Médica diz ter sido vítima de racismo por causa de dreadlocks
Uma médica gaúcha negra de 30 anos acusou a secretária de Saúde do município de Santa Helena, no Paraná, de racismo. A clínica geral Thatiane Santos da Silva diz ter ouvido de Teresinha Bottega e de sua secretária, identificada apenas como Cristina, durante uma reunião de trabalho, no último dia 19, que os dreaclocks que usa poderiam ser um problema, já que os pacientes da cidade estariam acostumados “com um padrão de médicos”.
Thatiane prestou queixa da ofensa na delegacia de Santa Helena. Ao EXTRA, a investigadora Isilda Figueiredo confirmou que o caso foi registrado como injúria racial. Segundo ela, a médica deve ser ouvida nesta terça-feira. A secretária de Saúde também será chamada para depor.
- Ao que tudo indica, ela será indiciada por injúria racial - disse Isilda.
Segundo o relato feito pela médica aos coordenadores do Programa Mais Médicos e publicado na página do blog “Ofensiva Negritude” , uma das mulheres disse que seu cabelo “exalava um cheiro forte, estranho”. Em seu desabafo, Thatiane - que estudou medicina em Cuba, se formou em 2012 e teve o diploma reconhecido pelo Revalida - pede providências ao Ministério da Saúde e afirma ter se sentido discriminada.
“Sinceramente me senti sim discriminada, posto que o que pensam a respeito da minha aparência é pessoal de cada indivíduo, porém não necessariamente deve ser verbalizado sem saber que podem gerar consequências para além das legais, psicológicas, físicas, mentais e espirituais”, relatou. No fim da mensagem, a clínica geral diz ser “preta, africana, mulher, de dreadlocks e médica. Quer queiram quer não”.
A mensagem da médica já foi compartilhada por várias ONGs de combate à desigualdade racial, incluindo o Geledés - Instituto da Mulher Negra.
Leia a íntegra do desabafo de Tathiane:
“Boa noite coordenadores do Programa Mais Médicos
Sou médica brasileira formada no exterior e revalidada, alocada no município do Paraná, na cidade de Santa Helena na segunda chamada.
Hoje pela tarde, a Secretária municipal de saúde, Sra Teresinha Bottega e sua secretária, Cristiane, me chamaram para organizarmos as atividades a serem realizadas na estratégia de saúde da família. Porém ao entrar na sala da Secretária de saúde, a mesma verbalizou que sentia muito falar disso, porém havia um problema: meu cabelo. Que os pacientes estavam acostumados com um padrão de médicos, e que eu poderia encontrar dificuldades pelo preconceito que meus pacientes poderiam ter com meu cabelo. A Sra Cristiane perguntou se eu usava aplique, que meu cabelo exalava um cheiro forte, estranho, e a Sra Teresinha completou que parecia incenso. Eu falei que estamos dentro de uma sociedade onde 50% e mais da população é negra, e que o contexto sócio-histórico no qual estamos inseridos de racismo, discriminação e preconceito, faz com que as pessoas tenham reações racistas, discriminatórias e preconceituosas, porém que estes fatos não iriam influenciar na minha capacidade profissional e relação médico paciente. Que sim o racismo existe e que enquanto intelectual e profissional da saúde, não poderia responder de outra forma que não intelectualmente apenas emanando e demandando respeito enquanto ser humano e profissional, e que as diferenças existem para que sejam superadas da melhor forma possível. E que eu não gostaria de nenhum comentário a respeito do meu cabelo, simplesmente isso. Cada pessoa deve ser respeitada independentemente de seu cabelo, cor da pele, crenças ou escolhas pessoais, e que as mesmas não podem interferir na qualidade profissional, portanto nem deveria ser ponto de pauta de uma reunião para definição de trabalho.
Sinceramente me senti, sim, discriminada, posto que o que pensam a respeito da minha aparência, é pessoal de cada indivíduo, porém não necessariamente deve ser verbalizado sem saber que podem gerar consequências para além das legais, psicológicas, físicas, mentais e espirituais.
Sou preta, africana, mulher, de dreadlocks e médica. Quer queiram quer não.
Ao final desta pauta seguimos com as realmente relativas ao trabalho, sem nenhum tipo de retratação de ambas por conta de suas infelizes colocações.
Aguardando uma posição do Ministério da Saúde”.
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