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Nacional
Terça - 27 de Abril de 2004 às 14:09
Por: Marinês Campos

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São Paulo - Desde o começo do ano letivo, 120 soldados, cabos, investigadores, escrivães e guardas civis da zona leste de São Paulo deixaram de lidar apenas com boletins de ocorrência para folhear livros técnicos de Direito.

Depois do expediente nas delegacias e quartéis, todos pegam as mochilas com os cadernos e, nas salas de aula, estão orgulhosos entre os calouros, sentindo o gosto de serem chamados de universitários.

Por meio da ONG Instituto Esperança, o Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) de São Mateus fez uma parceria com o Centro Universitário Capital (Unicapital), no bairro da Mooca, e conseguiu colocar os policiais na faculdade. “Quisemos dar uma motivação a eles”, diz o médico Carlos Roberto Soler, presidente do Conseg. “O nosso sonho é ter uma boa polícia comunitária.”

Soldados, cabos, escrivães e guardas, que têm salários de até R$ 1,2 mil, conseguiram um desconto de 60% nas mensalidades. Já os investigadores, com média salarial de R$ 1,5 mil, tiveram um abatimento de 45%. Para fazer o curso de Direito, por exemplo, o mais procurado pelos policiais, estão pagando R$ 280 por mês em vez do valor real, de R$ 700.

Mesmo professor

“Temos fins lucrativos, sim, mas também precisamos pensar na cidadania e o aluno não é uma mercadoria. O mesmo professor que dá aula para 45 estudantes pode dar para 50”, observa o professor Celso Bianchi Barroso, diretor de relações corporativas da Unicapital.

Em troca do desconto na universidade, os policiais de São Mateus, Itaquera e Guaianazes – e os outros 60 alunos carentes da região, que também conseguiram o benefício –, assumiram com o Conseg o compromisso de prestar serviços comunitários. Alguns distribuem, todos os domingos, roupas e refeições a moradores de rua e outros vão às escolas para incentivar o hábito da leitura entre os alunos e conseguir material didático para a criação de bibliotecas.

Por meio desse incentivo aos policiais, o Conseg espera reduzir o índice de criminalidade nesse bairro da zona leste, que tem 381 mil habitantes, 45,5 quilômetros quadrados de área, 22 favelas e apenas 300 policiais militares. Com salários que tornam inviável o pagamento de um curso superior, os policiais civis e militares e guardas civis metropolitanos estão tendo, agora, a possibilidade de fazer a faculdade sem problemas no orçamento.

Febem

Além dos policiais, a universidade também firmou um convênio com o Sindicato dos Funcionários da Febem e, hoje, 110 monitores cursam as faculdades de Pedagogia e Psicologia. “O ideal seria que outras universidades abrissem suas portas para a comunidade e promovessem esse trabalho de inclusão social”, diz o presidente do Conseg.

Outras instituições de ensino já estão participando desse tipo de parceria. Por meio de um convênio com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Sindicato dos Investigadores, neste ano, conseguiu cerca de 300 vagas para os policiais civis, com descontos que variam entre 30% e 40%, nas unidades da Unip, Uninove e Uniban.

Alunos e segurança

A professora de introdução ao estudo do Direito Alice Rocha Velloso não tem dúvidas: na sala 305 da Unicapital, 90% dos 59 alunos são policiais. Por causa dessa concentração de soldados e investigadores no prédio, os colegas dos calouros dizem que a universidade se tornou um dos locais mais seguros da cidade.

Para Ricardo da Silva Lourenço, 27 anos, há seis na PM, estar na sala 305 é fruto de muito esforço. Ele já havia percorrido outras três faculdades para fazer o vestibular. “Mas nem me inscrevi porque, mesmo que passasse, não teria condições de continuar os estudos”, conta. Casado, pai de um garoto, o soldado tem um salário bruto de R$ 1,2 mil: “Como poderia pagar R$ 700 de mensalidade?”

Ricardo e a colega – do 19º Batalhão e de turma – Jucinete da Silva Couto, 27 anos, há oito vestindo a farda da PM, querem se formar em Direito e continuar na corporação: “É que, com o diploma e 15 anos de serviço, podemos fazer o concurso para oficial.”

Promotora

Mas a policial Leonor Lopes Rosa, também de 27 anos, tem outros planos: “Quero ser promotora. Sou uma pessoa indignada com as injustiças e gosto muito da área penal.” Leonor já trabalhou na Zona Leste, foi transferida para a Sul e, mesmo assim, continua indo do Jabaquara a Mooca para assistir às aulas.

Saio às 17h00 do quartel, pego metrô e ônibus para chegar aqui às 19h00”, conta. Mas o longo caminho tem alguma vantagem: é no tempo dentro dos trens que ela aproveita para colocar o estudo em dia: “Sempre quis me formar, mas tenho uma filha para cuidar e a faculdade é muito cara. Agora, estou adorando e aproveitando a oportunidade.” Se não conseguir entrar para o Ministério Público, ela trabalhará como advogada. “Mas só vou atender meus colegas de farda.”




Fonte: Estadão.com

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