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Cidades/Geral
Sábado - 29 de Novembro de 2014 às 05:46

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O parecer do Ministério Público em que é pedida a manutenção da prisão preventiva dos réus para influenciá-los a “colaborar na apuração” vem causando preocupação em quem entende do assunto. Professores ouvidos pela ConJur a respeito do assunto foram unânimes em, além de discordar do posicionamento do procurador do caso, afirmar que seu entendimento viola as leis penais e a Constituição Federal.

Esse parecer foi dado em Habeas Corpus impetrados por réus investigados pela operação “lava jato”, conduzida pelo Ministério Público Federal em Curitiba. É nessa operação que se apuram denúncias de que diretores da Petrobras cobravam aditivos financeiros de empreiteiras durante a assinatura de grandes contratos.

Os HCs foram impetrados no Tribunal Regional Federal da 4ª Região contra a transformação de prisões temporárias em prisões preventivas. O desembargador federal João Pedro Gebran Neto negou os pedidos de liminar e suas decisões foram depois mantidas pelo Superior Tribunal de Justiça.

Foi no mérito dos pedidos de HC que o procurador da República Manoel Pastana (foto), que atua em casos penais no TRF-4, opinou pela manutenção das prisões preventivas. Segundo ele, “a conveniência da instrução criminal” se mostra presente “na possibilidade de a segregação influenciá-lo [o réu] na vontade de colaborar na apuração de responsabilidade”, conforme reveloureportagem da ConJur publicada na quinta-feira (27/11).

Embora tenha causado antipatia em operadores do Direito, o procurador Pastana afirma que jamais defendeu a prisão provisória como forma de forçar os investigados a confessar, ou colaborar com a investigação. "O que sustentei foi a prisão preventiva como forma de corroborar a delação premiada. Isso é diferente de 'forçar a confissão', mesmo porque a delação é um instituto legal, previsto em diversos textos de leis."

A questão já virou motivo de preocupação no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. O conselheiro federal Guilherme Batochio pediu que a entidade "adote as medidas cabíveis contra quem de direito" e se manifeste publicamente sobre o que ele classifica como "supina ilegalidade, consubstanciada na instrumentalização da prisão processual para o fim de se arrancar confissões ou delações premiadas".

O presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, afirma que o Plenário da entidade haverá de se manifestar sobre o tema para tirar uma posição institucional. "O compromisso da OAB há de ser sempre com o respeito ao devido processo legal e à presunção de inocência, em todo e qualquer caso, pois estes são princípios constitucionais", diz o advogado.

Os advogados que trabalham para defender os réus da “lava jato” ficaram perplexos com o parecer. A manobra de prender os acusados para força-los a delatar outros envolvidos no caso já era comentada entre eles há bastante tempo. Foi inclusive denunciada pelo criminalista Alberto Zacharias Toronem entrevista à ConJur. O que chamou a atenção de todos foi o procurador escrever isso em um parecer e enviá-lo ao tribunal.

A mesma perplexidade demonstrou o advogado Aury Lopes Jr. (foto), doutor em processo penal e professor da matéria na PUC do Rio Grande do Sul. Segundo ele, o episódio é mais um exemplo da “degeneração das prisões cautelares”, que vêm sendo usadas “como um meio de constrangimento situacional para obtenção de confissões ou delações premiadas, que posteriormente serão usadas como provas”.

“Ou seja, uma releitura do modelo medieval, em que se prendia para torturar, com a tortura se obtinha a confissão, e, posteriormente usava-se a confissão como a rainha das provas", diz.

Para o jurista Miguel Reale Junior, professor da USP e penalista renomado, o Ministério Público "erra ao justificar o pedido nessa perspectiva". "A prisão preventiva não pode se justificar como instrumento de pressão para ser feita delação", comentou.

Lenio Streck (foto), hoje professor e advogado, mas que tem uma carreira de mais de 20 anos no Ministério Público do Rio Grande do Sul, concorda. Streck, que é, também, um dos maiores estudiosos de processo penal do país, disse à ConJur que a situação “parece coisa de filme policial tipo Charles Bronson” — em referência ao intérprete do protagonista do clássico filme B de ação Desejo de Matar, no qual um arquiteto, depois de ver sua família assassinada e o sistema falhar em punir os culpados, resolve tomar para si a responsabilidade de matar os assassinos.

O procurador Manoel Pastana, autor do parecer, defendeu suas posições em entrevista à ConJur. Ele disse que a delação premiada é uma figura nova no Direito Penal brasileiro, e por isso exige novas soluções. É o artigo 312 do Código de Processo Penal que fala na “conveniência da instrução criminal”, e o procurador entende que o “encorajamento à confissão” pode ser enquadrada nesse “conceito amplo”.

Lenio Streck discorda veementemente. Com essa interpretação, comenta Lenio, “o procurador acrescentou nova hipótese ao artigo 312 do CPP e acabou com a presunção de inocência”. “A polícia e o MP não conseguem provas sem delação? Querem inverter o ônus da prova? Caímos na república da responsabilidade objetiva-penal? Bronson era ficção, mas o procurador Pastana é realidade. Eis a questão que assusta”.

O que mais preocupa o professorGeraldo Prado (foto), catedrático de Direito Processual Penal da UFRJ, é o fato de um membro do Ministério Público ter defendido tal interpretação. É que o MP, quando atua em segundo grau, faz o papel de fiscal da lei e “tem a função de velar pelo fiel cumprimento da Constituição”, afirma Prado.

Prado também se preocupa com o fato de questões como essa terem o potencial de comprometer toda a investigação, de cuja importância ninguém duvida. “No lugar de defender a ordem constitucional, que presume inocente o acusado e o protege contra iniciativas que visam constranger a produzir confissões — que podem não corresponder à verdade, como está provado na boa literatura — o MPF prega o emprego da prisão provisória como método destinado a burlar a garantia que tem o dever de resguardar. Iniciativas do gênero desacreditam o processo penal e, ao contrário do que postula o MPF, podem levar ao comprometimento da própria investigação."

*Texto alterado às 18h13 do dia 28 de novembro de 2014 para acréscimos.





Fonte: Consultor Jurídico

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