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Repórter News - reporternews.com.br
Cidades/Geral
Domingo - 05 de Dezembro de 2004 às 06:45
Por: Gleid Moreira

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A cada mês é sempre uma esperança: conseguir um pedaço de terra para iniciar nova vida. Há seis meses, ao menos 500 sem-terra estão acampados em frente à superintendência do Incra em Cuiabá. O sistema familiar funciona como outro qualquer, mas há muitas dificuldades para eles levaram adiante o sonho de ir para o campo.

Apesar da organização interna do sistema de vida dos sem-terra, todos eles enfrentam sérios problemas, que vão desde a falta d’água e alimentação, até às questões mais complexas, como mulheres grávidas dormindo no chão das barracas de lonas e das mães recém-saídas do hospital, que ainda não tomaram medicamentos por falta de dinheiro para os mesmos.

“Um por todos e todos por um”, este pode ser considerado o lema das centenas de famílias que têm em comum, o objetivo de ter a própria terra, onde dela possam tirar o sustento do dia-a-dia, segundo o carpinteiro, Ciro de Paula Santana, de 39 anos.

Ciro relatou estar na frente da sede do Incra há mais de cinco meses e, segundo ele, assim como todas as famílias, nem mesmo a fome que passam tem tanta importância quanto a realização do desejo de conseguir a tão sonhada terra. “Aqui é uma comunidade onde todos se ajudam. A esperança de um é a mesma de todos: que a reforma agrária saia do papel. Vamos ficar aqui, até quando ainda não sabemos. Mas é certo que vamos ficar só olhando o movimento do povo lá fora comemorando o Natal e Ano-novo que se aproximam e nós, nessa barraca de ‘plástico’ esperando pela terra”, destacou.

Ciro ainda relatou, que apesar do tempo que vivem no Centro Político Administrativo (CPA), os sem-terra não mantém amizade com funcionários dos órgãos do governo ou pessoas que freqüentam o lugar.

De acordo com a dona de casa, Lourenil Almeida, de 41 anos, que está no local há seis meses com o marido e os sete filhos, “as pessoas não vêem com bons olhos, os sem-terra. Alguns até têm nojo da gente”, frisou.

Ciro, que tem o barraco vizinho ao de dona Laurenil, é solidário às palavras da amiga e, diz que não dá muita importância pelo desprezo de outras pessoas que não sejam da comunidade ou pela falta de comida, mas, sim, pretende continuar lutando pela terra, porque segundo ele, todos têm o direito de sobreviver por seus próprios meios.

Uma revolta generalizada das famílias que vivem em barracas de lona na frente da sede do Incra é quanto à qualidade do alimento que recebem mensalmente dos armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), pois de acordo com Ciro, os sem-terra têm recebido somente arroz, feijão, fubá e farinha de trigo.

“Não vem nem sal. Aqui não tem porco e não estamos vivendo só a troco de comida. O mais doído é ter que sair todos os dias com um saco para pedir ‘osso’ nos açougues da redondeza, para alimentar os filhos. Às vezes até conseguimos, outras vezes não dão nada, principalmente se souberem que somos sem-terra. Muitas vezes conseguimos carne que já está fedendo, quase podre, é muito triste. O feijão que recebemos aqui é tão duro, que precisamos deixar cozinhando de um dia para o outro, o fubá já vem quase vencido e algumas vezes cheio de caruncho, é muito difícil, fazemos o que dá”, relatou Ciro.

Organização para manter a paz

Os sem-terra que vivem há pelo menos seis meses na frente da superintendência do Incra em Cuiabá se organizam como podem para manter a paz, a harmonia e o trabalho de equipe na ‘comunidade’, termo usado por eles para definir o grupo de 500 pessoas.

Os banheiros, comunitários, são separados para homens e mulheres. No entanto, somente para banhos, pois as necessidades fisiológicas são feitas no mato, nos arredores da própria superintendência. De acordo com Raquel da Costa, durante o dia é tranqüilo para os banhos, mas se deixar para o final da tarde quem se habilitar à higiene tem que enfrentar fila.

As cozinhas, cinco ao todo, são divididas pelas seccionais, uma para as pessoas vindas da Baixada Cuiabana, outra para os que vieram do sul de Mato Grosso e assim por diante. O trabalho é dividido e feito de forma alternada, onde todos fazem um pouco de cada atividade.

Como o alimento que chega é insuficiente para completar o mês, alguns membros do Movimento trabalham, fazendo ‘bicos’, segundo Ciro de Paula Santana, para garantir o sal, um ou outro tempero, verduras, legumes e, raras vezes, a carne ou ossos que são cozidos para dar ‘gosto’ ao alimento.

Empolgados em contar a história de vida deles, Ciro e Anastácio Jorge da Silva, de 65 anos, acompanharam a reportagem por todo o acampamento para mostrar cada ocupação dos trabalhadores e os problemas enfrentados por eles no dia-a-dia.

Até um ‘minimercado’ foi instalado no lugar para venda de pequenas necessidades. A venda é realizada por trabalhadores alternados, como nas demais atividades, e o pequeno lucro, de acordo com Ciro, é revertido para a cozinha.

Serviços como cuidar de carros e lavagem dos mesmos, carpintaria e ajudante de pedreiro nas redondezas é rotina. “Muitos pensam que somos vagabundos, mas aqui ninguém é. Trabalhamos no que der para viver, não queremos é roubar, por isso nos organizamos, tudo funciona de acordo com o regime interno. Se alguma mulher ousar em se prostituir ou algum homem mexer com a mulher de outro ou inventar de usar drogas, é expulso da comunidade”, destacou Anastácio.




Fonte: Folha do Estado

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