Repórter News - reporternews.com.br
Economia
Domingo - 26 de Dezembro de 2004 às 21:50
Por: Érica Fraga

    Imprimir


Na contramão de outros bancos centrais que, temerosos dos efeitos da valorização de suas moedas em relação ao dólar, resolveram adiar a decisão de subir juros e até cortar suas taxas, a autoridade monetária brasileira elevou a Selic novamente neste mês e sinalizou na quinta-feira que a tendência ainda é de alta.

A conseqüência, dizem analistas, será a continuação da alta do real puxada por investimentos especulativos de curto prazo. Afinal, a taxa de juros reais do Brasil (descontada a inflação projetada para 12 meses), está em 10,6%, a segunda mais alta do mundo, segundo a consultoria GRC Visão.

Nos últimos seis meses, o real já acumula valorização de cerca de 15% em relação à moeda norte-americana. É a quinta moeda, em uma lista de 37, com maior alta registrada contra o dólar nesse período, perdendo apenas para Polônia, Romênia, República Tcheca e Hungria.

Outros bancos centrais têm caminhado na direção oposta. O forte movimento de realinhamento do dólar-conseqüência da necessidade de ajuste dos déficits fiscal e em conta corrente dos EUA-tem assustado as autoridades monetárias de outros países. Nas últimas semanas, apesar da aceleração econômica generalizada, vários bancos centrais mantiveram suas taxas de juros inalteradas-contrariando, em alguns casos, as expectativas do mercado-ou as reduziram por conta do temor dos efeitos negativos da desvalorização do dólar.

Explicações

O BC do Canadá, por exemplo, afirmou em sua última ata de inflação que "o dólar norte-americano se depreciou ainda mais contra as principais moedas flutuantes, incluindo o dólar canadense. Se as taxas de câmbio persistirem nos níveis atuais e todos os outros fatores econômicos e financeiros ficarem imutáveis, haverá um efeito de queda da demanda agregada por bens e serviços do Canadá".

Por isso, explica, decidiu manter seus juros inalterados em 2,5% ao ano, ao contrário do que havia feito em novembro, quando subiu sua taxa básica e sugeriu que o movimento continuaria.

Outros bancos centrais têm apresentado argumentos nessa mesma linha. O presidente do BC da Nova Zelândia, Alan Bollard, afirmou-após divulgação que a taxa de juros ficaria inalterada em 6,5%-que, apesar das pressões provocadas pela forte demanda imobiliária e alta dos salários, há uma força oposta em conseqüência da queda do dólar: "Há a possibilidade de mais movimentos exagerados do dólar e das taxas de juros norte- americanos, conduzindo a um TWI [sigla em inglês para a moeda do país] neozelandês mais forte, exportações mais fracas e menos pressão inflacionária", disse ele.

O BC do Reino Unido soltou um comunicado forte, alertando para os riscos que o brusco movimento de realinhamento das moedas traz para o mercado financeiro, no longo prazo, afirmando que isso poderá afetar negativamente as condições de crédito de devedores em países nos quais a atividade econômica se desacelerar bruscamente. Dias depois, o banco também anunciou manutenção dos seus juros. E, na ata divulgada na semana passada, deu a entender que poderá cortar a taxa básica em breve.

Austrália, Polônia e Chile são outros países que-apesar de pressões inflacionárias recentes-decidiram não subir juros agora em dezembro.

Dólar

Segundo Derek Halpenny, operador de moedas no Bank of Tokyo-Mitsubishi, em Londres, essa é a primeira vez, desde que o dólar começou a se desvalorizar recentemente, que o movimento afeta as decisões de bancos centrais:

"Sem dúvida a queda do dólar começou a afetar as decisões de política monetária, já que a valorização das moedas já contribui para um aperto monetário", diz Halpenny.

Nas últimas semanas, alguns bancos centrais como os de Israel, da Colômbia, da Turquia e da Hungria até reduziram juros. A valorização de suas moedas frente ao dólar deverá ocupar lugar de destaque no rol de explicações, segundo analistas.

O aperto monetário-em um momento de forte desvalorização do dólar-pode trazer dois efeitos que estão conectados e que as autoridades monetárias querem evitar.

O primeiro é que a atratividade das taxas de juros siga trazendo capitais de curto prazo que buscam investimentos mais atrativos em um período em que a liquidez (medida dos recursos disponíveis no mercado) segue alta.

O outro é que a combinação de juros mais altos e moeda mais apreciada imponham uma forte desaceleração de suas economias, em conseqüência de uma combinação de queda da atividade doméstica-via, por exemplo, menor demanda por crédito-e externa, provocada por exportações menos vigorosas.

Contramão

Na contramão desse movimento, o Brasil deverá continuar atraindo recursos de curto prazo. Como o país, o México também elevou juros recentemente, mas a diferença, dizem analistas, é que a moeda mexicana se valorizou apenas 1,8% contra o dólar nos últimos seis meses: "Acho que a tendência é que a moeda brasileira continue se valorizando já que os juros são atrativos", diz Halpenny.

A economista Rafaella Tenconi, da consultoria Lombard Street, concorda: "O Brasil tem taxas de juros muito altas. Com isso, a moeda "merece" uma apreciação."

Segundo ela, o fato de que o país está na contramão de outras autoridades monetárias pode se explicar porque, no Brasil, é mais difícil controlar as expectativas de inflação, devido ao histórico de preços altos do passado: "Outros países não têm a mesma história de inflação alta do Brasil".

Além --e, em parte, por conta-- disso, o desenho do modelo de metas de inflação do país é diferente de muitos outros países, explica Tenconi. Ela cita como exemplo o fato de que o regime do Brasil prevê o cumprimento da meta em um ano calendário fechado e a maior parte dos outros países tem um horizonte mais longo ou um período móvel contabilizado em meses.

"Isso dificulta o cumprimento da meta em anos em que há choques ou o carregamento dos efeitos de choques passados", afirma a economista.

Para Jerome Booth, chefe do departamento de pesquisa da Ashmore, um dos maiores hedge funds que operam ativos de mercados emergentes, o governo brasileiro tem feito um ótimo trabalho na área econômica, mas, ressalva, "o Banco Central brasileiro tem sido excessivamente prudente".




Fonte: Folha Online

Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/362395/visualizar/