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Comportamento
Sexta - 27 de Março de 2015 às 06:35

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(Foto: Cauê Fabiano/G1)
Calouro da Faculdade de Direito da USP toma cahaça durante trote
Calouro da Faculdade de Direito da USP toma cahaça durante trote

Os estudantes universitários do sexo masculino têm as chamadas “bebedeiras” (alto consumo de álcool em um curto espaço de tempo) mais frequentes nos anos finais do curso do que nos anos iniciais, segundo pesquisa feito pelo psicólogo Alexandre Fachini com alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no campus de Ribeirão Preto, em sua tese de doutorado em saúde mental pela USP. Exigências como trabalhos de conclusão e estágios afastam os alunos mais veteranos das 'baladas' corriqueiras dos estudantes. Em compensação, quando bebem, o consumo é maior.

O levantamento apontou que o padrão de bebida em excesso se torna mais comum entre os homens no período final da faculdade, indo de 15,4% dos alunos entrevistados quando estavam nos anos iniciais do curso para 40,7% quando já estavam mais perto da conclusão. Já entre as mulheres, o índice cai de 22,8% no início do curso para 15,4% nos anos finais.

“As responsabilidades dos períodos finais do curso diminuem as possibilidades e oportunidades de consumo, ou seja, o que era consumido ao longo dos dias de uma semana, com menos oportunidades, passa a ser consumido em apenas um dia ou dois dias”, destaca Fachini, que é professor do curso de Psicologia do Centro Universitário de Araraquara (Uniara).

Em entrevista ao G1, o psicólogo destacou que a prática de beber muitas doses de álcool em pouco tempo, conhecida como binge drinking, é muito frequente no meio universitário. No sábado (28), o estudante Humberto Moura Fonseca, de 23 anos, morreu após ingestão excessiva de álcool em uma festa universitária no estilo “open bar”. Segundo testemunhas, ele teria tomado 25 doses de vodca. Fonseca era aluno do terceiro ano do curso de engenharia elétrica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Bauru. Confira a entrevista:

G1 - Por que o álcool é um elemento tão presente na vida dos estudantes universitários?
Prof. Dr. Alexandre Fachini - Primeiro pela facilidade de acesso às bebidas alcoólicas. Depois, pelos valores culturais e sociais associados ao consumo de álcool (hábitos de consumo e de relação construída com o álcool, cujo início ocorre antes da universidade). Segundo estudos nacionais realizados pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), a prevalência de uso abusivo de álcool entre universitários é de 19,2% e de 3% na população geral.

Como a bebida é usada como forma de inclusão e confraternização entre os estudantes?
Em geral, é uma relação subjetiva em que o jovem se sente "mais igual" e "aceito" pelo grupo na medida em que compartilha das mesmas regras e valores (exemplo, o comportamento do uso de álcool). Além disso, algumas crenças sobre o consumo de álcool parecem desejáveis nos relacionamentos sociais como a sensação de relaxamento. Historicamente, o álcool está presente nos rituais do homem (o trote é só mais um deles).

Quem não participa dessas sessões de bebida costuma ser ou se sentir excluído?
Não gostaria de cair em generalizações para responder esta pergunta. Não posso afirmar que as pessoas que não participem dessa cultura sejam excluídas pelas que participam. No entanto, é verdade que existe uma certa pressão para se compartilhar dessa cultura quando se está nela sem, de fato, beber, ou seja, se está aqui no bar então beba um pouco. É muito comum essa pessoa que está lá e não quer beber começar a se sentir excluída e se excluir (não frequentar esse grupo). Também é possível essa mesma pessoa compartilhar dessa cultura e ceder ao beber quando ela deseja compartilhar daquele grupo e dos atributos deles (exemplo, ser reconhecido como popular e descolado).

O que os jovens em sua pesquisa dizem a respeito de beber muito em pouco tempo? É um desafio ou uma afirmação perante o grupo?
Não tenho dados que me permitam dizer sobre um desafio ou afirmação. Apenas que esse padrão de beber excessivo se torna mais comum entre os universitários do sexo masculino nos períodos finais do curso (de 15,4% nos períodos iniciais para 40,7%). As responsabilidades dos períodos finais do curso (estágios...) diminuem as possibilidades e oportunidades de consumo, ou seja, o que era consumido ao longo dos dias de uma semana, com menos oportunidades, passa a ser consumido em apenas um dia ou dois dias. No caso do aluno morto em Bauru, parece mais uma espécie de afirmação perante o grupo (vi um vídeo em que ele era exaltado pelo grupo enquanto ocorria a competição que culminou na morte dele).

O consumo de bebida tem influência no desempenho acadêmico do aluno?
De forma excessiva sim, como a perda de aulas e problemas de atenção.

Ao entrar na faculdade, o jovem deixa um ambiente familiar e uma situação de competição de conhecimento (vestibular) para trás. A opção pelo álcool justifica essa experiência de 'liberdade'?
Interessante sua observação sobre competição de conhecimento! Esse é um ponto que me parece importantíssimo: liberdade! Essa sensação gera espaço para um comportamento tipicamente adolescente e juvenil que chamamos de sensation seeking ("busca pela sensação"), ou seja, um comportamento do tipo novidadeiro em que o jovem deseja experimentar coisas diferentes que, sob o olhar dos pais, não lhe era possível. Em geral, o ingresso na universidade coincide com a saída de casa e o distanciamento do olhar dos pais, contribuindo para essa sensação de liberdade e o desejo de explorar novas sensações, e a droga encontra um campo fértil aqui.

Algumas universidades estão proibindo a venda e consumo de álcool nas dependências do campus. Ações como essa vão reduzir casos de excesso de bebidas entre estudantes?
No campus sim, mas pouco provável que no contexto da vida universitária. Essa medida apenas retira dos limites da universidade um comportamento que não se restringe ao lugar físico, mas há um contexto mais amplo referente ao universo da vida acadêmica.

O que os pais podem fazer para evitar casos como o de Bauru?
Os valores trazidos da família parecem ser o fator de maior influência sobre o jovem no sentido de protegê-lo do consumo abusivo. Isso implica na relação que os pais têm com a bebida, o quanto e como consomem, se preferem destilados a fermentados, ou seja, são um "modelo" para inúmeros valores e comportamentos dentre os quais o consumo de álcool. Parece que essa é a maior e melhor prevenção.





Fonte: Do G1, em São Paulo

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