Pais lutam na Justiça por liberação de remédio derivado da maconha
Anvisa proíbe o uso dos derivados da maconha. Mas alguns pais estão se arriscando para tratar os filhos com remédios que trazem dos EUA.
Anny, de 5 anos, tem uma doença rara, que provoca muitas convulsões. Só um remédio funciona, mas é ilegal no Brasil, porque é derivado da maconha.
Se você fosse a mãe ou pai da menina, importaria o remédio mesmo assim?
Um casal brasileiro decidiu que faria exatamente isso. E um documentário conta a história deles.
“Anny, 5 anos, é a minha filha. É portadora de patologia muito rara, apresenta quadro clínico com distúrbio psicomotor decorrente de uma patologia cerebral. E que, dentre os sintomas, tem crises convulsivas resistentes a todas as medicações possíveis no país. Justifico a solicitação de Canabidiol baseado nos itens acima”, diz Katiele Fischer, mãe da Anny, em um documentário.
“Quando a gente ficou sabendo do CBD, que nós decidimos importar, nós tínhamos a consciência que era um produto derivado da Cannabis Sativa e por esse motivo ilegal no país. Mas o desespero de você ver a sua filha convulsionando todos os dias a todos os momentos, nós resolvemos encarar e trazer da forma que fosse necessária, mesmo que fosse traficando”, conta a mãe da Anny.
A compra é ilegal porque o Canabidiol, ou CBD, é uma das mais de 400 substâncias encontradas na Cannabis Sativa, a maconha. Só que, muito diferente da droga fumada, o composto não altera os sentidos, nem provoca dependência.
O documentário lançado essa semana é parte de uma campanha e de uma discussão que envolve preconceito, ciência e saúde: o uso medicinal da maconha. Os pais de Anny descobriram o CBD na internet em uma busca desesperada.
“Nós já tínhamos tentado de tudo. Nós já tínhamos tentado todas as medicações, nós já tínhamos tentado uma cirurgia. E essa era a nossa luz do fim do túnel”, conta Katiele.
A Anny chegou a ter tantas convulsões em um único dia que o Fischer e a Kati perdiam as contas. Para ter como explicar a situação para os médicos nas consultas, eles decidiram marcar as crises em tabelas. São páginas e mais páginas de sustos, de tristeza, mas também de alegrias e de esperança.
Os quadradinhos pintados que marcavam cada convulsão e enchiam as tabelas foram diminuindo a partir de novembro de 2013, quando Anny começou a tomar o derivado da Canabis.
“A primeira dose que nós demos pra ela, não foi só a dose. Foi uma dose com uma carga de esperança tão grande que a gente deu para ela chorando”, conta a mãe, emocionada.
“A gente chegava perto da Anny, falava o nome dela e ela olhava a gente nos olhos. Isso não tem palavras. Vale qualquer sacrifício, qualquer esforço, você saber que ela voltou a te olhar nos olhos”, afirma o pai, Norberto Fischer, professor.
Voltou também a comer e não depender mais de sondas para se alimentar, ganhou força e condições melhores para fazer fisioterapia. São efeitos do Canabidiol.
Ele e outros derivados da maconha já são usados em vários países da Europa e em boa parte dos Estados Unidos para tratar doenças como Parkinson, esclerose múltipla e combater sintomas da Aids e do câncer.
O pesquisador José Alexandre Crippa da USP, de Ribeirão Preto, é um dos poucos que conseguiram autorização para trazer e estudar o CBD no Brasil.
“Eu sou totalmente a favor do uso medicinal do Canabidiol e sou absolutamente contra o uso da maconha da forma fumada, porque não se sabe a quantidade que tem de Canabidiol”, explica Crippa.
Mas ele defende o uso de derivados que estão beneficiando pacientes como Anny. “Essa menina passou de 80 crises até zero crise, 80 crises por semana até zero crise por semana, o que é absurdo em termos clínicos, ainda mais se considerando que é um tipo de epilepsia muito grave” diz José Alexandre.
Os pais da Anny não são os únicos a olhar para o Congresso, para as autoridades, à Justiça com expectativa. Para outros brasileiros, a legislação criada com o argumento de proteger a saúde acabou se transformando em uma barreira de preconceito que impede o avanço da ciência e da medicina.
As mães de outras crianças que sofrem de síndromes raras que provocam convulsões estão cheias de perguntas.
“Por que esses remédios que causam cegueira parcial pode e o Canabidiol não pode? Esses remédios que elas tomam, além de serem fortíssimos, os efeitos colaterais são horríveis”, diz a advogada Margarete Brito.
Além de indignação elas têm pressa e vontade de experimentar o que pode trazer alívio.
“O risco é que nossos filhos possam entrar em crises convulsivas prolongadas e isso pode gerar a morte. A gente não tem mais tempo para esperar por isso”, afirma a enfermeira Samar Duarte.
Fantástico: Você queria experimentar?
Aline Voigt Nadolni, engenheira: Muito. A gente sabe que cada semana é preciosa. A gente vê a nossa filha piorando a cada semana.
No Paraná, os pais da Alana estão se arriscando para tratar a filha com o CBD que trazem dos Estados Unidos, onde ele é vendido como suplemento alimentar.
“Ele não é uma droga e sim uma terapia medicinal. Eu perguntava para Silvana: ‘nossa, será que nós vamos ser contra a lei? Será que eu estou fazendo o certo?’. Olhando para minha filha tendo crise, chegou um dia que eu falei: ‘não, eu vou ter que encarar tudo isso’”, argumenta o empresário Leandro Name Utrabo.
Para a Associação Brasileira de Psiquiatria, ainda faltam evidências de que o Canabidiol funcione e não traga prejuízos à saúde. A Anvisa, a agência que regula medicamentos, proíbe o uso dos derivados da maconha. A brecha é pequena.
“Em casos extremos, em que já se tentou vários tratamentos e não se teve sucesso, pode ser que fazendo uma solicitação judicial se consiga uma autorização de exceção para importar e utilizar essa droga”, explica Frederico Garcia, da Associação Brasileira de Psiquiatria.
É o que os pais de Anny vão fazer. Nesta segunda-feira (31), entram com uma ação na Justiça para terem o direito de importar, legalmente, o medicamento para a filha. E vão divulgar o documentário para trazer à tona um assunto envolto em polêmica, falta de informação e muito sofrimento.
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