Leitos em hospitais de MT diminuem 64% em vinte anos Relatório do TCU indica principais problemas da saúde do Estado
O número de leitos hospitalares em Mato Grosso sofreu uma redução de 64,7% entre 1990 e 2009. O dado está no relatório do Tribunal de Contas da União sobre o Estado e foi incluído em um levantamento nacional sobre a Saúde Pública no país.
Em Mato Grosso, o TCU auditou as quatro maiores e principais unidades de Saúde: Hospital e Pronto Socorro de Cuiabá, Hospital Municipal de Barra do Bugres, Hospital e Pronto Socorro de Várzea Grande, Hospital Municipal de Barra do Bugres e Hospital e Pronto Socorro de Barra do Garças.
"Contudo, no caso específico de Mato Grosso, restou nítida a carência de leitos nos dois maiores hospitais públicos do Estado"
Considerando a necessidade de 2,5 a 3 leitos hospitalares por mil habitantes, sendo que de 1 a 10% devem ser direcionados para UTI, conforme o documento, no Estado há 2,2 leitos por mil.
Segundo o TCU, o parâmetro cai ainda mais quando comparado à quantidade de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS), aqueles voltados unicamente para a população que não possui planos de saúde: 1,87 a cada mil habitantes.
Hoje, com 3.115.336 milhões de habitantes (dados do IBGE e ANS) o Estado tem 2.673.676 milhões de pessoas sem plano de saúde.
Os números significam que a superlotação na rede pública é uma realidade de, pelo menos, duas décadas em Mato Grosso. E ela é visível.
“A redução de quantidade de leitos por habitante, por si só, não indica deficiência ou carência da rede hospitalar, pois diversos fatores devem ser considerados. Assim sendo, até mesmo o declínio desse indicador pode ser justificado, por exemplo, pela melhoria e ampliação da assistência básica. Contudo, no caso específico de Mato Grosso, restou nítida a carência de leitos nos dois maiores hospitais públicos do Estado”, diz trecho do relatório.
Evidência nítida
Ainda segundo o documento, a superlotação é admitida pelos próprios gestores.
"Os gestores desses hospitais admitiram que a taxa de ocupação dos leitos de emergência ou urgência sempre ultrapassa 100%. Os gestores de outro hospital afirmaram que, com muita frequência, essa taxa fica acima de 100%"
“Dos quatro hospitais visitados, em dois foram observados pacientes internados nos corredores ou acomodados precariamente em macas, cadeiras e mesas, o que é uma evidência nítida de superlotação”, diz o documento.
“Os gestores desses hospitais admitiram que a taxa de ocupação dos leitos de emergência ou urgência sempre ultrapassa 100%. Os gestores de outro hospital afirmaram que, com muita frequência, essa taxa fica acima de 100%”, acrescenta.
Outro problema grave de superlotação é citado pelo Tribunal de Contas da União: no que é considerado pelo relatório o “principal hospital”, a sala vermelha estava com 30 leitos ocupados, embora a capacidade seja de “somente cinco”.
Em análise, o relatório indica que a superlotação é nociva por, pelo menos, três pontos: “aumenta a mortalidade, prejudica a qualidade do atendimento e sobrecarrega os profissionais”.
Prioridade
A mesma tecla batida não serve, pelo menos, para que os problemas relacionados à saúde de Mato Grosso sejam solucionados ou minimizados.
Para a presidente do Sindicato dos Médicos (Sindimed), Elza Queiroz, a falta de leitos e, por consequência, a superlotação, é apenas parte de um problema que não se soluciona por falta de interesse público.
“A verdade é que o problema é que falta de tudo um pouco. Há muitos anos a saúde não é prioridade e há muitos mais ela vem sendo sucateada. Há cinco anos, a gente falava que a situação estava a beira do caos, do colapso, que não tinha como piorar, que tínhamos chegado ao extremo do abandono. Infelizmente, agora, o que vemos é uma piora”, relatou.
Formada em 1989 e, desde então, vendo de perto os problemas na saúde pública, Elza também afirmou que mesmo o simples não é resolvido e a realidade tem batido de forma cada vez mais dura no setor.
“Sabe algo que de pronto já resolveria? A regularização emergencial do abastecimento de medicamentos, materiais e insumos, que é a maior queixa de todas as unidades do Estado. Enquanto isso, convivemos com um sucateamento cada vez maior e hospitais no interior estão fechando as portas, o que, de maneira bem significativa, reflete aqui na Capital”, disse.
"Se os governos não priorizam a Saúde, não investem em infraestrutura, na contratação de profissionais, quem priorizará? Enquanto não investir, não tem como tirar os gargalos do setor"
Para o presidente do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso, Gabriel Felsky, o problema é de gestão.
“Se os governos não priorizam a saúde, não investem em infraestrutura, na contratação de profissionais, quem priorizará? Enquanto não investir, não tem como tirar os gargalos do setor”.
Diferente da presidente do Sindimed, que se considera uma otimista para as melhorias, Felsky enxerga os problemas com pesar.
“Não temos leitos, insumos, medicamentos e nem profissionais, que não querem trabalhar nessa estrutura falida e caótica. Perceba: hoje, quem está na rede pública ou são médicos recém-formados ou aqueles que estão se aposentando, que precisam atingir a idade para tal. O governo precisa definir se quer melhor ou se vai ficar assim. Me formei em 1988 e, quase 30 anos depois, só piorou. Como ser otimista?”, questionou.
"Burocracia sufocante"
Graduado em 1976 e com vasta experiência na saúde privada, o médico Kamil Fares ficou por um ano (2013-2014) a frente da Secretaria Municipal de Saúde.
"A burocracia que existe hoje faz com que, por exemplo, falte adrenalina, que custa R$ 2 ou R$ 3 e pode salvar uma vida"
O profissional admitiu a reportagem do MidiaNews que o setor é carente de infraestrutura, melhores salários para os profissionais e falta de leitos, mas garantiu que diversos outros fatores corroboram para a situação.
“A burocracia é sufocante. O ideal é que o governo brasileiro chegasse a um acordo em relação a aquisição de itens necessários a saúde pública. Na minha gestão, foram mais de 100 compras emergenciais, mas questiono, como vou deixar faltar itens? E quem sempre leva o risco? O secretário”, afirmou.
“São contrastes que precisam ser resolvidos. Os governos e tribunais de contas tem que sentar e definir um novo modelo do sistema de saúde. Porque a burocracia que existe hoje faz com que, por exemplo, falte adrenalina, que custa R$ 2 ou R$ 3 e pode salvar uma vida”, completou.
Lidando com a saúde pública desde que se formou, em 2005, o atual secretário municipal de Saúde, Werley Peres, disse que o formato de se pensar o setor é que precisa mudar.
“É preciso planejamento. Nenhum país, nenhuma empresa, nada vai para frente se não houver metas, se eu não souber o que eu tenho que fazer dentro de tanto tempo, para aquele objetivo. Gestão se faz pensando não só no agora, mas no sempre”, explicou.
“Eu sei que nosso trabalho não aparece de forma imediata e que, mais do que quantidade, órgãos como o Tribunal de Contas da União querem qualidade no atendimento, mas o problema maior de Cuiabá é que a cidade não cuida só dela. A saúde no interior está muito fragilizada e quando ela está assim, acaba refletindo na Capital. Nós temos hoje um Sistema Único de Saúde com estruturas da década de 1980 e não temos condições de absorver toda a demanda”.
Para Peres, não há como pensar – e agir – em relação a saúde pública se não houver continuidade, independente do governo que assuma, e compromisso do Estado.
“Não posso negar que há parcerias, mas se o Estado não entrar nesse jogo, ninguém ganha”.
Outro lado
Procurado para comentar a situação da saúde pública em Mato Grosso, o secretário estadual e médico Jorge Lafetá afirmou que não havia lido o relatório do Tribunal de Contas da União e, portanto, preferia não comentar sobre o documento ou o setor em si.
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