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Lima Duarte critica atual produção de novelas
É quase impossível tentar enumerar as cinco novelas mais importantes da teledramaturgia brasileira sem que nenhuma da lista tenha Lima Duarte no elenco. Mais do que ator ou diretor - afinal, ele dirigiu O Direito de Nascer, Beto Rockfeller e O Bofe -, Lima é um homem de televisão. E dos poucos que a conhece desde o "primeiro choro", em 18 de setembro de 1950.
Afinal, quando Assis Chateaubriand cortou a fita de inauguração da TV Tupi, Lima Duarte estava lá. Quando foi ao ar, naquele mesmo dia, o primeiro teleteatro, ele também estava lá. E, em 1951, seu nome figurou nos créditos de Sua Vida Me Pertence, a primeira telenovela da América Latina - como o próprio ator faz questão de dizer. "O melhor é que era escrita, dirigida e interpretada por brasileiros. Tinha o primeiro beijo, o primeiro amor, a primeira mocinha... E eu fui o primeiro bandido!", orgulha-se.
Desde então, Lima Duarte contabiliza nada menos que 55 personagens em novelas e minisséries. Muitos deles, como Zeca Diabo, Salviano Lisboa, Sinhozinho Malta e Sassá Mutema, entraram para a galeria de tipos inesquecíveis da teledramaturgia nacional.
Em Da Cor do Pecado, Lima acrescenta mais um à sua vasta coleção. O milionário Afonso Lambertini, que recupera o amor à vida ao conviver com o filho bastardo do filho, supostamente morto. Para o ator, o personagem é único. E, quando a novela acabar, será mais um "amigo" a lhe fazer companhia. "De vez em quando, eles vêm me dar conselho ou me atazanar o juízo!", conta, aos risos.
Aos 74 anos, Lima Duarte tem um grande orgulho. O de - segundo ele - conseguir reproduzir, nos papéis que interpreta, a alma do homem brasileiro. Seja como jagunço, coronel, padre, milionário ou vagabundo, o ator mineiro busca representar, na ficção, personagens que conheceu na vida real.
Gente com quem cruzou pelo caminho desde quando era apenas Ariclenes Venâncio Martins - retirante de Sacramento que, aos 15 anos, chegou em São Paulo na carroceria de um caminhão de mangas. "Queria ganhar o mundo, e ganhei... O mundo fantástico dos personagens que vivi", gaba-se, com a mesma emoção legítima que empresta a seus "amigos de fantasia".
P - Após 55 novelas, existe algum personagem novo para você?
R - Todos são velhos e, ao mesmo tempo, todos são novos para mim. É engraçado como, de uns anos para cá, tudo que eu faço está associado ao tempo que tenho de trabalho, às novelas que já fiz, aos personagens que interpretei... Mas eu não sinto o peso da experiência! Não ando à procura de um tempo perdido, de uma juventude que se esvai a cada dia. Por isso, meus personagens não envelhecem nunca! Sinceramente, o Afonso deve ser o décimo personagem igual: um homem poderoso e rejeitado pelo filho. Mas ele é único! Eu nem penso em tentar fazê-lo diferente de outro. Penso em fazê-lo bem feito, porque ele será fatalmente assim se for bem construído, se tiver emoções genuínas dentro dele.
P - Então, as emoções são a base de um personagem?
R - As emoções e a psicologia. Não acredito, por exemplo, num personagem que é gago só porque isso o torna charmosinho, como é tão comum hoje em dia na tevê. A gagueira tem de ser um dado da psicologia dele. É um bandido, é um mau, é um bravo, é um triste, é um trágico... e isso tudo é psicologia! E o ator põe nervos, sangue, pêlos, todo o corpo a serviço dele. Eu também sei me defender tecnicamente. Mas acredito mais nos personagens com emoção. E as emoções, para mim, são uma coisa quase concreta. A saudade é um tijolo, o amor é um paralelepípedo... O Guimarães Rosa já dizia: "O amor é um pássaro que bota ovos de ferro". É lindo isso, não é? Então, a saudade, o desespero, a angústia, tudo isso pesa muito!
P - E como você faz para viver com o 'peso' de tantos personagens?
R - É fácil. Depois que termina uma novela, mando o personagem e todas as emoções que ele viveu para um departamento lá no fundo da minha cabeça e deixo o cara quietinho lá. Até que, de repente, tenho uma decepção qualquer na vida e, então, vem um deles me fazer companhia.
P - Como uma criança com seus amiguinhos imaginários?
R - Isso mesmo! Creio que o bom ator é o que sabe preservar seu lado criança. Para a criança, não existe distinção entre fantasia e realidade. E o ator é aquele que se equilibra nessa corda invisível e frágil da vida. Sabe que, muitas vezes, eu me surpreendo tomando atitudes que não são minhas? São do Zeca Diabo, do Sassá Mutema, do Sinhozinho Malta! Muitas vezes, eu escorrego e caio na fantasia. Ou então me prendo demais à realidade e fico só falando de boi com os caboclos do meu sítio. Mas é justamente esse equilibrar entre a fantasia e a realidade que eu adoro! v P - E como você faz para tornar o Lázaro Venturini um personagem tão crível?v R - Ah, esse personagem tem uma curva muito bonita. É um leão bravo que, depois da morte do filho, vai para o fundo do poço e perde o gosto pela vida. Até que vem o menino... Com a sua graça infantil, aquele mulatinho vai resgatando ele da morte. O velho renasce pelas mãos de uma criança! É nisso que eu quero investir. A trama é do tipo "novelão", com gêmeos trocados e tal, mas tem esses bons momentos... E, modestamente, eu sei tornar um personagem interessante.
P - A sua história de vida ajudou na composição?
R - A bagagem pessoal sempre serve de estofo para o artista. E isso eu tenho de sobra. Quer ouvir uma bela história? Sou de uma família muito pobre. Meu pai era boiadeiro... Um homem muito sábio, que falava pouco, mas acertava sempre. E, dos seis aos 10 anos, meu único brinquedo era um aviãozinho de madeira. Ele sumia sempre no meio do ano. Então, no Natal, eu ganhava um aviãozinho igual, só que de outra cor. Aí eu brincava e ficava feliz. Durante cinco, seis anos, eu ganhei o mesmo aviãozinho que meu pai consertava, pintava e Papai Noel trazia. Ele comprava uma lata de marmelada, abria no centro da mesa, fazíamos as orações e... "Vai buscar teu aviãozinho!". E era assim o nosso Natal. Mas não era triste, não! Era lindo, alegre! Aquele avião me levou para infinitos horizontes... Por isso, eu não quis fazer um pai vilão. Foi o caminho que escolhi em memória ao meu querido pai.
P - Você está na televisão desde que ela foi inaugurada no Brasil, em 1950. Os diretores mais novos não ficam melindrados em dirigi-lo?
R - Realmente ficam... Isso já me acontece há um tempo e é horrível, porque a insegurança só gera bobagens! Eles ficam querendo me ensinar o óbvio e eu perco a paciência... Afinal, já salvei muita novela no estúdio! Mas, se são diretores inteligentes, se me dizem coisas novas, então eu adoro! Também gosto de aprender, com as pessoas e com os personagens.
P - E, dos seus personagens, você consegue eleger um predileto?
R - É difícil, mas gosto demais do Sassá Mutema, de O Salvador da Pátria, mesmo com todos os problemas que a novela enfrentou... A idéia era fazer um personagem que fosse a síntese do povo brasileiro. Era um recado lindo que a gente ia dar. Mas estávamos em 1989, ano de eleição, e começaram a dizer que o Sassá era o Lula. De fato, os dois eram muito parecidos mesmo... Então resolveram mudar e a novela se perdeu. O Sassá chegaria à presidência da República, mas terminou senador, corrompido pelo poder... E olha a grande ironia daquela época: ficaram com medo de eleger o Lula e botaram a faixa logo no Fernando Collor!
P - Como você analisaria as telenovelas de hoje?
R - Estou vendo que o processo de produção de novelas envelheceu. Não pode mais custar tão caro... É dinheiro jogado fora! Não falo em cortar salários, mas em otimizar a produção. Quer um exemplo? No outro dia tinha três helicópteros alugados, 90 figurantes num lugar horrível, a sucursal do inferno... Fazia 45º C e eu derretendo de terno! Aí o dia ficou meio nublado e cancelaram a gravação. Dava perfeitamente para fazer! Só a diária de cada helicóptero custava R$ 80 mil! Não pode...
P - E por que acha que isso acontece?
R - Porque aquele espírito de "vamos fazer, vamos criar" dos primeiros tempos da televisão ficou para trás... Quando fazíamos Sua Vida Me Pertence, nós não tínhamos estúdio. Montávamos um jegue... Mas com ele íamos até a galáxia! Hoje, eu estou montado numa Ferrari e não chego nem a Jacarepaguá.v P - Você não tem vontade de voltar a dirigir novelas?
R - Só se fosse para fazer uma novela simples, baratinha, baseada só no bem-querer, no amor, na graça brasileira... Não preciso de helicóptero explodindo nem navio naufragando. Hoje, a televisão resolve tudo com uma menininha bonitinha, uma bunda de fora... Se a novela vai mal, daqui a 20 capítulos aparece uma mulher pelada. Se continua mal, em 30 capítulos eu morro. Aí fazem um "Quem matou Lázaro Venturini?". Bom, pelo menos eu volto para o meu sítio e guardo mais um amigo lá naquele cantinho da cabeça.
P - E não se sente solitário?
R - De jeito nenhum! Meus personagens me atentam e me assaltam todas as noites. Eles e minhas companheiras de cena. Todas lindas! Quantas eu amei... Quantas me amaram... Na realidade, vivo sozinho no sítio. Mas nunca me sinto só. No meu mundo fantástico, eu vivo com centenas de amigos!
Uma saga de novela
De grande, a cidade natal de Lima Duarte, no interior de Minas Gerais, só tinha o nome: Nossa Senhora da Purificação do Desemboque e do Sagrado Sacramento. Foi de lá que, aos 15 anos, o então Ariclenes Venâncio Martins partiu, na carroceria de um caminhão de mangas, rumo à capital paulista. "Meu pai falou: 'Vá-te embora fazer tua vida, que aqui não tem futuro'. Eu obedeci". O primeiro emprego foi como carregador num mercadão de alimentos. Nas primeiras noites, dormiu debaixo do mesmo caminhão que o trouxe. Depois, mudou-se para uma área de baixo meretrício. v O sonho de Lima era "falar no rádio", para que o pai pudesse ouvi-lo e saber que ele "virou gente importante". Conseguiu fazer um teste na Rádio Tupi, mas foi reprovado porque tinha "voz de sovaco". Por pena, lhe deram um emprego na parte de som. Das madrugadas que passava ligando válvulas, logo foi incorporado à sonoplastia dos programas matutinos. "Imitava cachorro, cavalo, porco, galinha...", conta, aos risos.
Não demorou muito para que o dono da tal "voz de sovaco", chamasse a atenção de um dos chefões, que lhe arranjou um pequeno papel numa radionovela. De cara, porém, o garoto ouviu que Ariclenes Venâncio Martins não era "nome de artista". "Telefonei para minha mãe pedindo um novo nome e ela reclamou: 'Mas o seu é tão bonito!'. Sabe como é, mãe é mãe...", diverte-se o ator, que depois de convencê-la, acatou a recomendação materna. "Ela disse para botar Lima Duarte, que era o nome do guia de luz dela e que ele me abriria os caminhos. Depois de tudo que vivi, só tenho de acreditar nela e agradecer...", recorda, emocionado.
Tipos brasileiros
Falar de Lima Duarte é, necessariamente, falar da televisão brasileira. Afinal, ele já estava lá desde seu primeiro dia, com a inauguração da extinta TV Tupi, de Assis Chateaubriand, em 18 de setembro de 1950. Ou melhor, antes dela, já que começou na Rádio Tupi e, em todo fim de expediente, jogava bola no campinho ao lado - exatamente onde seria construída a sede da emissora de tevê. "A televisão acabou com a nossa pelada, mas me abriu um novo mundo de possibilidades", divaga um saudoso Lima Duarte.
Neste "novo mundo", Lima viveu nada menos que 55 personagens - nas contas do próprio ator, que jura lembrar-se de todos. Muitos deles, como Zeca Diabo, Sinhozinho Malta e Sassá Mutema, entraram para a galeria de tipos inesquecíveis da teledramaturgia nacional. "Já fiz coronel, jagunço, bandido, mocinho, padre, empresário, operário e até vagabundo. Mas todos os meus personagens têm uma coisa em comum: são a cara do povo brasileiro", diz, sem falsa modéstia.
Principais trabalhos na tevê
1951: viveu um bandido, em Sua Vida Me Pertence. "Foi a primeira novela da América Latina, e era brasileira! Ficam falando aí que foi aquela argentina, 24599 Ocupado, só porque era diária... Besteira!".
1956: Rhett Butler, em E O Vento Levou.
1962: Júlio César, em Cleópatra.
1964: dirigiu O Direito de Nascer. "A novela foi um acontecimento. Levava as pessoas a uma espécie de transe, de delírio coletivo".
1968: dirigiu e fez participações, em Beto Rockfeller. "Com esta novela, conseguimos romper com o estilo dramalhão. Fizemos uma novela com a cara do povo brasileiro".
1973 e 1980: Zeca Diabo, em O Bem Amado. "Foi a primeira novela em cores e com toda aquela genialidade do Dias Gomes. Até hoje os peões do meu sítio me chamam de Zeca Diabo".
1975: Salviano Lisboa, em Pecado Capital. "Como a primeira versão de Roque Santeiro foi censurada, aproveitaram todo o elenco para esta novela da Janete Clair".
1977: Carijó, em Espelho Mágico.
1985: Sinhozinho Malta, em Roque Santeiro. "É mais uma novela inesquecível do Dias e mais um personagem que guardo com todo carinho".
1989: Sassá Mutema, em O Salvador da Pátria. "O Sassá era um homem puro que, na sua ignorância, esbanjava sabedoria. Mas termina corrompido pelo poder".
1990: Lázaro Venturini, em Meu Bem, Meu Mal.
1993: Turco Velho, na minissérie Agosto.
1997: Murilo Pontes, em A Indomada.
1999: O Bispo, na minissérie/filme O Auto da Compadecida.
2000: Nikos Karabastos, em Uga Uga. "Foi uma novela muito divertida. Aprendi várias expressões em grego para viver esse personagem".
2001: Victorio Vianna, em Porto dos Milagres.
2002: Miguel Maria Coelho, em Sabor da Paixão.
Afinal, quando Assis Chateaubriand cortou a fita de inauguração da TV Tupi, Lima Duarte estava lá. Quando foi ao ar, naquele mesmo dia, o primeiro teleteatro, ele também estava lá. E, em 1951, seu nome figurou nos créditos de Sua Vida Me Pertence, a primeira telenovela da América Latina - como o próprio ator faz questão de dizer. "O melhor é que era escrita, dirigida e interpretada por brasileiros. Tinha o primeiro beijo, o primeiro amor, a primeira mocinha... E eu fui o primeiro bandido!", orgulha-se.
Desde então, Lima Duarte contabiliza nada menos que 55 personagens em novelas e minisséries. Muitos deles, como Zeca Diabo, Salviano Lisboa, Sinhozinho Malta e Sassá Mutema, entraram para a galeria de tipos inesquecíveis da teledramaturgia nacional.
Em Da Cor do Pecado, Lima acrescenta mais um à sua vasta coleção. O milionário Afonso Lambertini, que recupera o amor à vida ao conviver com o filho bastardo do filho, supostamente morto. Para o ator, o personagem é único. E, quando a novela acabar, será mais um "amigo" a lhe fazer companhia. "De vez em quando, eles vêm me dar conselho ou me atazanar o juízo!", conta, aos risos.
Aos 74 anos, Lima Duarte tem um grande orgulho. O de - segundo ele - conseguir reproduzir, nos papéis que interpreta, a alma do homem brasileiro. Seja como jagunço, coronel, padre, milionário ou vagabundo, o ator mineiro busca representar, na ficção, personagens que conheceu na vida real.
Gente com quem cruzou pelo caminho desde quando era apenas Ariclenes Venâncio Martins - retirante de Sacramento que, aos 15 anos, chegou em São Paulo na carroceria de um caminhão de mangas. "Queria ganhar o mundo, e ganhei... O mundo fantástico dos personagens que vivi", gaba-se, com a mesma emoção legítima que empresta a seus "amigos de fantasia".
P - Após 55 novelas, existe algum personagem novo para você?
R - Todos são velhos e, ao mesmo tempo, todos são novos para mim. É engraçado como, de uns anos para cá, tudo que eu faço está associado ao tempo que tenho de trabalho, às novelas que já fiz, aos personagens que interpretei... Mas eu não sinto o peso da experiência! Não ando à procura de um tempo perdido, de uma juventude que se esvai a cada dia. Por isso, meus personagens não envelhecem nunca! Sinceramente, o Afonso deve ser o décimo personagem igual: um homem poderoso e rejeitado pelo filho. Mas ele é único! Eu nem penso em tentar fazê-lo diferente de outro. Penso em fazê-lo bem feito, porque ele será fatalmente assim se for bem construído, se tiver emoções genuínas dentro dele.
P - Então, as emoções são a base de um personagem?
R - As emoções e a psicologia. Não acredito, por exemplo, num personagem que é gago só porque isso o torna charmosinho, como é tão comum hoje em dia na tevê. A gagueira tem de ser um dado da psicologia dele. É um bandido, é um mau, é um bravo, é um triste, é um trágico... e isso tudo é psicologia! E o ator põe nervos, sangue, pêlos, todo o corpo a serviço dele. Eu também sei me defender tecnicamente. Mas acredito mais nos personagens com emoção. E as emoções, para mim, são uma coisa quase concreta. A saudade é um tijolo, o amor é um paralelepípedo... O Guimarães Rosa já dizia: "O amor é um pássaro que bota ovos de ferro". É lindo isso, não é? Então, a saudade, o desespero, a angústia, tudo isso pesa muito!
P - E como você faz para viver com o 'peso' de tantos personagens?
R - É fácil. Depois que termina uma novela, mando o personagem e todas as emoções que ele viveu para um departamento lá no fundo da minha cabeça e deixo o cara quietinho lá. Até que, de repente, tenho uma decepção qualquer na vida e, então, vem um deles me fazer companhia.
P - Como uma criança com seus amiguinhos imaginários?
R - Isso mesmo! Creio que o bom ator é o que sabe preservar seu lado criança. Para a criança, não existe distinção entre fantasia e realidade. E o ator é aquele que se equilibra nessa corda invisível e frágil da vida. Sabe que, muitas vezes, eu me surpreendo tomando atitudes que não são minhas? São do Zeca Diabo, do Sassá Mutema, do Sinhozinho Malta! Muitas vezes, eu escorrego e caio na fantasia. Ou então me prendo demais à realidade e fico só falando de boi com os caboclos do meu sítio. Mas é justamente esse equilibrar entre a fantasia e a realidade que eu adoro! v P - E como você faz para tornar o Lázaro Venturini um personagem tão crível?v R - Ah, esse personagem tem uma curva muito bonita. É um leão bravo que, depois da morte do filho, vai para o fundo do poço e perde o gosto pela vida. Até que vem o menino... Com a sua graça infantil, aquele mulatinho vai resgatando ele da morte. O velho renasce pelas mãos de uma criança! É nisso que eu quero investir. A trama é do tipo "novelão", com gêmeos trocados e tal, mas tem esses bons momentos... E, modestamente, eu sei tornar um personagem interessante.
P - A sua história de vida ajudou na composição?
R - A bagagem pessoal sempre serve de estofo para o artista. E isso eu tenho de sobra. Quer ouvir uma bela história? Sou de uma família muito pobre. Meu pai era boiadeiro... Um homem muito sábio, que falava pouco, mas acertava sempre. E, dos seis aos 10 anos, meu único brinquedo era um aviãozinho de madeira. Ele sumia sempre no meio do ano. Então, no Natal, eu ganhava um aviãozinho igual, só que de outra cor. Aí eu brincava e ficava feliz. Durante cinco, seis anos, eu ganhei o mesmo aviãozinho que meu pai consertava, pintava e Papai Noel trazia. Ele comprava uma lata de marmelada, abria no centro da mesa, fazíamos as orações e... "Vai buscar teu aviãozinho!". E era assim o nosso Natal. Mas não era triste, não! Era lindo, alegre! Aquele avião me levou para infinitos horizontes... Por isso, eu não quis fazer um pai vilão. Foi o caminho que escolhi em memória ao meu querido pai.
P - Você está na televisão desde que ela foi inaugurada no Brasil, em 1950. Os diretores mais novos não ficam melindrados em dirigi-lo?
R - Realmente ficam... Isso já me acontece há um tempo e é horrível, porque a insegurança só gera bobagens! Eles ficam querendo me ensinar o óbvio e eu perco a paciência... Afinal, já salvei muita novela no estúdio! Mas, se são diretores inteligentes, se me dizem coisas novas, então eu adoro! Também gosto de aprender, com as pessoas e com os personagens.
P - E, dos seus personagens, você consegue eleger um predileto?
R - É difícil, mas gosto demais do Sassá Mutema, de O Salvador da Pátria, mesmo com todos os problemas que a novela enfrentou... A idéia era fazer um personagem que fosse a síntese do povo brasileiro. Era um recado lindo que a gente ia dar. Mas estávamos em 1989, ano de eleição, e começaram a dizer que o Sassá era o Lula. De fato, os dois eram muito parecidos mesmo... Então resolveram mudar e a novela se perdeu. O Sassá chegaria à presidência da República, mas terminou senador, corrompido pelo poder... E olha a grande ironia daquela época: ficaram com medo de eleger o Lula e botaram a faixa logo no Fernando Collor!
P - Como você analisaria as telenovelas de hoje?
R - Estou vendo que o processo de produção de novelas envelheceu. Não pode mais custar tão caro... É dinheiro jogado fora! Não falo em cortar salários, mas em otimizar a produção. Quer um exemplo? No outro dia tinha três helicópteros alugados, 90 figurantes num lugar horrível, a sucursal do inferno... Fazia 45º C e eu derretendo de terno! Aí o dia ficou meio nublado e cancelaram a gravação. Dava perfeitamente para fazer! Só a diária de cada helicóptero custava R$ 80 mil! Não pode...
P - E por que acha que isso acontece?
R - Porque aquele espírito de "vamos fazer, vamos criar" dos primeiros tempos da televisão ficou para trás... Quando fazíamos Sua Vida Me Pertence, nós não tínhamos estúdio. Montávamos um jegue... Mas com ele íamos até a galáxia! Hoje, eu estou montado numa Ferrari e não chego nem a Jacarepaguá.v P - Você não tem vontade de voltar a dirigir novelas?
R - Só se fosse para fazer uma novela simples, baratinha, baseada só no bem-querer, no amor, na graça brasileira... Não preciso de helicóptero explodindo nem navio naufragando. Hoje, a televisão resolve tudo com uma menininha bonitinha, uma bunda de fora... Se a novela vai mal, daqui a 20 capítulos aparece uma mulher pelada. Se continua mal, em 30 capítulos eu morro. Aí fazem um "Quem matou Lázaro Venturini?". Bom, pelo menos eu volto para o meu sítio e guardo mais um amigo lá naquele cantinho da cabeça.
P - E não se sente solitário?
R - De jeito nenhum! Meus personagens me atentam e me assaltam todas as noites. Eles e minhas companheiras de cena. Todas lindas! Quantas eu amei... Quantas me amaram... Na realidade, vivo sozinho no sítio. Mas nunca me sinto só. No meu mundo fantástico, eu vivo com centenas de amigos!
Uma saga de novela
De grande, a cidade natal de Lima Duarte, no interior de Minas Gerais, só tinha o nome: Nossa Senhora da Purificação do Desemboque e do Sagrado Sacramento. Foi de lá que, aos 15 anos, o então Ariclenes Venâncio Martins partiu, na carroceria de um caminhão de mangas, rumo à capital paulista. "Meu pai falou: 'Vá-te embora fazer tua vida, que aqui não tem futuro'. Eu obedeci". O primeiro emprego foi como carregador num mercadão de alimentos. Nas primeiras noites, dormiu debaixo do mesmo caminhão que o trouxe. Depois, mudou-se para uma área de baixo meretrício. v O sonho de Lima era "falar no rádio", para que o pai pudesse ouvi-lo e saber que ele "virou gente importante". Conseguiu fazer um teste na Rádio Tupi, mas foi reprovado porque tinha "voz de sovaco". Por pena, lhe deram um emprego na parte de som. Das madrugadas que passava ligando válvulas, logo foi incorporado à sonoplastia dos programas matutinos. "Imitava cachorro, cavalo, porco, galinha...", conta, aos risos.
Não demorou muito para que o dono da tal "voz de sovaco", chamasse a atenção de um dos chefões, que lhe arranjou um pequeno papel numa radionovela. De cara, porém, o garoto ouviu que Ariclenes Venâncio Martins não era "nome de artista". "Telefonei para minha mãe pedindo um novo nome e ela reclamou: 'Mas o seu é tão bonito!'. Sabe como é, mãe é mãe...", diverte-se o ator, que depois de convencê-la, acatou a recomendação materna. "Ela disse para botar Lima Duarte, que era o nome do guia de luz dela e que ele me abriria os caminhos. Depois de tudo que vivi, só tenho de acreditar nela e agradecer...", recorda, emocionado.
Tipos brasileiros
Falar de Lima Duarte é, necessariamente, falar da televisão brasileira. Afinal, ele já estava lá desde seu primeiro dia, com a inauguração da extinta TV Tupi, de Assis Chateaubriand, em 18 de setembro de 1950. Ou melhor, antes dela, já que começou na Rádio Tupi e, em todo fim de expediente, jogava bola no campinho ao lado - exatamente onde seria construída a sede da emissora de tevê. "A televisão acabou com a nossa pelada, mas me abriu um novo mundo de possibilidades", divaga um saudoso Lima Duarte.
Neste "novo mundo", Lima viveu nada menos que 55 personagens - nas contas do próprio ator, que jura lembrar-se de todos. Muitos deles, como Zeca Diabo, Sinhozinho Malta e Sassá Mutema, entraram para a galeria de tipos inesquecíveis da teledramaturgia nacional. "Já fiz coronel, jagunço, bandido, mocinho, padre, empresário, operário e até vagabundo. Mas todos os meus personagens têm uma coisa em comum: são a cara do povo brasileiro", diz, sem falsa modéstia.
Principais trabalhos na tevê
1951: viveu um bandido, em Sua Vida Me Pertence. "Foi a primeira novela da América Latina, e era brasileira! Ficam falando aí que foi aquela argentina, 24599 Ocupado, só porque era diária... Besteira!".
1956: Rhett Butler, em E O Vento Levou.
1962: Júlio César, em Cleópatra.
1964: dirigiu O Direito de Nascer. "A novela foi um acontecimento. Levava as pessoas a uma espécie de transe, de delírio coletivo".
1968: dirigiu e fez participações, em Beto Rockfeller. "Com esta novela, conseguimos romper com o estilo dramalhão. Fizemos uma novela com a cara do povo brasileiro".
1973 e 1980: Zeca Diabo, em O Bem Amado. "Foi a primeira novela em cores e com toda aquela genialidade do Dias Gomes. Até hoje os peões do meu sítio me chamam de Zeca Diabo".
1975: Salviano Lisboa, em Pecado Capital. "Como a primeira versão de Roque Santeiro foi censurada, aproveitaram todo o elenco para esta novela da Janete Clair".
1977: Carijó, em Espelho Mágico.
1985: Sinhozinho Malta, em Roque Santeiro. "É mais uma novela inesquecível do Dias e mais um personagem que guardo com todo carinho".
1989: Sassá Mutema, em O Salvador da Pátria. "O Sassá era um homem puro que, na sua ignorância, esbanjava sabedoria. Mas termina corrompido pelo poder".
1990: Lázaro Venturini, em Meu Bem, Meu Mal.
1993: Turco Velho, na minissérie Agosto.
1997: Murilo Pontes, em A Indomada.
1999: O Bispo, na minissérie/filme O Auto da Compadecida.
2000: Nikos Karabastos, em Uga Uga. "Foi uma novela muito divertida. Aprendi várias expressões em grego para viver esse personagem".
2001: Victorio Vianna, em Porto dos Milagres.
2002: Miguel Maria Coelho, em Sabor da Paixão.
Fonte:
Redação/Terra
URL Fonte: https://reporternews.com.br/noticia/386401/visualizar/
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