a suposta oferta feita por Maldos, Carvalho avocou para si análise da possibilidade de permuta da terra xavante com o parque estadual do Araguaia, criado pelo governo estadual a fim de encerrar a pendenga (mesmo sendo a manobra considerada inconstitucional pelo MPF). Após 15 dias, o ministro teria deixado o caso de lado devido à falta da tal propina, segundo Prado. “Nós é que fomos vítimas nessa história”, contrapõe Prado.


José Medeiros / Olhar Direto



Ameaças


Na sede da associação dos produtores de Suiá Missú, um mural tem sido preenchido por reportagens da imprensa local a respeito da desintrusão. Em uma matéria sobre uma suposta ameaça que Maldos teria recebido de pessoas de Posto da Mata, sua foto aparece marcada por um X negro.

A PF abriu inquérito para investigar as supostas ameaças a Maldos, notícia da véspera do início da retirada, bem como para averiguar quem são os líderes da resistência incentivadores de atos ilegais – como o fechamento de estradas e a supressão do direito de ir e vir.

Também foram instaurados procedimentos para apurar origem e circunstância de ameaças contra o cacique Paridzané, o bispo Casaldáliga e a agentes da Funai envolvidos no trabalho de desintrusão da terra indígena. A informação partiu do coordenador-geral de movimentos de campo e território da Secretaria-Geral da Presidência da República, Nilton Tubino, presente na região para acompanhar a desintrusão e igualmente figura mal quista na gleba.

Damião é o principal líder xavante na luta pela reocupação do território de Suiá Missú e tentou colocar a pendenga judicial da causa indígena na agenda internacional em duas conferências das Nações Unidas realizadas no Brasil: a Eco-92 e a Rio+20, reavivando na imprensa o tema de Suiá Missú, nome da antiga fazenda anterior à demarcação do local.

Já o bispo Casaldáliga, historicamente ligado à causa indígena e às reivindicações das minorias na região do Araguaia, é apontado como um dos principais incentivadores dos xavantes na busca pelo território disputado com os produtores rurais. Bispo e cacique estão protegidos contra qualquer suposta ameaça: agentes da FNS se instalaram de antemão na aldeia onde vive Paridzané e Casaldáliga foi escoltado pela PF para fora do Estado.





Anel de tucum


O bispo catalão de 84 anos chegou a ser alvo de rancor de um carregado artigo escrito pelo advogado dos produtores de Suiá Missú, Luiz Alfredo Ferezin, por ocasião da desintrusão. O texto, difundido entre os líderes da resistência, sintetiza o discurso uniforme dos moradores da gleba e mostra a relação entre Casaldáliga e Paulo Maldos, aquele que teria sido ameaçado por supervisionar a operação de despejo.

Ferezin lembra que tanto o bispo quanto Maldos usam nas mãos o anel de tucum (feito de uma palmeira amazônica, simboliza adesão à Teologia da Libertação e às causas das minorias, como a dos indígenas). Além da afinidade ideológica, o advogado enxerga práticas escusas por parte de ambos no que diz respeito ao caso de Suiá Missú, além de apontar que Gilberto Carvalho “se afeiçoa ao imperador francês Napoleão Bonaparte, conhecido pelo tamanho e pelas suas estratégias na guerra. Um parêntese, só se assemelha no tamanho e na arrogância”.

Maldos, para Ferezin, age também em nome da esposa, Marta Maria Azevedo, presidente da Funai, e é “useiro vezeiro na prática de intromissão em cumprimento a ordens judiciais. Dependendo da conveniência política, fica de um lado ou de outro da contenda”.

Sobre Casaldáliga, o texto não é tão eivado de ódio, mas observa que o espanhol de Balsareny criou factóide no episódio da suposta ameaça contra si e que nunca mais “retornou a seu torrão natal. Nem mesmo para o enterro de sua mãe”. O bispo ainda leva a pecha de omisso no caso de Maraiwatsede porque “tem conhecimento que houve a fraude e apenas se exclui do ato espúrio praticado pela Funai, que consiste no deslocamento das verdadeiras terras Xavantes ocupadas em tempos remotos pela etnia, que foram desapropriadas pelo Incra para o local em conflito”.

PT

Por último, o texto do advogado retoma o discurso dominante no distrito de Estrela do Araguaia ao responsabilizar o governo do PT por toda a contenda (embora Maraiwatsede tenha sido demarcada durante o governo do tucano Fernando Henrique Cardoso):

“O Partido dos Trabalhadores certamente terá a sua resposta nas próximas eleições. E não é somente pela corrupção declarada de seus inúmeros dirigentes pela Suprema Corte do país. Mas pela omissão inaceitável da presidenta Dilma no caso em tela. Ainda mais se tratando de ex-guerrilheira que no passado remoto deu o exemplo, ao se insurgir contra a ordem vigente, eis as violações de direitos pelo regime militar em face do povo Brasileiro!”.





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