A Justiça Federal em Mato Grosso determinou que sejam retomadas as ações visando a retirada das famílias que ocupam a área indígena Marãiwatsédé, na região nordeste do estado. O processo de desocupação foi suspenso desde que duas liminares concedidas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) em Brasília, interromperam a desintrusão.
Em decisão datada de 31 de outubro o juiz federal substituto Marllon Sousa cita não haver mais impedimento legal para que o trâmite seja retomado. "O Supremo Tribunal Federal suspendeu os efeitos das liminares concedidas peio TRF da 1ª Região nos autos das ações cautelares. Com isso, os óbices que impediam o cumprimento do mandado de desintrusão da reserva indígena Maraiwatsede não mais subsistem", descreveu.
Há exatos quatro meses (31 de julho) o mesmo magistrado homologara o plano de desintrusão elaborado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), determinando seu imediato cumprimento mediante notificação de todos os agentes envolvidos no processo.
À Funai caberia informar listagem dos ocupantes não índios que estavam na terra indígena Marãiwatsédé, além de definir o início do processo de desintrusão. Polícia Federal e Força Nacional de Segurança também foram acionadas para prestarem auxílio no cumprimento da retirada das famílias da área. O prazo estabelecido pelo magistrado para que todos os mandados de desocupação fossem expedidos era de 30 dias.
O Instituto Nacional de Reforma e Colonização Agrária (Incra), além da Polícia Rodoviária Federal no estado, o Ibama e o ICMBio também foram citados a atuarem na execução do plano com ações visando garantir a tutela do meio ambiente da reserva indígena.
No final de outubro, o juiz federal volta a reafirmar a necessidade do andamento dos trâmites para a retirada dos ocupantes da área reconhecida como "de uso Xavante". "Considerando que já foram publicados os editais para conhecimento de terceiros, desentranhe-se o mandado de desintrusão para imediato início dos trabalhos", afirmou ainda o juiz federal na decisão no último dia 31.
STF decide
Em 17 de outubro o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a liminar do TRF que impedia a desocupação do território no estado.
Por outro lado, o advogado que representa os produtores, Luiz Alfredo Feresin, questiona a decisão e argumenta que os produtores ainda podem permanecer na área em função da liminar concedida em favor da Associação dos Produtores. "Existe um conflito de competência. Quem vai decidir sobre a liminar é o STJ", declarou, ao afirmar que o STJ não julgou a ação. "O STF ainda não viu o processo", enfatizou.
De acordo com o defensor, mesmo o STJ declinando de sua competência ele ainda deverá se manifestar acerca do caso. Em outubro, ao se manifestar acerca do pedido de suspensão da decisão do TRF ajuizado pela Procuradoria Geral da República (PGR), o presidente do STJ, ministro Felix Fischer considerou que a discussão travada nos autos referia-se à posse de terras tradicionalmente ocupadas por índios, sendo a matéria constitucional.
Fischer negou seguimento à suspensão no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e determinou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal. No STF, por sua vez, o presidente da Corte, ministro Ayres Britto, deferiu o pedido para suspender os efeitos da liminar conferida em favor da Associação dos Produtores Rurais da Área Suiá-Missú.
Protestos em Brasília
A decisão do STF levou moradores da área para Brasília. Há pelo menos nove dias eles participam de uma série de protestos na Esplanada dos Ministérios com objetivo de pedir aos agentes federais que intercedam pelos cerca de 7 mil ocupantes não índios da área.
A reserva
A extensão supera 165 mil hectares. De acordo com a Fundação Nacional do Índio, o povo xavante ocupa a área Marãiwatsédé desde a década de 1960. Nesta época, a Agropecuária Suiá-Missú instalou-se na região. Em 1967, índios foram transferidos para a Terra Indígena São Marcos, na região sul de Mato Grosso, e lá permaneceram por cerca de 40 anos, afirma a Funai.
No ano de 1980 a fazenda foi vendida para a petrolífera italiana Agip. Naquele ano, a empresa foi pressionada a devolver aos xavante a terra durante a Conferência de Meio Ambiente no ano de 1992, à época realizada no Rio de Janeiro (Eco 92).
A Funai diz que neste mesmo ano - quando iniciaram-se os estudos de delimitação e demarcação da Terra Indígena - Marãiwatsédé começa a ser ocupada por não índios.
O ano de 1998 marcou a homologação, por decreto presidencial, da TI. No entanto, sucessivos recursos impetrados na Justiça marcam a divisão de lados entre os produtores e indígenas. A Funai diz que atualmente os índios ocupam uma área que representa "apenas 10% do território a que têm direito".
O território está registrado em cartório na forma de propriedade da União Federal, conforme legislação em vigor, e seu processo de regularização é amparado pelo Artigo 231 da Constituição Federal, a Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio) e o Decreto 1.775/96, pontua a Funai.
Em 2010 uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região confirmou a decisão de primeiro grau reconhecendo a legalidade do procedimento administrativo de demarcação da terra indígena. Para a Funai, "a posse de todos os ocupantes não índios foi considerada de má-fé, sobre bem imóvel da União".
No entender dos desembargadores a comunidade Marãiwatsédé "foi despojada da posse de suas terras na década de sessenta, a partir do momento em que o Estado de Mato Grosso passou a emitir título de propriedade a não-índios, impulsionados pelo espírito expansionista de "colonização" daquela região brasileira".
De acordo com o Tribunal, ocupantes não índios não têm direito à Terra por se tratarem de "meros invasores da área, inexistindo possibilidade de ajuizamento de ação indenizatória".
Em julho de 2011, em outra decisão, o Tribunal Regional Federal da 1º Região garantiu a permanência das famílias de não índios na TI. Contudo, em junho deste ano uma nova decisão revogou a decisão anterior do mesmo tribunal, autorizando a retirada dos ocupantes não índios.
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