Superlotadas, unidades de menores atendem 77% além do limite no ES Segundo Iases, das 14 unidades, três apresentam excedente de internos. Raio-X do G1 mostra que, em 2014, foram 2 motins, 2 rebeliões e 1 morte.
"É triste dizer isso, mas muitos podem sair de lá mais marginalizados do que entraram". O desabafo de uma mãe descrente, que demonstra insegurança ao contar com o sistema socioeducativo do Espírito Santo. Há pouco mais de um ano, ela viu o filho ser internado, em uma das unidades do Instituto de Atendimento Sócio Educativo do Espírito Santo (Iases), por suspeita de homicídio e, desde então, ouve lamentos do menor. Segundo o órgão, até junho de 2014, três unidades apresentaram superlotação, sendo que, a soma do número de internos superava o de vagas em 77%.
Com um histórico de superlotação e rebeliões, as unidades de internação do Iases preocupam a população em geral, as autoridades e, principalmente, familiares de adolescentes que cumprem alguma medida socioeducativa. Só neste ano, foram registrados dois motins (quando o tumulto ocorre em um local específico) e duas rebeliões (quando o tumulto afeta toda unidade). Além disso, houve a morte de um adolescente por espancamento, em Linhares. Tais casos chamam atenção para o sistema e os métodos utilizados para reeducar e ressocializar menores que cometeram atos infracionais.
‘Raio-X’
Ao todo, o Iases conta com 14 unidades, sendo 11 de internação provisória e três de semiliberdade. Segundo o Iases, em 20 de junho deste ano havia 1019 adolescentes cumprindo alguma medida socioeducativa. Desses, 835 eram internos de alguma unidade; 149 estavam em internação provisória; 28 em regime de semiliberdade e sete cumpriam a chamada internação sanção, quando o interno fica, no máximo, três meses recluso.
Superlotação
De acordo com o instituto, até junho de 2014, três unidades registraram excedente: a Unidade de Atendimento Inicial (Unai), localizada em Maruípe, em Vitória - que após determinação judicial não recebe mais nenhum interno -, e as Unidades de Internação Provisória I e II (Unip I e II), localizadas em Cariacica-Sede. Neste dia 1 de julho, a Unai, que tem capacidade para receber até 68 menores, estava com 108 adolescentes. As Unips I e II, que podem receber 60, estavam com 118 e 107, respectivamente.
Fotos tiradas dentro da Unai, em agosto de 2013, mostram uma situação parecida com que a que ainda acontece atualmente. Nas imagens, é possível contar mais de 15 internos em uma mesma ‘cela’.
Registro feito em unidade socioeducativa de Cariacica, em agosto de 2013 (Foto: Divulgação/ Sinases)
Uma agente socioeducativa, que preferiu não se identificar, alega que, além da superlotação, os internos acabam ficando mais tempo que o permitido por lei nas unidades de atendimento inicial ou de internação provisória. No acolhimento inicial, por exemplo, os menores só podem ficar até 48 horas. Nas unidades de internação provisória, a Justiça determina que eles fiquem até 45 dias.
No entanto, relatos de mães e funcionários do sistema contradizem a determinação. A agente que trabalha no Complexo de Cariacica conta que a realidade observada nas unidades passa longe do ideal. "Tem menino que está lá há mais de nove meses. Eles falam 'poxa, estou aqui e não tenho como ver minha mãe'. Eu tenho filhos e jamais ia aceitar um filho meu em uma situação daquela”, disse.
Ainda segundo a agente, em alguns casos faltam materiais básicos de limpeza e higiene. “Faltam materiais, falta colchão, chinelo de dedo, escova de dente, pasta de dente, cueca, falta tudo! Eles não estão passando fome, mas as condições em que eles vivem são subumanas".
Coração de Mãe
No dia 29 de junho, o G1 esteve na porta do Complexo de Cariacica para conversar com familiares e amigos que foram até o local para mais um dia de visita aos socioeducandos. Perto das 12h, horário de entrada no local para a visita, dezenas de familiares já se enfileiravam na porta da unidade. Na grande maioria, mães à espera de notícias dos filhos.
O medo que rodeia o depoimento dessas mães, em grande parte das vezes, é reflexo da insegurança sentida pelos filhos, que dizem sofrer represálias ao reclamar das condições da internação. Das diversas mães abordadas pela reportagem do G1, poucas aceitaram relatar o que ouvem dos filhos.
Duas delas, que pediram para não serem identificadas, falaram sobre a situação dos filhos. Em depoimentos gravados em vídeo, elas citam questões como superlotação e a falta de otimismo em relação à reeducação e ressocialização dos adolescentes.
O presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Gilmar Ferreira de Oliveira, afirma que as unidades não têm condições de promover medidas socioeducativas e de ressocialização previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo. “O sistema socioeducativo é bastante delicado, a realidade é dramática. As unidades convivem com superlotação, denúncias de violações e falta de materiais básicos. Algumas sofrem de problemas de infraestrutura, de modelo arquitetônico. O espaço não reúne nenhuma condição de implementar ações de ressocialização. Esse sistema perverso é o simbolo mais forte da violação dos direitos humanos e, nesse caso, promovido pelo Estado”.
O presidente do Sindicato dos Agentes Socioeducativos do Iases (Sinases), Bruno Menelli, concorda: “O que mais assusta é a situação do adolescente, sem condição nenhuma. Eles ficam em alojamentos que era pra ter seis adolescentes, mas tem 18, 19. Era pra ter direito a atividades escolares, oficinas de lazer, e infelizmente não tem nada, não tem medida socioeducativa”, disse.
Outro lado
A diretora do instituto, Ana Maria Petronetto Serpa, diz que reconhece a situação de superlotação do sistema, mas garante que várias medidas estão sendo tomadas para mudar a realidade constatada nas unidades. “Nosso dia a dia no Iases é de movimentação permanente. Vamos trabalhar intensamente para respeitar esse números (de vagas)”, disse.
Desativação da Unai
Por determinação judicial, desde o dia 9 de abril deste ano a Unai não recebe mais adolescentes encaminhados pelos Departamentos de Polícia Judiciária (DPJs). No entanto, mesmo com uma determinação de ser desativada, a unidade segue funcionando.
Segundo Ana Maria, a Unai ainda não foi fechada porque não há para onde remanejar os adolescentes lá internados. “Temos carência de vagas, não temos para onde mandar os adolescentes. A justiça se propôs a acelerar a revisão dos processos, a contribuir, e nós estamos trabalhando para isso. A equipe já fez todos os relatórios para que as medidas sejam revisadas. Nossa expectativa é que, a medida que abra vagas, vamos remanejando os meninos da unai, e assim vai se dando a ativação”.
Falta de materiais
Sobre a falta dos materiais relatada pela agente de uma das unidades, a diretora explicou que houve um problema administrativo na compra. “Tivemos dificuldades com processos administrativos, mas a diretoria já está comprando esses materiais. Vamos receber roupa de cama, material de higiene, tudo que estamos precisando. Estamos nos esforçando”.
Internos que ficam além do tempo permitido
Questionada sobre a permanência de internos nas unidades de atendimento inicial ou de internação provisória além do tempo permitido, a diretora explicou que essa é outra consequência da falta de vagas. “Isso acontece porque o prazo acaba e não temos para onde mandar esse adolescente. Estamos fazendo o esforço de diminuir o excendente, de buscar novas vagas. E isso é feito no cotidiano, com a liberação de internos”, disse.
Atividades
Em relação à reclamação feita por uma das mães, que alega que o filho passa o dia todo “trancado”, o Instituto informou que os adolescentes têm direito, diariamente, a atividades esportivas e que envolvam cursos, escolarização e oficinas, por exemplo. Segundo o Iases, apenas a Unai não oferece esse tipo de atendimento.
Projetos
Segundo Ana Maria, há projetos de construção e reforma de unidades, que devem gerar mais 342 vagas de internação. As ações previstas são: construção de uma unidade de internação na região neo norte e uma na região metropolitana, planejamento de implantação de duas casas de semi liberdade, que ficarão em Cachoeiro e Linhares, ampliação do número de vagas do Centro Socioeducativo de Atendimento, ampliação de vagas na Unidade Feminina de Internação e retomada das obras em uma unidade da Grande Vitória, que deverá substituir a Unai.
Para ela, mais importante que a construção de novas unidades, é o aperfeiçoamento do sistema. “Nós temos que construir novas unidades, mas temos, principalmente, que aprimorar o movimento socioeducativo, criar na sociedade a cultura da semiliberdade. Vamos avançar com a implantação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), da Comissão Intersetorial da Socioeducação e do plano decenal, onde propomos metas para os próximos dez anos”.
Ela garantiu que as medidas educativas necessárias aos adolescentes estão sendo tomadas. “O nosso foco é ampliar as oportunidades educacionais, culturais, de lazer, para que eles possam evoluir no processo educativo. A garantia dos direitos do adolescente em regime de educação têm se efetivado, se assegurado. Não tanto quando o desejado, mas têm. É uma conquista ter unidades com educação, professores dando aulas. Esse é um projeto politico-pedagogico caríssimo, e isso está sendo feito”, disse.
Além disso, no dia 15 de abril, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ-ES) começou a fazer uma reavaliação dos processos dos adolescentes que estão internados nas Unidades Socioeducativas da Região Metropolitana. Todos os casos avaliados foram de atos infracionais leves, em sua grande maioria, furto. No primeiro dia, 68 adolescentes foram avaliados. Já no dia 28 de abril, foram reavaliados outros 72 adolescentes, que são da Região Norte, mas estão cumprindo medida na Região Metropolitana de Vitória.
Ao todo, foram 20 extinções de medidas socioeducativas; 37 progressões para liberdade assistida; 22 progressões para prestação de serviços à comunidade; 14 progressões para semiliberdade; 32 internações mantidas; oito internações mantidas com transferência para Centro Socioeducativo (CSE); duas transferências para CSE; uma internação mantida com transferência para Minas Gerais; duas manutenções da semiliberdade; duas extinções por litispendência; um alvará de soltura em virtude do adolescente ter feito 21 anos e uma transferência para Casa República.
Para a diretora, a reavaliação indica que o Judiciário tem sido parceiro do Iases no atendimento de jovens em conflito com a Lei, e mostra o trabalho conjunto entre os dois órgãos. “A iniciativa atende nossa expectativa primeiro por que teremos a possibilidade de reduzir um pouco o quantitativo em algumas unidades e depois por mostrar que temos juízes identificados com a socioeducação e dispostos a colaborar conosco em nossas demandas”.
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