Tite prefere voltar numa seleção e fala do Brasil: “Estou na barca”
Tite está mais magro, sorridente, semblante leve, até bronzeado. O perfeito namorador que sua esposa, a famosa Rose, tão citada em suas entrevistas, gosta de ter por perto. Mas não ouse dizer que ele tirou férias, tampouco viveu um período sabático. Ele prefere chamar de “reciclagem”. O técnico assistiu a dezenas, talvez centenas de jogos. Alguns no estádio. Agora, está perto de voltar.
A Copa do Mundo deverá ser seu divisor de águas. O técnico, campeão paulista, brasileiro, sul-americano e mundial pelo Corinthians, quer ver partidas com atenção, como espectador, e depois trabalhar. De preferência numa seleção. Se vai ser o Brasil?
- Depende de uma possibilidade do Felipão continuar, mas se ele não ficar, estou na barca.
O treinador quer um desafio novo, manter aceso o brilho nos olhos, a luz... Os termos são dele. Tite parece uma criança quando fala de futebol. Ao GloboEsporte.com, ele falou sobre os favoritos ao título do Brasileirão, rasgou elogios à seleção brasileira, deu pitacos na Copa do Mundo, contou sobre o que viu na Europa, até cornetou Arséne Wenger, do Arsenal, e admitiu dificuldade em assistir aos jogos do Corinthians, onde trabalhou por sete semestres.
Na entrevista, ele conta que prefere usar essa medida de tempo em vez de falar “três anos e meio”. Confira:
Você tem muitos fãs e eles querem saber quando você voltará a trabalhar.
Aproveitei momentos para coisas importantes. Ler, acompanhar jogos com vocês, inclusive seus comentários, ver jogos in loco. Quando estou numa equipe, meu tempo integral está na preparação, abordagem individual, planificação de trabalho. O tempo paralelo é da família. Agora, como espectador, eu pude ver, ouvir e confrontar meus comentários com os de vocês. Foi uma reciclagem, um crescimento.
Concordou ou discordou da maioria dos nossos comentários?
Democraticamente, temos diversos ângulos de abordagem. Pode-se abordar a parte tática, o lado emocional, físico, isso no mesmo jogo. Os enfoques por vezes são diferenciados.
Quantos jogos você viu?
Não sei, mas tomei uma dura da Rose (apelido de sua esposa Rosmari): “Escuta, tu parou de trabalhar e continua no mesmo ritmo?” (risos). Mas está dando tempo para família. É que tu consegue ter uma abrangência maior para acompanhar.
Até na Europa você viu jogos, certo?
Vi City x Barcelona, em Manchester, e Arsenal x Bayern, em Londres. Os outros que vi no estádio foram no Rio Grande do Sul. Grêmio x Newell’s e jogos no interior, de equipes por onde passei. Na televisão, fiquei pescando, acompanhei todos. Agora quero ver o Real Madrid, uma das grandes equipes do momento. Vou assistir à final da Liga dos Campeões contra o Atlético de Madrid. E, se eu conseguir ingresso, quero ver a final da Liga Europa também, Benfica x Sevilla.
De tudo que viu, o que mais o impressionou?
Às vezes, tu pega detalhes que a câmera não pega. O Arsenal teve o goleiro expulso contra o Bayern. Montou duas linhas de quatro e abriu o Ozil na esquerda para acompanhar o lateral. Correr atrás do Bayern já é difícil, imagina com 10, quão solidário tu tem que ser. No segundo tempo, vi o capitão Flamini gesticulando com o dedo na cara do Ozil. E tu deduz que ele falava: “Vem cá, ajuda, não precisamos só de talento agora, marca um pouquinho, encurta o espaço, recompõe mais rápido”. Na terceira substituição, sai o Chamberlain, que estava bem, de cabeça baixa, e eu penso: "não é só tu que erra, Tite" (risos). Nem tudo que é de fora é melhor. Erramos porque é da condição humana.
Então o Wenger errou? Será que é mais fácil identificar ali da arquibancada, friamente, do que o técnico que precisa tomar a decisão?
O maior investimento do Arsenal foi o Ozil, as grandes propagandas do jogo eram dele. Justifica deixá-lo em campo na primeira substituição? Sim, tu potencializa o talento. Na segunda, com um jogador machucado, tudo bem. Mas na terceira, ele pipocou para tirar o maior astro. Pipocou pelo nome, o investimento pesou mais alto. Ele se deixou levar pela grandeza do jogo e pelo nome do atleta.
Qual foi sua grande lição desse período de reciclagem?
A convicção de que devemos tirar, enquanto técnicos, o melhor possível dos planteis, independentemente do sistema de jogo. O Cruzeiro tem jogadores que permitem fazer transição rápida, jogar em contra-ataques, com pivôs, com laterais marcadores ou apoiadores. A essência é a qualidade dos atletas. O Bayern, por exemplo, outro dia tinha o Götze e o Müller no banco. E na primeira substituição seu técnico colocou o Javi Martínez, volante. Se eu tivesse o Götze e o Müller... são opções extremamente qualificadas para mudar a equipe.
Você falou do Cruzeiro. É mesmo o melhor time do Brasil?
É o melhor grupo, a melhor equipe formada. Quando tínhamos todos os atletas à disposição no Corinthians, a base da equipe teve opções de velocidade, pivô, armação, para o que entendíamos ser o melhor durante o jogo. São variáveis importantes para a necessidade da equipe.
Hoje, quando você assiste a um jogo do Corinthians, fica satisfeito com o que vê?
Passei sete semestres no Corinthians. Por que não três anos e meio? Porque a cada semestre você tem de fazer uma reciclagem, arejar o grupo, fazer contratações, modificar peças. E agora há uma reformulação de técnico, de quem comanda o futebol. É injusta qualquer comparação. E, humanamente, confesso que tenho dificuldade de assistir aos jogos do Corinthians. Eu estava ali até ontem, sei como cada atleta reage, como pensa o massagista. Nos poucos que vi, baixei o volume, tirei a emoção do jogo para não ferir meu sentimento. Só queria analisar o sistema tático.
Evita assistir também para evitar discordar do atual técnico, pensar que poderia ter feito outra substituição ou tomado uma decisão diferente?
Sim, também tem isso.
Você compartilha da opinião de que o futebol brasileiro está muito atrasado em relação ao europeu?
Não devemos generalizar. O Tostão (ex-jogador da seleção brasileira) tem um livro em que diz que perfeição não existe. O melhor não existe, você pode estar momentaneamente melhor, não quer dizer que seja melhor. O Brasileiro vai crescer depois da Copa, as equipes vão crescer naturalmente. Há o aspecto de entrosamento e manutenção da equipe. Dá o Henrique (zagueiro, convocado para a Seleção) e o Alan Kardec ao Palmeiras. Mas perderam pelo poder econômico. E dá 150 milhões de euros para o Ancelotti (técnico do Real Madrid), paro Guardiola (técnico do Bayern de Munique) contratarem. E tempo para trabalhar. Temos de analisar o contexto.
Então você concorda quando o Muricy diz que é mais fácil ser técnico lá do que aqui?
Para contratação de atletas, sim. Com investimento maior, eu escolho. Mas isso não quer dizer que eu vá escolher bem e acertar o time. Isso é um processo da qualidade do treinamento, de encontrar as melhores peças, do convívio grupal, o gerenciamento para trabalhar em equipe, sintonia entre todos. É desafiador. Aprendi que por mais embasada, criteriosa e munida de conhecimento que seja uma opinião, sempre haverá três pessoas, pelo menos, que vão divergir, enxergar por outra ótica. Então não é só contratar, há outros aspectos.
O que teria acontecido com o Guardiola, depois de tomar quatro em casa, ou com o Mourinho, eliminado por um time de orçamento bem inferior, se eles trabalhassem no Brasil?
Se não tivessem caído, estariam balançando, por um soprãozinho para caírem (risos). É um pouquinho cultural. Tenho cuidado para não ter o impulso de achar que lá comentam melhor, filmam melhor, que a namorada do outro é melhor que a minha. O Dick Law (empresário de futebol) me apresentou ao estafe do Arsenal. Ele disse: “Esse é o Tite, ele ficou por três anos e meio no Corinthians, o que equivale aos 16 anos do Wenger aqui”. Todos deram risada. Mais tempo para o profissional trabalhar é uma bandeira que eu levanto. Escolha bem, faça três, 10 churrascos, faça um almoço para entender as ideias dele. E se tiver sintonia, abrace porque haverá momentos difíceis. Todos os clubes por onde passei e fui campeão tiveram ao menos uma coisa em comum: no mínimo, um ano de trabalho.
Vai ver a Copa do Mundo nos estádios?
Quero acompanhar, profissionalmente isso me vai me deixar ainda mais qualificado. Vi Espanha x Itália na Copa das Confederações. Numa interrupção, vejo os jogadores ignorarem os técnicos e tomarem água. E jogarem água na perna. Eles estavam demolidos de calor. O clima de diferentes locais no Brasil vai ser determinante para resultados, tenho convicção. Quero poder ver esse jogo que ninguém vê. E o que me fascina é o jogo da compactação, o quanto a equipe se move. Se ela marca mais atrás ou mais na frente, mas agrupada, sincronizada, ajustada. Sei como é difícil ajustar essa engrenagem.
Como vê a seleção brasileira?
Em crescimento, num grau de confiança muito grande. A Copa das Confederações ajudou, encorpou a equipe, há um aspecto solidário muito forte, é um grande momento. Haverá uma pressão muito forte por ser em casa, mas, felizmente lá estão dois grandes profissionais, cascudos nesse aspecto, o Parreira e o Felipão. São dois campeões mundiais. A cada dia é maior a expectativa por grandes desempenhos. O clima é de pressão.
Em nenhum momento o Felipão negou essa pressão. Ele assumiu o favoritismo, disse que ganhariam a Copa. Isso é bom ou pode ser perigoso?
Isso tem uma palavra: naturalidade. É verdade, não dá para fugir do fato. Todo técnico de grandes equipes ou seleções vai conviver com essa pressão de vencer. Como tu encara isso? De forma natural. Avaliei algumas coisas de fora. Uma delas: eu definitivamente me considerei um louco. Metade apaixonado e metade louco. Porque o cara tem que ter uma pitadinha de loucura para ser técnico, tua atividade é exposta. Todas as pessoas têm sua escalação, sua forma de pensar, seu desenho tático, suas preferências.
E você concorda com a lista do Felipão?
Sim, a grande maioria se credenciou a estar lá. Uso muito o termo merecimento. A Seleção ganhou a Copa das Confederações de maneira inquestionável pelo desempenho que a fez vencer.
Estamos falando da seleção do Felipão. Depois da Copa, falaremos da seleção do Tite?
Tenho comigo que uma etapa se encerra depois da Copa do Mundo. É na seleção brasileira, em outras seleções e em clubes também. Vai depender da CBF e do Felipão a possibilidade de continuidade, ligada a resultado e ao trabalho. Afora minhas coisas pessoais, o lado familiar, de saúde, espiritualidade, nesse período pude me preparar para o que poderá acontecer ali na frente. Estou no bolo, estou dentro. Se alguma oportunidade acontecer... Tenho a informação de que o Zaccheroni sairá da seleção japonesa. Abre-se um novo ciclo. Também há janela dos grandes clubes, vai que um maluco na Itália acha que o Tite tem um italiano legal...
Mas você prefere voltar a trabalhar numa seleção ou num clube?
Seleção. Seleção...
Por ser um novo desafio?
Sim. Vi o especial da Globo dos 20 anos do falecimento do Senna. E achei legal uma das histórias que contaram. Após um título, o Senna olhou um aquário cheio de carpas e o pessoal jogando pão. Havia uma carpa gorda, forte, bonita, mas lenta. E as outras sempre comiam primeiro. E ele disse: “Olha, vou subir, minha festa acabou. Quero manter minha fome, não quero ser aquela carpa gorda, satisfeita”. Eu quero manter o brilho no olho. No dia em que eu não tiver mais essa luz, essa vontade, vou fazer outra coisa. É um desafio sim. Conquistei títulos em todos os níveis profissionais, mas sei que nenhum técnico conseguiu ser campeão mundial por um clube e uma seleção.
E se o Felipão sair, você será o escolhido?
Entendo que sou um dos cinco profissionais que serão analisados. No passado, foi escolhido o Dunga, que até então não se imaginava. Mais no passado ainda, o Falcão. Então há possibilidades, depende muito de como a estrutura da CBF pensa. Mas estou na barca.
Quantas propostas, sondagens e convites você recebeu nesse período?
Quando falei que não ia trabalhar até a Copa, eles sabem que dei minha palavra e não iria voltar atrás. Dão aquela sondagem, mas é uma coisa bem definida. Não foi circunstancial, eu preciso desse tempo. Não quero cair, não tenho fórmula para tudo. Se eu for com a mesma fórmula sempre, não vou ganhar.
Quem são os favoritos ao título brasileiro?
Com as saídas do Henrique e do Alan Kardec, a lesão do Prass, dificultou um pouquinho o trabalho do Palmeiras, mas há tempo para contratações. Vejo Santos, Corinthians e São Paulo fortes para poderem emergir. Vejo o Fluminense forte. O Flamengo tem uma base e depende de contratações pontuais. O Internacional tem uma equipe muito forte, o Cruzeiro tem o melhor plantel. O Grêmio tem perdido atletas importantes, não se forma uma equipe dessa forma. Vejo Corinthians, São Paulo, Santos, Fluminense, Flamengo, os dois de Minas e o Inter. Oito de 20, até que está bom, né?
Não está com saudade de competir ali na beira do gramado?
Sim. Tu pergunta isso porque sente a adrenalina batendo quando falo de futebol, me conhece faz tempo, sabe que minha vida toda foi no futebol. No último fim de semana, voltei a ser criança. Fui para São Braz (comunidade no interior de Caxias do Sul), terra onde nasci, onde meu pai me deu a primeira camisa que vinha nos meus joelhos. Fui para lá, joguei com amigos de 40 anos, fiz gol, xinguei, fui xingado, mas no final ganhei. Depois do gol, falei que podia sair. Voltei a ser criança..
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