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Uso do "onde" requer muita atenção
O que dá ensejo à coluna de hoje é uma curiosa frase publicada nesta semana em um jornal paulista. A idéia era noticiar a possibilidade de um astronauta brasileiro viajar em uma espaçonave russa apesar de receber treinamento nos Estados Unidos.
O texto do jornalista dizia o seguinte: "O astronauta brasileiro Marcos Cesar Pontes pode embarcar para a Estação Espacial Internacional em uma espaçonave russa. Pontes deveria viajar com os americanos, onde treina desde 98, mas problemas nos dois países tornaram isso pouco provável." A estranheza da construção acima advém do emprego equivocado da palavra "onde" (no caso, um pronome relativo), que deveria retomar uma expressão de lugar, mas não o faz.
Na verdade, o "onde" remete a uma idéia de lugar que não está explicitada no período, ou seja, a de que Pontes treina nos EUA. A melhor correção, entretanto, seria a substituição desse termo por "com quem" --afinal, Pontes treina com os americanos. A palavra "quem" (pronome relativo) deve ser precedida pela preposição que completa o sentido do verbo "treinar", pois o pronome "quem" retoma o antecedente "americanos". Assim, Pontes deveria viajar com os americanos, com quem (ou com os quais) treina.
É relativamente freqüente o uso incorreto do "onde". Vejamos outro fragmento, também extraído de jornal. Agora o assunto é a "sogra": "Versos, anedotas, provérbios, pilhérias, em todas as línguas do mundo, tornam a sogra objeto de ridículo feroz (...). Era o mesmo entre gregos e romanos e será difícil encontrar um povo onde a sogra não seja tema de perversidade e raiva constantes". Mais uma vez, o problema está no fato de o termo "onde" retomar uma palavra que não indica lugar, no caso "povo".
Pode o redator ter feito uma associação entre "povo" e "país". Mais adequado seria, nesse caso, empregar uma construção como: "(...) encontrar povos entre os quais a sogra não seja tema de perversidade e raiva constantes".
Uma parte da confusão nasce da crença na equivalência entre "onde" e "em que". É fato que "onde" pode ser substituído por "em que" ("país onde nasci" ou "país em que nasci", por exemplo), mas o inverso nem sempre é possível. Um exemplo desse equívoco está no trecho seguinte: "Só uma humanidade onde reine a civilização do amor poderá gozar da paz autêntica e duradoura".
Nesse trecho, caberia "em que" ou "na qual", mas não "onde", já que "humanidade" não é um lugar. O ideal, nesse caso, seria "uma humanidade em que reine a civilização do amor".
Caso semelhante a esse aparece no seguinte trecho: "O padrão de mulher mais velha do que o homem é mais encontrado entre as uniões consensuais, onde representa 25% do total. Nos casamentos civis e religiosos, essa porcentagem cai para 16%". A expressão "uniões consensuais" poderia ser retomada por meio das construções "em que" ou "nas quais". Assim: "O padrão de mulher mais velha do que o homem é mais encontrado entre as uniões consensuais, nas quais (em que) representa 25% do total. Nos casamentos civis e religiosos, essa porcentagem cai para 16%".
Por vezes, o problema pode estar no uso da preposição que antecede o "onde". Quando equivale a "em que", o "onde" não requer anteposição de preposição, mas, quando o verbo ou o nome exigir outra preposição, esta deverá anteceder o "onde". A ausência da preposição é o defeito da construção a seguir: "O 'aleph', o ponto mágico onde conflui todo o universo, é uma dessas extraordinárias máquinas mínimas". Ora, o universo conflui para um determinado ponto.
Portanto "o 'aleph' [é] o ponto mágico para onde conflui todo o universo". Melhor ainda seria usar "para o qual", expressão que valoriza a especificidade do local (o ponto). Assim: "O 'aleph' [é] o ponto mágico para o qual conflui todo o universo".
Quando a preposição que antecede o "onde" é o "a", ocorre a combinação de "a" com "onde", que resulta na forma "aonde". Assim, perguntamos "Onde está você?" (pois você está em algum lugar), mas "Aonde você vai?" (pois você vai a algum lugar).
Entendido que "onde" sempre retoma uma idéia de lugar, o estudante escreve em sua redação: "A faculdade onde freqüentava ficava em Guarulhos". E agora? Apesar de "a faculdade" ser um lugar, o emprego do "onde" está incorreto. Isso porque o substantivo "faculdade" é, semanticamente, denotador de lugar, mas o pronome que o retoma na segunda oração do período ("onde") não exerce a função sintática de adjunto adverbial de lugar.
Trocando isso em miúdos, o verbo "freqüentar" requer um objeto direto (afinal, freqüentamos algo), não um adjunto adverbial de lugar (afinal, ninguém freqüenta em que). A construção correta, então, é a seguinte: "A faculdade que freqüentava ficava em Guarulhos", e o pronome relativo "que" exerce na oração a que pertence a função de objeto direto. Na condição de pronome relativo, o "onde" sempre exerce a função de adjunto adverbial de lugar.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e autora dos livros "Redação Linha a Linha" (Publifolha) e "Uso da Vírgula" (Manole). E-mail: tnicoleti@folhasp.com.br
O texto do jornalista dizia o seguinte: "O astronauta brasileiro Marcos Cesar Pontes pode embarcar para a Estação Espacial Internacional em uma espaçonave russa. Pontes deveria viajar com os americanos, onde treina desde 98, mas problemas nos dois países tornaram isso pouco provável." A estranheza da construção acima advém do emprego equivocado da palavra "onde" (no caso, um pronome relativo), que deveria retomar uma expressão de lugar, mas não o faz.
Na verdade, o "onde" remete a uma idéia de lugar que não está explicitada no período, ou seja, a de que Pontes treina nos EUA. A melhor correção, entretanto, seria a substituição desse termo por "com quem" --afinal, Pontes treina com os americanos. A palavra "quem" (pronome relativo) deve ser precedida pela preposição que completa o sentido do verbo "treinar", pois o pronome "quem" retoma o antecedente "americanos". Assim, Pontes deveria viajar com os americanos, com quem (ou com os quais) treina.
É relativamente freqüente o uso incorreto do "onde". Vejamos outro fragmento, também extraído de jornal. Agora o assunto é a "sogra": "Versos, anedotas, provérbios, pilhérias, em todas as línguas do mundo, tornam a sogra objeto de ridículo feroz (...). Era o mesmo entre gregos e romanos e será difícil encontrar um povo onde a sogra não seja tema de perversidade e raiva constantes". Mais uma vez, o problema está no fato de o termo "onde" retomar uma palavra que não indica lugar, no caso "povo".
Pode o redator ter feito uma associação entre "povo" e "país". Mais adequado seria, nesse caso, empregar uma construção como: "(...) encontrar povos entre os quais a sogra não seja tema de perversidade e raiva constantes".
Uma parte da confusão nasce da crença na equivalência entre "onde" e "em que". É fato que "onde" pode ser substituído por "em que" ("país onde nasci" ou "país em que nasci", por exemplo), mas o inverso nem sempre é possível. Um exemplo desse equívoco está no trecho seguinte: "Só uma humanidade onde reine a civilização do amor poderá gozar da paz autêntica e duradoura".
Nesse trecho, caberia "em que" ou "na qual", mas não "onde", já que "humanidade" não é um lugar. O ideal, nesse caso, seria "uma humanidade em que reine a civilização do amor".
Caso semelhante a esse aparece no seguinte trecho: "O padrão de mulher mais velha do que o homem é mais encontrado entre as uniões consensuais, onde representa 25% do total. Nos casamentos civis e religiosos, essa porcentagem cai para 16%". A expressão "uniões consensuais" poderia ser retomada por meio das construções "em que" ou "nas quais". Assim: "O padrão de mulher mais velha do que o homem é mais encontrado entre as uniões consensuais, nas quais (em que) representa 25% do total. Nos casamentos civis e religiosos, essa porcentagem cai para 16%".
Por vezes, o problema pode estar no uso da preposição que antecede o "onde". Quando equivale a "em que", o "onde" não requer anteposição de preposição, mas, quando o verbo ou o nome exigir outra preposição, esta deverá anteceder o "onde". A ausência da preposição é o defeito da construção a seguir: "O 'aleph', o ponto mágico onde conflui todo o universo, é uma dessas extraordinárias máquinas mínimas". Ora, o universo conflui para um determinado ponto.
Portanto "o 'aleph' [é] o ponto mágico para onde conflui todo o universo". Melhor ainda seria usar "para o qual", expressão que valoriza a especificidade do local (o ponto). Assim: "O 'aleph' [é] o ponto mágico para o qual conflui todo o universo".
Quando a preposição que antecede o "onde" é o "a", ocorre a combinação de "a" com "onde", que resulta na forma "aonde". Assim, perguntamos "Onde está você?" (pois você está em algum lugar), mas "Aonde você vai?" (pois você vai a algum lugar).
Entendido que "onde" sempre retoma uma idéia de lugar, o estudante escreve em sua redação: "A faculdade onde freqüentava ficava em Guarulhos". E agora? Apesar de "a faculdade" ser um lugar, o emprego do "onde" está incorreto. Isso porque o substantivo "faculdade" é, semanticamente, denotador de lugar, mas o pronome que o retoma na segunda oração do período ("onde") não exerce a função sintática de adjunto adverbial de lugar.
Trocando isso em miúdos, o verbo "freqüentar" requer um objeto direto (afinal, freqüentamos algo), não um adjunto adverbial de lugar (afinal, ninguém freqüenta em que). A construção correta, então, é a seguinte: "A faculdade que freqüentava ficava em Guarulhos", e o pronome relativo "que" exerce na oração a que pertence a função de objeto direto. Na condição de pronome relativo, o "onde" sempre exerce a função de adjunto adverbial de lugar.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e autora dos livros "Redação Linha a Linha" (Publifolha) e "Uso da Vírgula" (Manole). E-mail: tnicoleti@folhasp.com.br
Fonte:
Colunista da Folha Online
URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/362422/visualizar/
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