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Repórter News - reporternews.com.br
Nacional
Segunda - 05 de Abril de 2004 às 13:46
Por: Macedo Rodrigues

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Principal líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile diz que o Brasil vive uma crise de projetos, mas há quem veja em seu relacionamento com o governo dilema bem mais profundo. A condução de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, com o apoio incondicional do MST, tirou o norte do movimento. A falta de um governo para fazer oposição transformou Stédile num híbrido de radicalismo e ponderação. Não foram poucas as vezes em que as ações dos sem-terra apenas precederam recuos consideráveis do líder. Como as explicações de Stédile ao Congresso, na quinta-feira, quando se desculpou por ter prometido um ''abril vermelho'' para ''infernizar'' o governo. Essa entrevista espelha a confusão: defensor do governo diante dos opositores de Lula e inimigo perturbador ao cobrar ações sociais de esquerda dos ministérios. Agora mesmo quer que o Estado atue a favor dos pobres e contra os ricos. Traz de volta, assim, o temor de um governo de ruptura, fantasma que Lula se preocupou em afastar desde a campanha.

- O anúncio do Plano Nacional de Reforma Agrária, em novembro de 2003, paralisou as mobilizações do MST. O que levou o movimento a retomar as invasões?

- O MST não parou as atividades. Apenas mudamos as prioridades. Nos concentramos em aumentar o trabalho de organização de nossa base. Terminamos o ano com quase 200 mil famílias acampadas em mais de 700 acampamentos em todo país. Internamente, nos dedicamos à educação e à formação de mais gente. Em relação ao governo, nos concentramos em debater um plano de reforma agrária. Chegamos em novembro a um acordo em que o governo se comprometeu a assentar 400 mil famílias de sem-terra. E outras 130 mil famílias seriam atendidas pelo crédito fundiário.

- Mas e agora, todas essas invasões...

- Agora, voltamos a elevar o tom das críticas e aumentamos as mobilizações porque o governo está fazendo muito pouco. Perdeu 15 meses e a reforma agrária está parada em ações concretas. Estamos dizendo que é preciso ter mais ousadia para ampliar as desapropriações dos latifúndios. Se ficar só de reunião, o governo não muda nada. Eles sabem que somente a mobilização social gera mudanças na sociedade e no governo. Por isso, estamos cumprindo nosso papel, fazendo ações que ajudem o governo a ter força para mudar. Sem elas, não só na reforma agrária, mas também em outras demandas sociais, o governo Lula passará quatro anos refém dos interesses da classe dominante, daqueles 2,4% de famílias que dominam 33% da riqueza nacional.

- O ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, disse que o recente anúncio do governo de investir mais R$ 1,7 bilhão na reforma agrária foi uma forma de abafar pressões do MST. Segundo ele, esse dinheiro não existe e depende de um excesso de arrecadação que ninguém sabe se virá. Isso é correto?

- Jungmann não tem moral para falar em reforma agrária. Foi um fiel escudeiro dos interesses do neoliberalismo e aplicou uma política orientada pelo Banco Mundial. Ele se aplica bem ao ditado que ensina: ''O pior conservador é um ex-comunista''. Evidentemente o dinheiro existe, está no Tesouro. E, a bem da verdade, é insignificante diante de outras despesas que o governo faz. Deve representar uma semana de pagamento de juros. Mas o principal no anúncio não foi o volume de dinheiro, mas a declaração pública do governo de que recursos não serão empecilho para cumprir a meta de assentar 400 mil famílias.

- O senhor diz que o governo tem que ser mais pedagógico e conclamar o povo a fazer as mudanças. Quais lições a serem aprendidas? v - A um governo popular cabe adotar medidas que estimulem a conscientização, a elevação do nível cultural e a participação popular nas questões políticas. O governo pode e deve dar sinais simbólicos, em todos seus atos, de que está do lado do povo e contra os ricos, os privilegiados. Não apenas no discurso, mas na prática cotidiana. Isso de ficar indo toda hora em inauguração de multinacional é sinalizar o contrário. Quando algum barraco caísse pela chuva, o governo deveria ser o primeiro a chegar, antes do vizinho.

- Qual seria a segunda lição? - O governo precisa debater com o povo todas as questões relevantes. Debater com tempo e serenidade. Por que tanta pressa em aprovar o projeto da Previdência? O povo queria melhorar a Previdência, mas não foi ouvido. O governo ouviu os governadores e os parlamentares. O povo assistiu pela televisão. Por isso, saiu uma reforminha, que só os banqueiros bateram palma. Só do povo, das ruas, poderá sair a força para mudar. Iludir-se com espertezas de acordos no parlamento, é sinal de fraqueza, não de força. A força vem das ruas, de apoio real.

- Como ouvir as ruas?

- O governo não pode ter medo de desenvolver mecanismos de consulta para saber se o povo quer os transgênicos ou a Alca, por exemplo. O governo deveria multiplicar o exercício dos plebiscitos populares, estabelecidos em nossa Constituição que a classe dominante tem medo de usar. Plebiscitos politizam o povo, elevam o nível de participação popular. Mas, na cabeça deles, povo foi feito para trabalhar e votar. A política, as decisões dos rumos do país, são para as elites. O governo, enfim, precisa ter mais humildade e ouvir o povo, em vez de contratar o Duda (Mendonça) para fazer propaganda e enrolar o povo. Política não é produto de supermercado, é o mais sagrado preceito de participação do povo nos rumos da sociedade.

- A política econômica do governo azucrina João Pedro Stédile?

- A política econômica está prejudicando o povo e, em especial, os mais pobres. É conservadora, é a continuidade da política de Fernando Henrique. Até os gerentes são tucanos. Veja o presidente do Banco Central e o segundo escalão do Ministério da Fazenda: são todos quadros do PSDB. A política econômica fez o PIB cair e o desemprego aumentar em todo país e em todos setores, passando de 20% e atingindo, sobretudo, a juventude. A renda de quem consegue trabalhar caiu 15% e a produção industrial está nos mesmos níveis de 1999. Quem ganhou com isso? Os banqueiros e as multinacionais. Apenas os bancos lucraram R$ 13 bilhões, e as sete maiores empresas, outros R$ 7 bilhões. Essa política econômica está sendo um desastre e será uma tragédia para o governo Lula. É importantíssimo valorizar o salário mínimo, que é um instrumento de distribuição de renda, e controlar a remessa de dinheiro para o exterior. Não é possível que apenas 7 mil brasileiros tenham depositado no exterior, segundo a Receita Federal, nada menos do que US$ 72 bilhões gerados nesse país. Não é possível que o Banco Central ainda permita a CC-5 e outros mecanismos de remessa de nossa riqueza para o exterior.

- O senhor tem dito que o atual governo tem uma composição heterogênea. É correto deduzir, pela política econômica, que as forças neoliberais são preponderantes no governo Lula?

- Tenho ouvido setores sociais e de esquerda classificarem já o governo Lula como um governo neoliberal. Na coordenação dos movimentos sociais, prevalece a tese de que temos um governo que vive um contexto de disputa de projetos. Vivemos um momento histórico. Não há crise política no governo Lula. Há uma crise de projetos na sociedade. Há uma crise de destino do Brasil. E só vamos sair dela com um grande mutirão de reflexão. Temos de sair dessa pasmaceira, desse quadrante histórico de descenso do movimento de massa. Precisamos de uma outra Semana de Arte Moderna, dessa vez na política.

- O senhor criticou duramente o governo FH por ser condescendente com os transgênicos. Mas o atual governo não editou MPs ainda mais liberais na questão?

- A vitória de Lula alterou a correlação de forças e nos ajudou a barrar multinacionais como a Monsanto. E a prova está na nomeação da ministra Marina Silva. Se o Serra tivesse ganhado as eleições, a Monsanto teria nomeado as diretorias da Embrapa, do ministério de Meio Ambiente e da CTNBio. Mas é uma guerra e perdemos uma batalha quando o governo Lula se deixou influenciar pelo Ministro Rodrigues (Agricultura) e pelo governador Rigotto (RS), que chantagearam o governo ameaçando com caos social no Rio Grande do Sul, e na verdade defendiam os interesses da Monsanto, e conseguiram a edição das duas medidas provisórias (liberando a colheita de transgênicos até 2005). Mas ganhamos quando conseguimos que a Casa Civil elaborasse um projeto de lei de biossegurança que nos pareceu adequado à segurança da sociedade. Perdemos quando o atual ministro Rebelo (Coordenação Política), influenciado sei lá por quem, se utilizando de um falso nacionalismo, adotou mudanças no projeto que só interessava às multinacionais e aos ruralistas. Ele é o herói deles agora. O PCdoB não sabe o preço que vai pagar por isso na nossa história. Mas a verdadeira batalha será com os consumidores. Devemos exigir em todos os supermercados que os gerentes cumpram a lei e coloquem a etiqueta de transgênico nos produtos derivados da soja transgênica. Com isso, o consumidor vai recusar, a indústria vai ter prejuízo e a Monsanto vai se ferrar. No final das muitas batalhas tenho certeza de que a sociedade brasileira, majoritariamente contra os transgênicos, imporá sua vontade, de precaução.

- Quais os piores ministros do governo Lula?

- Vou procurar reproduzir a opinião que ouço por aí. Não é, necessariamente, a minha. Disparado entre os piores, estão os ministérios da área econômica: a turma Palocci-Meireles (o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central). Ganham de longe o prêmio Tucano de Ouro. O Furlan e sua idiotice em só fazer propaganda de exportação também se destaca. Está certo que a Sadia precisa exportar, mas nenhum povo se desenvolve com exportações. Se desenvolve produzindo bens que atendam às necessidades de toda a sua população. Em terceiro, vem o Roberto Rodrigues, da Agricultura. É um sujeito competente, mas se comporta como presidente do sindicato dos 500 mil fazendeiros do agro-negócio. Esqueceu que Ministério da Agricultura é para todos os 5 milhões de pequenos agricultores e para todo povo. Sugiro que no próximo mandato se mude o nome da pasta para Ministério da Alimentação do Povo para que o novo ministro se dê conta de seu verdadeiro papel.

- E os melhores?

- Apontar os três melhores é uma tarefa mais difícil. Entre formadores de opinião e a intelectualidade, há uma perplexidade negativa sobre o desempenho da maioria dos ministérios. Mas não quero ser injusto, nem ofensivo, porque obviamente não depende da vontade pessoal dos ministros. O Celso Amorim (Relações Exteriores) é o melhor ministro até aqui. Tem coragem para enfrentar os gringos. Vai ganhar o prêmio brasileiro do ano. Depois dele, vem a Marina Silva (Meio Ambiente), que teve coragem de defender nosso meio ambiente e os interesses do povo contra a Monsanto e meia dúzia de madeireiras que querem tomar conta da Amazônia. Em terceiro, vem o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Tem coragem e é eficiente. Espero que indique um ministro progressista para o Supremo.




Fonte: JB Online

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