Imprudência e falta de educação causam mortes no trânsito Município aposta em volta dos radares e Operação Lei Seca para “controlar” índices de violência
Motoristas furando semáforos fechados, dirigindo embriagados ou distraídos falando ao celular. Motociclistas ziguezagueando entre os carros, virando na contramão ou subindo em calçadas.
Pedestres atravessando avenidas movimentadas fora da faixa. Ônibus cortando faixas para “chegar mais rápido” ao próximo ponto. Esse é o retrato caótico e atual do trânsito em Cuiabá.
Trânsito esse que, segundo dados da Polícia Judiciária Civil, causou a morte de 72 pessoas em 2013 e representou, também no ano passado, 20% dos atendimentos médicos em geral.
Segundo a Prefeitura de Cuiabá, somente no Pronto-Socorro da Capital, dos acidentados atendidos no segundo semestre do ano passado, 55% eram casos envolvendo motociclistas, 12,46% se referiam a acidentes de carros e 4,5% foram socorros prestados a vítimas de atropelamento.
Dados como esses explicam a razão da morte de 40 mil pessoas anualmente no país e por que o Brasil ocupa uma das primeiras posições no ranking mundial quando o assunto é trânsito violento.
Para agravar ainda mais a situação, dados do Ministério da Saúde apontam que, a cada cinco pessoas vítimas de violência no trânsito, uma ingeriu bebida alcoólica. E a maioria das vítimas é de jovens com até 35 anos.
Segundo o secretário-adjunto de Trânsito e Transportes Urbanos (SMTU), Thiago França, Mato Grosso está entre os estados que apresentam os maiores índices de violência no trânsito, com 35,2 pessoas acidentadas a cada 100 mil habitantes.
Enquanto isso, Cuiabá ocupa a 7ª posição no país e o 1º lugar entre as capitais do Centro-Oeste nesse mesmo ranking, com índice de 28,3 vítimas a cada 100 mil habitantes.
“A gente sabe que, infelizmente, os números são assustadores. Nós precisamos realmente adotar uma política de enfrentamento, porque vivemos um momento de guerra no trânsito. Precisamos de ações de educação, legislação efetiva, fiscalização ostensiva e, principalmente, o envolvimento e comprometimento da sociedade”, afirmou.
"Nós precisamos, realmente, adotar uma política de enfrentamento, porque vivemos um momento de guerra no trânsito"
Para o titular da Delegacia de Trânsito da Capital, Christian Alessandro Cabral, o trânsito violento é resultado de uma “combinação bombástica” de falta de políticas de trânsito, uma engenharia de tráfego deficiente, ausência de fiscalização e falta de educação dos motoristas.
“Hoje, as pessoas fazem o que querem em Cuiabá. Não há fiscalização. Isso reflete em engarrafamentos, pessoas sem paciência, gente que faz conversões proibidas”, disse.
Para o delegado, outro ponto que ajudou a deixar o trânsito da Capital como um dos mais violentos foi a retirada dos radares, que auxiliavam na fiscalização. O fato do transporte público municipal ser um dos piores do país, segundo ele, também não contribui para a melhora do quadro.
“Como nada é punível, você faz o que quer. Hoje, nenhum crime de trânsito comporta a prisão em flagrante, com exceção de embriaguez ao volante. Tudo vira cesta básica e serviços comunitários. Então, o condutor não se sente obrigado a respeitas as leis de trânsito”, afirmou.
De acordo com Cabral, há também uma ineficiência do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) em fiscalizar, uma vez que apenas 5% das Carteiras Nacionais de Habilitação (CNHs) que deveria ser cassadas o são efetivamente e poucas multas seriam realmente aplicadas, uma vez que o motorista tem um prazo de 30 dias para ser notificado e a autarquia não conseguiria cumprir o prazo.
Maioria dos acidentes em Cuiabá são causados por imprudência e negligência dos motoristas O delegado vê o retorno dos radares anunciados pela Prefeitura de Cuiabá para o primeiro semestre deste ano e a implantação da Operação Lei Seca na Capital, que teve início neste final de semana, como formas viáveis de minimizar as tristes estatísticas que marcam o trânsito cuiabano.
“Trânsito tem que ter repressão e educação. Normalmente se começa com educação e parte para a repressão. Mas aqui, vamos começar pela repressão. Não é o melhor, mas já é alguma coisa”, afirmou.
Punição x educação
Dados do Detran de janeiro deste ano apontam que a frota de veículos na Capital é de 361.741 veículos – dos quais quase 92 mil são motocicletas e motonetas, que figuram em 80% dos casos de acidentes atendidos pelo Batalhão de Trânsito da Polícia Militar, segundo o delegado Cabral.
A comandante do referido batalhão, major Grasielle Bugalho, afirma que blitzes são feitas diariamente na cidade, mas não atingem grande parte da população, como gostariam.
Atualmente, o Batalhão de Trânsito conta com 80 policiais que são responsáveis não só pelas ruas e avenidas da cidade, mas também pelas rodovias que cortam o perímetro urbano.
"Trânsito tem que ter repressão e educação. Normalmente se começa com educação e parte para a repressão. Mas aqui, vamos começar pela repressão." O efetivo de agentes de trânsito – os “amarelinhos” da SMTU – também está aquém do necessário: são 170, quando o ideal era que houvesse no mínimo 300, de acordo com o secretário-adjunto da pasta.
Apesar das dificuldades, a major acredita que é possível reverter o quadro atual com ações de fiscalização como a Lei Seca e a fiscalização eletrônica, que forçam os condutores à conscientização da necessidade da educação e do comportamento civilizado no trânsito.
Segundo ela, a fiscalização sempre tem um caráter educativo, uma vez que, ao ser sancionada, a pessoa repensará seu comportamento, por não querer ser punida novamente.
“Muitas vezes, se eu parar um motorista pedir para ele colocar o cinto, na próxima vez que ele passar por mim estará sem cinto novamente. Mas se ele for notificado e tiver que pagar uma multa, ele realmente mudará seu comportamento”, justificou.
Não tão otimista é a visão do presidente do Detran-MT, Eugênio Destri, que defende que a educação “vem de berço” e, caso isso não aconteça, dificilmente o cidadão será mudado pela sociedade ou pela escola.
“O que você aprende na escola e na sociedade é a gramática e a prática”, disse.
"Só ano passado, a Avenida do CPA registrou 760 acidentes. A Beira-Rio registrou uma média de 500 acidentes e a Avenida Miguel Sutil, 358, mesmo com todas as intervenções lá feitas" Ainda assim, segundo ele, o Detran tem investido em palestras educacionais e projetos que apelam para o bom senso dos motoristas e condutores, principalmente em períodos de feriados prolongados, como o Carnaval, bem como mantém ações educacionais durante o ano todo, como blitzes e operações.
“Trabalhos são feitos. Mas o cidadão precisa se conscientizar do compromisso, da responsabilidade e do dever dele quando está no trânsito, seja ele condutor, passageiro ou pedestre”, afirmou.
Destri também alegou que, diante das dificuldades em fazer valer as multas e punições aplicadas pelos oficiais de trânsito – no ano passado, foram 550 notificações emitidas pelo Batalhão da PM apenas por embriaguez e 48 CNHs apreendidas –, a autarquia está firmando uma parceria com os Correios, para que as multas sejam aplicadas a tempo.
“Estamos firmando com os Correios para que eles imprimam as notificações através do site do Detran e possa enviar através de AR digital, que é bem mais rápido e eficiente e, com isso, não se perca nenhum prazo”, explicou.
Vias perigosas
Dados da SMTU apontam que as principais vias de Cuiabá são, também, as mais perigosas. Altos índices de acidentes são registrados em avenidas como Fernando Corrêa da Costa, Historiador Rubens de Mendonça (Avenida do CPA), Beira Rio, Getúlio Vargas, Issac Póvoas e Miguel Sutil, além do cruzamento da Avenida Generoso Ponce com a Tenente Coronel Duarte (Prainha).
Operação Lei Seca é vista como uma das ações para reduzir os índices de acidentes na Capital “Eles concentram os maiores índices de acidentes. Só ano passado a Avenida do CPA registrou 760 acidentes. A Beira Rio registrou uma média de 500 acidentes e a Avenida Miguel Sutil, 358, mesmo com todas as intervenções lá feitas”, disse França.
Segundo o secretário-adjunto, todos os acidentes foram causados por imprudência, negligência, embriaguez ao volante ou a existência de um menor de idade no volante.
“São casos como do ciclista que morreu atropelado e do cidadão que caiu dentro de buraco de obra durante a madrugada. As pessoas tem valido da situação de que a cidade está em obras e têm tentado criar uma situação bastante confusa, e não é assim. Temos nos esforçado para sinalizar, manter a sinalização ou mudar algumas, mas é necessário que a sociedade respeite os desvios, as sinalizações. Todo mundo se preocupa apenas com fluxo e esquece da segurança”, reclamou.
Mudanças
Para França, o primeiro problema a ser corrigido é a formação do condutor.
“Os Detrans do país, de uma maneira geral, precisam repensar esse modelo de formação de condutor, do primeiro processo de habilitação, de repente implantando uma reciclagem no momento da renovação, como existe na Alemanha, por exemplo”, defendeu.
Outra ação que auxiliaria na mudança, segundo o secretário-adjunto, seria o comprometimento do instrutor de trânsito.
"As pessoas têm se valido da situação de que a cidade está em obras, e têm tentado criar uma situação bastante confusa, e não é assim" “O instrutor de trânsito, que tem que preparar o condutor para a vida, não só para a prova do Detran, para que eles possam exercer papel de cidadão nesse maior espaço público que é o trânsito. Porque hoje os condutores são ‘adestrados’ a serem aprovados nos testes práticos, mas não são preparados para conviver com os conflitos diários do trânsito de Cuiabá”, ressaltou.
França destacou ainda que a engenharia de tráfego – com sinalização adequada das vias da cidade – é extremamente necessária para criar um trabalho harmônico no trânsito da Capital.
"Tem um ditado alemão que diz: a educação e o exemplo são importantes, mas a gente só muda comportamento com punição" “Só ano passado desenvolvemos mais de dois mil tipos de frentes de trabalho de sinalização, tornamos algumas vias sentido único, fizemos a inversão de outras, proibimos a conversão em pontos conflitantes da cidade. Temos intensificado a fiscalização, não só em parceria com o Batalhão de trânsito, criamos o terceiro turno, implantamos o sistema de guincho que não existia”, exemplificou.
Segundo, além de ações educacionais, a Prefeitura aposta no retorno dos radares, cuja instalação é esperada até a Copa do Mundo, e a efetivação da Operação Lei Seca como um projeto permanente para melhorar o tráfego na região.
“Mas de nada adianta os nossos esforços, se a sociedade não se conscientizar. O trânsito só vai mudar se cada um de nós fizer a sua parte. Tem um ditado alemão que eu gosto muito e que diz assim: a educação e o exemplo são importantes, mas a gente só muda comportamento com punição. Às vezes, você precisa intensificar a fiscalização porque a impunidade é o fermento da criminalidade”, disse.
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