MA: índios Ka’apor estão sitiados e ameaçados por madeireiros
A caçada e aprisionamento de madeireiros ilegais que agiam nas matas da Terra Indígena Alto Turiaçu, próximo ao muncípio Centro do Guilherme, no norte do Maranhão, promovida por índios da etnia Ka'apor, era previsível e expõe a inoperância do governo brasileiro em fiscalizar e defender os povos indígenas no país. O fotógrafo Lunae Parracho, da agência Reuters, documentou (veja) no dia 7 de agosto quando os guerreiros Ka'apor amarraram os criminosos, tiraram a roupa de alguns deles, jogaram gasolina e e atearam fogo nos caminhões usados pelos madeireiros.
As fotos foram divulgadas nesta quinta-feira (4), mas é crescente a tensão na região. O antropólogo José Mendes, de 38 anos, que atua em defesa dos Kaápor, alertou em entrevista exclusiva ao Blog da Amazônia, na manhã desta sexta, que a decisão dos indígenas, de resguardarem e defenderem suas terras por conta própria, resultou em ameaças de morte dos madeireiros contra os índios e suas terras. O antropólogo teme que "as ameaças se transformem em agressões de fato” na próxima semana.
- Após a última operação autônoma, os indígenas foram ameaçados de morte e estão sitiados na aldeia. Cerca de 100 indígenas estão reunidos, em atividades de formação pedagógica e política, que pode culminar em ação defesa de suas terras e em conflitos com os madeireiros a partir de segunda-feira. Estamos preocupados, pois existe 90% de probabilidade de que os índios voltem a fazer vigilância e fiscalização de sua terra, caçando e prendendo os madeireiros invasores que continuam lá. Estamos no município de Zé Doca e só conseguimos sair dois, para buscar apoio e comprar comida e combustível para facilitar nosso deslocamento na aldeia. Não podemos ficar muito tempo aqui porque somos seguidos e os madeireiros, depois de aliciar alguns indígenas, já sabem quem são as lideranças e as pessoas de apoio. Viemos em duas pessoas porque é muito perigoso que as lideranças indígenas deixem a área, pois estão ameaçadas de morte – relatou Mendes.
Na Terra Indígena Alto Turiaçu, que mede 530 mil hectares, vivem 1,9 mil indígenas e todos ainda são falantes da língua original. A TI dos Ka'apor fazem limite, ao norte, com o rio Gurupi; ao sul, com os afluentes meridionais do rio Turiaçu; a oeste, com o Igarapé do Milho; a leste, com uma linha no sentido noroeste-sudeste quase paralela à rodovia BR-316.
De acordo com o antropólogo, de 24 ramais abertos para exploração ilegal de madeira há um ano, dois ainda continuam ativos.
- Os madeireiros estão aliciando indígenas, entregando cachaça, embebedando-os em algumas áreas para que delatem os nomes de lideranças e de pessoas que organizam e planejam ações em defesa e proteção do território. A situação é tensa porque existe conivência e aparato de prefeitos, pecuaristas e madeiros da região. Todos os donos de serrarias são pecuaristas ou políticos. O medo dos índios é encontrar madeireiros armados. Os madeireiros estão pressionando pela expulsão de indígenas em duas localidades, mas eles estão resistindo e dispostos a qualquer tipo de conflito.
O antropólogo disse que a Funai tem boicotado a ação dos indígenas em defesa de sua terra e que alguns servidores foram afastados por causa do envolvimento no comércio de madeira explorada ilegalmente na área.
- A Funai faz de tudo para boicotar. Não envia recursos, não fiscaliza, e sequer dá retorno dos apelos que as lideranças fazem aos servidores em Imperatriz. Como os índios tomaram a dianteira na defesa da terra e pediram a exoneração de todos os servidores nos últimos dois anos, todos envolvimento na venda ilegal de madeira, existe uma represália. O Distrito Sanitário Especial de Saúde boicota porque existem dois indígenas fazendo a gestão do pólo de saúde. Não são contratados, mas estão na gestão.
A invasão da Terra Indígena Turiaçu de madeireiros e fazendeiros tem resultado em desmatamentos e na ocupação por sem-terras incentivados por grileiros e políticos locais. A região é marcada por tensão e pela escalada da violência. Já foram registrados vário ataques de posseiros e de madeireiros às aldeias indígenas e contra-ataques dos índios aos acampamentos de posseiros e madeireiros dentro de suas terras. A Terra Indígena foi homologada em 1989, mas desde 1993 aos menos dois indígenas foram mortos.
Alerta do MPF
A situação de conflito na Aldeia Cumaru envolvendo indígenas Ka'apor e madeireiros ilegais no interior da Terra Indígena Alto Turiaçu, e, também, uma possível invasão da Terra Indígena Caru, desde maio preocupa o Ministério Público Federal no Maranhão, que chegou a encaminhar ofício à Policia Federal (PF), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Fundação Nacional do Índio (Funai).
Os fatos foram denunciados pela Frente de Proteção Etnoambiental Awá-Guajá, precisamente no dia 19 de maio, que encaminhou documento ao MPF/MA. De acordo com o documento, madeireiros foram surpreendidos por um grupo de indígenas, tendo sido apreendidas duas motos por eles utilizadas, o que motivou represália por parte dos invasores em atitudes intimidatórias, inclusive ameaças, em iminente situação de possível conflito.
O documento ainda relata uma possível invasão da Terra Indígena Caru, segundo denúncia de liderança da Aldeia Maçaranduba, a qual estaria sendo ameaçada por indígenas da própria aldeia que pretendem firmar acordo com madeireiros da região.
Naqueles mês, o procurador da República Alexandre Soares assinalou que as situações envolvendo conflitos entre indígenas e madeireiros em razão da exploração de madeira ilegal no interior de Terras Indígenas e de flagrantes realizados pelos próprios indígenas não constitui episódios isolados, sendo recorrentemente narradas ao MPF.
- Acreditamos que a ausência de respostas rápidas dos órgãos competentes para agir nessas situações, tais como presença fiscalizatória constante e responsabilização dos agentes infratores, estimulam esse tipo de ação – disse o procurador Alexandre Soares.
O MPF pediu que a Funai, Ibama e PF adotassem medidas urgentes visando à proteção dos indígenas e informasse quais medidas foram adotadas. A própria Justiça Federal já reconheceu isso e condenou o Ibama, a Funai e a União a manterem postos de fiscalização para coibir a atividade ilegal de devastação no interior das Terras Indígenas Alto Turiaçu, Awá Guajá e Caru, com estrutura e pessoal necessários.
Funai
Consultada pela reportagem, a assessoria da presidência da Funai em Brasília disse que o órgão “vê de certa forma como inevitável” a ação dos próprios indígenas na defesa de seus territórios.
- Como se trata de uma ação dos indígenas e não da Funai, não vamos nos manifestar em nota. A Funai tem acompanhado e solicitou apoio à Secretaria de Segurança do Maranhão quando os indígenas fizeram caçada de madeireiros. Fizemos isso para para evitar que ocorra excesso e para que ninguém morra – acrescentou a assessoria.
Na terça-feira (2), um grupo de 20 pessoas invadiu a região norte da Terra Indigena Awá-Guajá, no antigo povoado de Vitória da Conquista, também no Maranhão, alvo de uma recente operação de desintrusão promovida pelo governo federal. A Funai entende que as pessoas que ocuparam a TI são antigos ocupantes que estão aguardando do Incra diálogo e assentamento para que possam saber o destino deles.
A equipe que atua na proteção da TI Awá-Guajáe se limita a três servidores da Funai e quatro militares do Batalhão da Polícia Ambiental do Maranhão, o que é considerado insuficiente para monitorar e fiscalizar.
A equipe interceptou, no final de julho, uma ação de 16 madeireiros que atuavam com tratores e caminhões. Eles foram apenas informados que estavam numa ação ilegal dentro de terra indígena. Segundo a Funai, os servidores estão em situação de risco e pediu apoio da PF para retirada dos invasores, cientificando que os madeireiros podem voltar.
A Funai informou que encaminhou ao Ministério da Justiça um plano emergencial para atuar em defesa de índios isolados, incluindo a área onde os Ka'apor caçaram os madeireiros. Até agora a Funai não obteve nenhuma resposta do ministério sobre o plano no valor de R$ 5 milhões.
A Funai possui 2,8 mil servidores e reclama que perdeu mais de 400 deles nos últimos quatro anos por motivos variados. Desde 1988 só houve um concurso em âmbito nacional, em 2010, quando foram contratados 543 servidores. A Funai informou que tem um díficit de 2 mil vagas e tem comunicado ao Ministério do Planejamento sobre a sua situação crítica.
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