Jovens imigrantes 'invisíveis' têm travessia difícil rumo à Europa e destino incerto O centro de convivência na Itália recebe 40 menores estrangeiros diariamente
Com 16 anos declarados, mas aparentando ter apenas 13, o eritreu M.S. chegou à Itália há duas semanas, em uma embarcação vinda da Líbia.
'Saí da minha casa em agosto e levei oito meses para chegar à Itália, em abril', disse à BBC Brasil com a ajuda de um mediador cultural.
Desde então, M.S. não falou com a família. 'Pedi que avisassem meus familiares que consegui sobreviver à travessia do Mediterrâneo', afirmou.
Assim como M.S., milhares de jovens e crianças em situação de risco têm desembarcado na Itália - foram 6 mil deles desde o início do ano, dos quais 3,8 mil chegaram desacompanhados, segundo a ONG Save the Children.
Estes jovens são invisíveis para o Estado italiano, pois escapam ao controle das autoridades. M.S. não tem conhecidos na Itália e pretende chegar à Noruega. 'Vou procurar um tio que mora lá e que para mim é como um pai.'
Desde 2011, Roma tem um centro de convivência conhecido como Cívico Zero para dar apoio a estes jovens imigrantes desacompanhados. Recentemente, outro centro deste tipo foi inaugurado em Milão.
O apoio dado neles vai desde serviços simples como chuveiros, refeições e máquinas de lavar roupa a até assistência médica, jurídica e psicológica.
Acima de tudo, os centros oferecem momentos de tranquilidade e distração após uma jornada difícil.
Financiado pela Save the Children, a estrutura recebe cerca de 40 menores estrangeiros por dia e quase 100 novas inscrições por mês.
Também foi criado um abrigo noturno, com capacidade de 24 leitos, que fica aberto o ano todo.
Vendendo drogas
D.H. é um adolescente afegão extrovertido que chegou ao Cívico Zero de Roma há alguns dias. Ele deixou seu país há dois anos e conta que entrou na Itália pelo porto de Veneza, depois de uma viagem de três dias embaixo de um caminhão, que tinha partido da Turquia.
'Fiquei estendido assim', disse o jovem de baixa estatura, simulando a posição adotada durante a travessia.
Ele diz ter vivido nas ruas, vendendo cocaína e heroína. 'Dez anos atrás, perdi toda a minha família. Tenho apenas um irmão menor, que vive no Irã, e um tio que foi para a Suíça, mas não sei onde ele está ou se continua vivo', disse D.H.
No centro de convivência, ele conheceu outros jovem afegão de 16 anos como ele. Agora, os dois se preparam para deixar o país.
'Meu futuro é hoje. Se penso no meu passado, vejo que agora eu sou feliz. Como é a vida na Itália, se eu quiser ficar aqui?', pergunta.
Outro adolescente que decidiu partir, depois de ter perdido a família em uma guerra, é Mohamed Keita, de 20 anos.
Ele deixou a Costa do Marfim quando tinha apenas 14 e levou três anos na viagem até a Itália.
Pessou por Mali, Argélia e Líbia, onde esteve preso por cinco meses até conseguir fugir.
'Éramos em 13 pessoas no caminhão na travessia do deserto. Evitávamos passar por estradas e por vilarejos por causa da guerra e por medo dos rebeldes', disse.
De lá, foi para Malta, onde permaneceu por um ano até conseguir embarcar para a Sicília, em 2010.
Dificuldades
As dificuldades não terminaram para Keita com sua chegada à Europa.
Pouco depois de ter desembarcado na Itália, ele foi erroneamente identificado como maior de idade. Como consequência, recebeu uma ordem de expulsão e foi acusado por crime de falsidade ideológica.
O marfinense viveu por três meses na ruas de Roma, dormindo nas calçadas próximas à estação central, até ser abordado por um voluntário da organização Save the Children.
Keita recebeu assistência legal, foi encaminhado para um abrigo da prefeitura e fez novos amigos. Entre as ofertas recebidas, uma delas é especial.
'Ganhei de presente uma máquina fotográfica descartável para registrar a minha casa. Fotografei uma mochila e uma sacola plástica apoiadas sobre um papelão', diz.
A partir daí, passou a retratar outras pessoas que viviam na mesma condição que ele e, pouco depois, a sua mostra 'J'habite Termini', com imagens de moradores de rua da estação central de Roma, foi exposta em Nova York.
Hoje, Keita frequenta o ensino médio, trabalha como porteiro em um hotel e continua a fotografar os habitantes da cidade.
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