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Polícia Brasil
Domingo - 23 de Maio de 2004 às 16:33
Por: Téo Menezes

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O defensor público Valtenir Luiz Pereira, filho do agricultor Valdivino Luiz, assassinado há 21 anos, em Juscimeira, disputará em outubro a sua primeira eleição. Pré-candidato a vereador pelo PT de Cuiabá, ele ficou conhecido pela insistente luta na tentativa de ver preso o prefeito José Rezende da Silva (PMDB), o Zé Guia, que é réu confesso do crime.

Nesta entrevista, Valtenir Pereira cobra mais agilidade do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que pode em breve reconsiderar o pedido de prisão deferido pela Justiça, e comenta também a investigação da Procuradoria da República sobre os políticos ligados ao crime e ao peemedebista.

Formado em Direito, ele admite que a decisão de fazer o curso foi motivado pelo crime. Além de Valtenir, todos os seus quatro irmãos também são advogados. A escolha, segundo avalia, seria uma forma de buscar "vingança e justiça".

Valtenir comenta também a luta por liminares e vagas em Unidades de Tratamento Intensivo para pessoas de baixa renda, o que lhe rendeu acusações de uso político da função. Ele nega. Leia a seguir íntegra da entrevista concedida durante a manhã de anteontem:

A Gazeta - Há 21 anos, o pai do sr. foi assinado por Zé Guia, que continua em liberdade e exercendo o cargo. Por que ninguém foi preso? O fato dele ser prefeito interfere nisso?

Valtenir Pereira - Para as pessoas simples, não existem as regalias com que ele conta. Obviamente, diante das brechas legais, ele obteve a chance de prorrogar isso ainda mais. As autoridades competentes também deviam ser mais comprometidas com os preceitos legais e interpretar de forma mais rigorosa o caso. Mas o Zé Guia, conforme ficou comprovado através de interceptações telefônicas, contou com uma rede de proteção política. Isso existia anteriormente, mas infelizmente só foi detectado em 2000. Com isso, ficamos sabendo também que existia envolvimento de pessoas do campo político e Judiciário, onde um senador interveio junto ao presidente do Tribunal de Justiça para dar posse ao prefeito. Diante desse tipo de coisa, temos a impressão de que para ele prevaleceu as benesses da lei; já para pessoas que roubam um pão para matar a fome, a lei é aplicada com todo o seu rigor.

A Gazeta - Nessas interceptações telefônicas, podemos ouvir o ex-senador Carlos Bezerra (presidente nacional do INSS) e o deputado Gilmar Fabris (PFL) comentando o caso e prevendo a posse de Zé Guia, mesmo este tendo um mandado de prisão decretado. O sr. acha que o envolvimento de políticos dificulta o desfecho do processo?

Valtenir - A conduta deles está sendo objeto de avaliação pela Procuradoria da República, pois existe um (ex) senador envolvido e só a Justiça Federal pode analisar a possibilidade de improbidade administrativa nesse caso. Tive notícias de que o assunto está bem avançado no sentido de que seja deflagrada uma ação que pode resultar até em inelegibilidade política não só do então senador, como de todas as pessoas que foram citadas. Isso tudo é um mau exemplo, que prova que a impunidade gera descrédito e mais violência. Todo cidadão de Juscimeira sabe que o seu prefeito, que deveria ser um exemplo, matou um pai de família e deixou cinco órfãos e nada aconteceu. Com isso, temos a falsa impressão de que qualquer pessoa pode assassinar outro e que nada vai acontecer.

A Gazeta - Em relação a esses envolvidos, há possibilidade de alguma punição, já que até a pessoa que confessou ter efetuado os disparos contra o seu pai está em liberdade?

Valtenir - A meu ver, interceptações telefônicas são provas cristalinas e que não demandam dificuldades para se chegar às penalidades. Temos provas de que policiais militares facilitaram a interdição de ruas para que o Zé Guia fizesse balbúrdia e deram também condições necessárias para ele tomar posse. Além disso, de 10 a 20 pessoas, só por causa das escutas telefônicas, devem ser objetos de ação de improbidade administrativa. Estamos confiantes.

A Gazeta - Então por que, na sua opinião, o Zé Guia ainda não foi preso?

Valtenir - O TJ precisa restabelecer a prisão, que foi decretada em 2002 mas que o Supremo Tribunal suspendeu ao alegar que fosse aguardado o julgamento de recurso especial, que nem foi apreciado ainda, já que ele não conseguiu provar que houve violação de lei federal. Resumindo: só estamos aguardando o TJ se decidir. O Supremo já disso que ele deve perder o cargo, em razão da incompatibilidade do exercício da atividade e a condenação, ou seja, alguém que matou uma pessoa não pode ser líder de uma comunidade. É isso que o STF entendeu e já definiu que, enquanto durar o tempo de condenação (12 anos), ele não poderá retomar a vida pública.

A Gazeta - O sr. acha que, nesse caso, o Tribunal de Justiça age com morosidade?

Valtenir - Na verdade, ele está com excesso de cautela. Mas nós já temos demonstrado, via requerimento e Ministério Público, que existe a necessidade da prisão. Quando acompanhamos o andamento do processo no STF e STJ, pudemos conversar com os ministros e eles foram unânimes em apontar que é o Tribunal de Justiça do Estado que tem que restabelecer a prisão. Basta um sim ou não. Aguardamos isso para qualquer momento, mas fica para a sociedade a possibilidade de fazer qualquer juízo de valor disso.

A Gazeta - Todos os seus irmãos são advogados. O assassinato do seu pai influenciou nessa decisão?

Valtenir - Somos em cinco irmãos e quatro já estão inscritos na Ordem dos Advogados. Tudo isso influenciou muito. O meu pai, quando se reunia com a gente fazia questão de frisar os valores que devíamos seguir. Quando ele chegou a Mato Grosso, em 64, teve uma vida difícil. Foi lavrador, montou em lombo de burro e foi crescendo lentamente, respeitando as pessoas e trabalhando com honestidade. Isso gerou uma liderança política na região. Mesmo não sendo candidato, conseguiu eleger um vereador apenas pedindo voto na casa dos conhecidos. Esse amigo dele tentou ser eleito mais duas vezes, porém, não obteve êxito sozinho. Pelo conhecimento que tinha, meu pai fazia contratos apenas com a própria palavra. Ao longo dos anos, isso gerou também ciúmes, o que resultou no assassinato. Ele queria que os seus filhos não enfrentassem as mesmas dificuldades que teve. Quando eu era adolescente, por exemplo, tinha o sonho de ser jogador de futebol mas não consegui dar prosseguimento. Tudo acabou nos motivando a vingar o que aconteceu, mas vingar através da Justiça e fazer com que essas pessoas paguem pelo crime. Confesso que outros métodos, que muitas pessoas recorrem em um momento difícil, foram aconselhados. Mas isso não leva a nada, então resolvemos estudar, crescer na vida e buscar Justiça.

A Gazeta - Foi algo planejado previamente, então?

Valtenir - A partir do momento em que as coisas aconteceram em 1983 e um ano depois não consegui ir para São Paulo, para tentar o sonho de jogar futebol profissionalmente, resolvemos buscar nós mesmos a Justiça. Muitas vezes tentamos contratar um advogado, mas não tínhamos condições financeiras, tanto é que de 1983 a 1989 o caso ficou sem nenhum acompanhamento por parte da família. Já trabalhamos de engraxate e vendemos picolé para viver. Não tínhamos como pagar um advogado.

A Gazeta - Como o sr. avalia o argumento do Zé Guia, que alega ter agido em legítima defesa?

Valtenir - Como ele pode ter agido em legítima defesa se ele chegou de arma em punho e, no momento em que ele disparou, meu pai estava sendo seguro por duas pessoas? Ao cair no solo, foram efetuados também mais três tiros nas costas, portanto, isso não tem fundamento. O Tribunal também, ao analisar o conjunto probatório, já refutou essa defesa. Existem todos os elementos para provar que ele chegou com a vontade de executar o meu pai.

A Gazeta - Por que, ao longo desse período, o senhor filiou-se ao PT?

Valtenir - Participei de vários concursos em Cuiabá, Rondônia, Roraima, Goiás e Mato Grosso do Sul, porém, não logrei êxito. Dentro da Defensoria Pública, existe também a possibilidade de conciliar a função com o cargo eletivo, que é o que pretendo fazer.

A Gazeta - Por que o sr. oficializou seu ingresso ao PT no último prazo permitido para filiação partidária para os interessados em disputar algum cargo na eleição deste ano?

Valtenir - Me identifico com as causas populares. Sofri por não ter condições de contratar um advogado e, aqui na Defensoria Pública, pude trabalhar em defesa de outras pessoas. Se for eleito, na Câmara de Vereadores de Cuiabá, quero continuar trabalhando nesse sentido, já que existe possibilidade de conciliar as duas atividades. Já em relação à escolha do partido e a data para filiar-me, não tem nenhum motivo direto. A Gazeta - Algumas pessoas alegam que a sua luta por liminares e vagas em UTIs tem cunho eleitoreiro...

Valtenir - Se isso existisse, trabalharia apenas em defesa de pacientes de Cuiabá, onde vou participar da eleição. Atendi gente de Rondônia, Alta Floresta, Várzea Grande e de todo o Estado. Essa crítica não procede. O meu comprometimento como defensor público me obriga a trabalhar indiferentemente disso, mas cabe à população avaliar o meu trabalho. Prefiro não entrar no mérito da discussão. Se uma pessoa estiver em um leito hospitalar e tem dinheiro, paga, custeia e resolve o problema. Se é paciente do SUS, entra em uma lista de prioridade. Por isso buscamos liminares, o que acaba com a burocracia. Às vezes, entro em contato com a Secretaria de Saúde, no entanto, alguns casos não são resolvidos. Com a liminar, isso é mais rápido.




Fonte: A Gazeta

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