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Sexta - 30 de Maio de 2014 às 07:13

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Na inquirição de uma testemunha, os jurados estão ansiosos para ouvir uma história. Afinal, o que aconteceu naquela noite enluarada de verão, depois que os últimos fregueses deixaram o bar em direção à praia? Os jurados querem fatos. Provas também, mas, primeiro, a satisfação da curiosidade. Esperam que, finalmente, a testemunha possa satisfazê-la. Porém, para a defesa ou para a acusação, é melhor que o advogado ou o promotor conte a história. Que deixe para a testemunha o papel de figurante, aquele que só confirma ou desmente cada passo da história, com um “sim” ou “não”.

Por quê? É melhor para os advogados e promotores que os jurados se concentrem neles e confirmem, inconscientemente, junto com a testemunha, cada passo da história que é narrado — mesmo que a narração termine com uma pergunta curta ou apenas uma entonação de pergunta. Assim, os jurados se acostumam a concordar com o advogado ou promotor. Sua credibilidade se estabelece, afirma o advogado e professor de Direito Elliott Wilcox, editor do site TrialTheater.

Para muitos estudantes de Direito e até mesmo para alguns advogados e promotores, parece uma operação complexa organizar uma boa inquirição direta ou, especialmente, uma inquirição cruzada, em que há o perigo da testemunha da outra parte contar fatos que vão complicar a tese defendida. Mas se quem conta a história é o advogado ou o promotor, a testemunha não vai contar nada. Só vai dizer “sim” ou não”, de uma maneira geral.

Uma boa inquirição cruzada é uma boa descrição da história, que quem defende ou acusa já conhece, feita com frases curtas, às quais se pede confirmação. São as chamadas “perguntas indutoras de resposta” (leading questions). A habilidade de fazê-las corretamente se aprende com a prática.

A um estudante que se sentiu “bloqueado” na hora de apresentar sua inquirição cruzada em classe, Wilcox perguntou se ele assistia desenhos animados na infância. O estudante disse que assistia todos os desenhos do Wile E. Coyote e do Papa-Léguas. É um desenho singular porque o bicho malvado, o Coyote, tem a simpatia da audiência. Em todos os desenhos ele tem uma “grande ideia” para capturar o “galo-corredor”, mas se sai mal. Invariavelmente.

Wilcox pediu ao estudante para contar um trecho de um episódio do Coyote, seguindo a técnica da inquirição direta ou cruzada, em que apenas um fato é mencionado de cada vez. “A classe se divertiu, maravilhada, com o desbloqueamento do estudante”, conta Wilcox. Sua “inquirição” do Coyote foi assim:

— Seu nome é Wile E. Coyote, correto?

— Em 23 de março do ano passado, você fez um pedido a Acme Co, certo? — a Acme Company é a empresa fictícia da qual o Coyote compra qualquer coisa de que precisa para operar seus planos mirabolantes.

— Três dias mais tarde, chegou um pacote, correto?

— Era uma caixa da Acme Company?

— Você abriu a caixa?

— Olhou dentro dela?

— Ela continha um foguete?

— E também um jogo de patins de rodas?

— Você tirou tudo da caixa?

— Amarrou o foguete em suas costas?

— Calçou os patins de rodas?

— Você viu o Papa-Léguas passando pela estrada?

— Você se voltou para a direção em que o Papa-Léguas corria?

— Você acendeu o foguete?

É com histórias bem simples como essa que se inicia a prática do que virá a ser grandes inquirições cruzadas no futuro. Histórias podem ser tiradas de filmes, de séries na TV e de novelas, por exemplo. Experimente uma inquirição cruzada de uma personagem chamada “Carminha” — vilã da novela Avenida Brasil, exibida pela Rede Globo no Brasil em 2013 —, no episódio em que ela enterrou viva a rival. A história tem de ser bem conhecida, como é obrigação do advogado ou do promotor em um caso.

E também podem ser tiradas do dia a dia de qualquer pessoa.

— Em 28 de maio, uma quarta-feira, você saiu de casa, em seu carro, às 8h30, correto?

— Dirigiu 5 minutos e chegou à esquina com a 23 de Maio, certo?

— À direita, há uma concessionária de carros?

— Você não pode deixar de notar uma camionete de cabine dupla, do tipo que você tem procurado?

— Você entrou na concessionária?

— Ao estacionar, você escutou gritos a poucos carros de distância. Alguém pedia socorro...

Com a prática, você começa a ver o mundo como um inquiridor profissional. Pode, inclusive, aperfeiçoar sua técnica, até mesmo quando o trânsito está lento, e com um pouco de imaginação:

— Todos os dias úteis, às 8h30, a Avenida Ipiranga está congestionada, certo?

— Do lado direito, antes de chegar à São João, há uma banca de jornal, correto?

— Todos os dias úteis, a esse horário, você vê um homem alto e forte, de cabelos encaracolados, encostado na banca, verdade?

— Na manhã de primeiro de abril ele não estava lá?

— De repente, você se assusta com batidas no vidro de seu carro. Você se vira e vê o homem alto e forte, de cabelos encaracolados, que lhe parece enfurecido...

Lembre-se de citar apenas um fato por questão, aconselha Wilcox. Se você mencionar dois ou mais fatos em uma pergunta, você dá à testemunha a oportunidade de escapar e pode perder as rédeas da inquirição. Pode também confundir os jurados. Se citar apenas um fato, sua história será mais efetiva. E mais interessante.

Pratique com algum colega ou amigo, mas nunca com uma pessoa de seu relacionamento íntimo, recomenda Wilcox. Já se sabe que a prática de inquirição cruzada pode ser irritante para a pessoa inquirida e pode dar fim a relacionamentos. Pode inquirir seu cachorro, um boneco ou qualquer outro ser inanimado, ele diz. Afinal, a pergunta tem de ser feita de um jeito que o máximo que se espera como resposta é um “sim” ou “não”. Com a pergunta bem feita, você pode supor a resposta.

Comece com uma declaração e uma pergunta curta de confirmação. Depois, fique só com a declaração, enunciada com entonação de pergunta, ensina Wilcox.





Fonte: Consultor Jurídico

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