Governo dá primeiros sinais de preocupação com abastecimento de energia O nível das represas em pleno período úmido é ainda pior que o registrado em 2001
Embora o governo não admita a necessidade de racionamento de energia enquanto espera o comportamento das chuvas até abril, medidas adotadas recentemente para economizar energia sinalizam preocupação com o risco de faltar eletricidade, num cenário similar ao ocorrido antes do racionamento de 2001.
A diferença principal, na avaliação de especialistas, é que o governo está demorando para iniciar uma ampla campanha de redução do consumo, o que deveria ter ocorrido já no ano passado.
O baixíssimo nível das represas em pleno período úmido é ainda pior que o registrado antes do racionamento de 2001. Por outro lado, naquela época não havia tantas termelétricas disponíveis para reforçar a geração de energia e o intercâmbio de eletricidade entre as regiões do país, por meio do sistema de transmissão, era menor.
Especialistas avaliam, porém, que as térmicas estão acionadas por um período muito maior que o planejado inicialmente e podem não dar conta de suprir a demanda ao longo do ano sem racionamento, na falta das hidrelétricas, caso as chuvas não fiquem muito acima da média até abril.
O ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e secretário de Energia do Ministério de Minas e Energia na época do racionamento, Afonso Henriques Moreira Santos, considera inclusive que deveriam ter sido construídas mais térmicas além do que foi construído após o racionamento de 2001.
Primeiros passos
Apenas recentemente o governo federal começou a falar em ações de eficiência energética para economizar energia.
Na semana passada, foi publicada portaria estabelecendo medidas para monitorar o uso de energia elétrica e água em órgãos da administração pública federal.
O setor público federal terá que reduzir consumo por meio de uso consciente do ar condicionado, desligamento de computadores e outros equipamentos quando não estiverem sendo utilizados, entre outras ações.
O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, disse que a intenção é reduzir em até 30 por cento o consumo de energia em prédios públicos federais.
O governo federal também promete disponibilizar na Internet uma cartilha com dicas para redução do consumo de energia a todos os consumidores do país, mas a adesão será voluntária.
Além das medidas já anunciadas para reduzir o desperdício de energia, o governo federal prepara outras ações para aumentar a oferta, como o estímulo a grandes empresas (indústrias e shoppings, por exemplo) para aumentarem sua geração própria de eletricidade por meio de geradores.
O governo também já autorizou a retomada da geração na usina termelétrica de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, processo complexo que demanda acordo para uso de gasoduto da Argentina e importação de combustível.
Questionado se essas medidas buscam justamente evitar ações mais extremas, como um racionamento, o Ministério de Minas e Energia disse que somente no final de abril poderão ser feitas avaliações mais conclusivas.
"Devido à grande variabilidade das afluências aos reservatórios das usinas hidrelétricas no chamado período úmido, que vai de dezembro a abril, análises e avaliações mais conclusivas sobre as condições energéticas do sistema elétrico brasileiro serão obtidas ao final deste período, ou seja, ao final do mês de abril", disse o ministério, em nota.
Para a ex-diretora da Aneel Joísa Campanher Dutra, além das incertezas em relação ao clima não se sabe qual será a reação dos consumidores ao forte aumento previsto para as tarifas neste ano.
"A crise não tem um momento dado, depende de um conjunto de fatores, como a atividade econômica, o aumento dos preços e o clima", disse Joísa.
A energia mais cara é uma das apostas dentro do governo para que os consumidores optem, voluntariamente, pela redução do consumo --segundo projeções do setor, os reajustes totais no ano podem chegar, em alguns casos, a até 60 por cento. Mas a ex-diretora alerta que os fortes aumentos das tarifas podem levar a um aumento da inadimplência.
Na prática
O ex-secretário do Ministério de Minas e Energia Moreira Santos avalia que a gravidade da situação atual é similar a vivida antes do racionamento de 2001.
Segundo Moreira Santos, as discussões sobre o racionamento em 2001 começaram no fim de março, quando também foi discutida a redução do consumo nos prédios públicos, e também o corte de carga programado --mas essa última sofreu forte oposição e não foi acatada na época, segundo ele.
Posteriormente, o governo lançou uma campanha para que houvesse economia de energia e em julho daquele ano começou o racionamento com meta de redução de 20 por cento do consumo.
Para o físico, professor e ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), José Goldemberg, que participou das discussões na época do racionamento de 2001, a atual situação já é de racionamento de energia.
Goldemberg vê o apagão orquestrado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) em 19 de janeiro deste ano como um racionamento, já que o ONS teve que escolher onde seria cortada a oferta de eletricidade por não conseguir atender toda a demanda naquele momento.
"O que o ONS fez foi um racionamento seletivo, porque senão haveria um apagão geral", disse o ex-reitor da USP.
Dados atualizados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) divulgados nesta sexta-feira mostram que o cenário não mudou mesmo com as chuvas mais intensas nesta semana.
O Sudeste, principal centro de consumo do país e que concentra 70 por cento dos reservatórios das hidrelétricas, terá chuvas equivalentes a apenas 58 por cento da média em fevereiro, quando seriam necessárias aflûencias muito acima da média para recuperar as represas a um nível confortável antes do início do período seco.
Apesar de o discurso oficial do governo ser de negar a necessidade de racionamento, técnicos que estavam no governo em 2001 e que continuam trabalhando no governo federal dizem que, se houver o comando político, é possível lançar rapidamente um plano de racionamento, graças à experiência adquirida no episódio anterior.
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