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Domingo - 20 de Julho de 2014 às 18:47

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G1 DF

Os mesmos versos que introduzem à história de amor de "Eduardo e Mônica", questionando haver razão "nas coisas feitas pelo coração", poderiam anunciar o entrelace improvável de um casal que atualmente mora em uma parada de ônibus na DF-140. Mas a reação inicial à união causa algum espanto: Maria [nome fictício], de 45 anos, largou os seis filhos para viver com o ex-presidiário João [também fictício], de 50, que diz ter passado 26 anos na cadeia por ter matado 15 pessoas.

Os dois decidiram se mudar para o local, próximo ao Complexo Penitenciário da Papuda, há pouco mais de um mês. O homem foi posto em liberdade no final do ano passado e escolheu morar na rua para "não incomodar" familiares e amigos. Eles improvisaram uma barraca e sobrevivem com a ajuda de doações de quem passa pela região – inclusive de agentes da cadeia. A Secretaria de Segurança Pública informou ao G1 que João cumpriu pena por oito roubos qualificados.

Maria, que conheceu o companheiro há cinco anos, em uma confraternização ocorrida durante saidão, diz ter certeza da decisão tomada. Na época, a mulher já estava separada e trabalhava como faxineira em um bar. Os filhos, que hoje têm entre 16 e 22 anos, moravam com ela.

"Esse homem foi melhor do que ganhar na Mega Sena. Ele me dá tudo o que eu preciso, é só o ouro. Tem muita paixão, muito amor entre a gente. Eu o conheci e me apaixonei assim", disse. "Eu não gosto que critiquem minha decisão. Meus filhos já não eram mais pequenos e hoje moram com a irmã mais velha. É um problema só meu."

Natural de uma cidade do interior da Paraíba, João conta se dar bem com os enteados. Ele diz ser filho de um policial civil aposentado e afirma que praticou o primeiro crime quando ainda era menor de idade, depois de ouvir que a filha do vizinho havia sido estuprada. O ex-presidiário garante que matou 15 homens – e em todas as ocasiões usando um facão – com a intenção de fazer justiça e que nunca se aproveitou do crime para levar vantagem pessoal.

Entre as situações que o impulsionaram a isso estariam roubos a conhecidos e a morte do primogênito, entre 17 filhos, por engano. "Ele tinha 16 anos. Foi em 1989. Era a minha vida. Aquilo mexeu comigo", declarou. "Meus colegas sempre me chamavam para resolver as coisas. Eu dizia que daríamos um jeito, que não podiam prejudicar pai de família. Apesar de o meu pai ser policial, eu não confiava nesse povo."

João diz que aproveitou o tempo preso para terminar o ensino fundamental e participar de oficinas, como de pintura, serralheria, jardinagem e panificação. Além disso, adotou a religião evangélica e lembra que chegou a fazer pregações para os colegas de cela.

"Quando a pessoa não conhece as coisas de Deus, fica cega. Eu achava que estava fazendo justiça, mas estava fazendo mal a mim mesmo. Eu nunca usei drogas. Vez ou outra tomo cachaça, mas é só. Eu acho que as pessoas só não mudam quando não querem. Eu aprendi e quero recomeçar", afirma.

O ex-presidiário diz que levou currículo a empresas de ônibus e que tem feito bicos para se manter – catando material reciclado ou vendendo "besteiras" dentro do ônibus. Ele garante que aprendeu com tudo o que passou e que não pretende voltar à prisão.

"Quero fazer o máximo para evitar cometer crime de novo, mas Deus o livre uma pessoa fizer mal a ela [Maria]. Não tenho mais intenção de matar, vou me controlar, é claro. Melhor é ficar solto, em liberdade. A cadeia é muito ruim. Você vê gente morrendo, comida péssima, é desrespeitado, te ignoram quando você está doente. Eu me sentia mal quando meus filhos iam me visitar. A pessoa esta lá para se recuperar, mas como fazer isso sendo maltratada? Você se revolta mais", declarou.

João conta que não aceitou a ajuda dos pais e dos familiares também como parte desta aprendizagem. Segundo o ex-detento, a família pensa que ele está viajando e nem imagina que ele dorme na rua. Até com os filhos o contato ficou restrito. "Se nada der certo, vou com minha mulher para a Paraíba, até a pé. Mas dos outros não dependo", concluiu.

Moradores de rua

Dados da Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda apontam que o DF tem mais de 2,5 mil moradores de rua. A pasta conta com 28 equipes que visitam essas pessoas e oferecem vagas em casas de abrigo. Segundo o governo, no entanto, nem todas aceitam.

João e Maria, por exemplo, receberam assistentes sociais em três ocasiões, mas não quiseram deixar a parada de ônibus da DF-140. Nos abrigos, eles teriam acesso a acompanhamento psicológico e social e poderiam retirar documentos pessoais de graça, além de ganhar orientações para voltar ao mercado de trabalho. O tempo de permanência nestas casas é de, no máximo, 90 dias.





Fonte: Do G1 DF

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