Exploração ilegal coloca em risco modelo de extrativismo na reserva
Desmatamento, avanço da pecuária, venda ilegal de terras públicas. A Reserva Chico Mendes enfrenta conflitos que colocam em risco o futuro da maior unidade extrativista no país. No Brasil, existem 89 reservas extrativistas, em 17 estados, onde vivem 53 mil famílias.
Um contraste chama a atenção na reserva Chico Mendes. De um lado, o gado. Do outro, conflitos que põem a floresta em risco.
Por lei, a floresta só pode abrigar famílias que vivem do extrativismo. Mas, de uns tempos para cá, a reserva também passou a ser disputada também por pessoas que chegaram de outras regiões do país.
Milton Galvão era motorista em Rondônia. Ele vendeu o caminhão que tinha e comprou uma colocação, de cerca de 400 hectares de mata, na reserva Chico Mendes. A transação é ilegal porque terras de reserva pertencem à União e não podem ser negociadas.
A associação dos moradores da reserva quer desfazer o negócio, mas Galvão resiste. “Eu não vou sair. Eu não vou correr não. Estou morando lá. Me falaram que eu não podia ir para lá, eu vou. Eu só saio se a justiça me mandar”, diz.
Sustentar a família com os recursos da natureza e manter no campo quem dela depende são regras que definem a seleção de quem irá viver na reserva. Não é bem o caso de Rudson Nunes, que é dono de uma colocação. Ele mora em Xapuri e é funcionário municipal. O rapaz toca na banda da Prefeitura.
Pelos cálculos da associação dos moradores, 10% das pessoas que ocupam a reserva, cerca de 200 famílias, estão ilegalmente nas terras da Chico Mendes.
"Na sua maioria são pessoas que não têm o perfil, que têm outra vida. Às vezes, têm terra fora, têm emprego e compraram alguma posse aqui e não conseguem se regularizar. Alguns usam uma espécie do laranja, ou seja, coloca em nome do João, do Raimundo, e quem está comandando essa área seria outra pessoa lá fora", diz Sebastião Aquino, presidente da Associação dos Moradores da Reserva Chico Mendes.
Na região do seringal Nova Esperança é uma das áreas da reserva Chico Mendes onde a floresta foi mais destruída. As famílias que vivem no lugar não têm o extrativismo como atividade principal. São criadores de gado que querem a independência, a separação da reserva.
Oitenta cabeças de gado, 140 hectares de pasto. O assentado Fernando de Oliveira, que é funcionário público do estado, não se reconhece como extrativista. “Não. Castanha, borracha, que seja o óleo da copaíba, que o pessoal usa muito. Isso aí, ninguém”, diz.
Ele é um dos líderes do movimento que tenta separar as terras do seringal da área da reserva. “Não só eu, como todos os moradores dessa reserva, torce para que isso aconteça. Pelo momento de aqui não ter como sobreviver do extrativismo”, diz Oliveira.
Mineiro de Montalvânia, Raniere Rodrigues acabou de comprar 80 hectares de terra pra criar gado. “Hoje, tem 70 cabeças. E pretendo ampliar. Não pretendo abrir mais pasto e sim, futuramente, quem sabe, adquirir de outros vizinhos ou até em outros lugares. Mas a intenção é de continuar a criar e aumentar”, diz.
A casa de madeira é a residência de Luiz Carlos. Na área, ele também cria umas cabecinhas de gado. Mas o negócio dele é um bar que construiu ao lado. “Eu vendo cerveja, refrigerante, pinga. Sou autorizado pela Polícia militar”, diz.
Mas, segundo a lei que regula a utilização de terras federais, é proibida a venda de bebidas alcoólicas dentro de reservas extrativistas. O barzinho de Luiz Carlos funciona há cinco anos.
O ICMBio tem a tarefa de fiscalizar irregularidades em unidades de conservação. Só na Reserva Chico Mendes, que tem quase um milhão de hectares, há apenas quatro fiscais para dar conta de tudo.
No exercício da função o fiscal Flúvio Mascarenhas recebeu ameaças de um pecuarista multado por derrubar a mata pra aumentar o pasto. “O que mais me assustou nessas ameaças foi o momento que ele falou que se eu não rasgasse a papelada, eu seria morto”, conta.
A família de Rodrigo Oliveira Santos, suspeito de ter feito as ameaças, tem mais de mil hectares de terra dentro da reserva. Parte da área foi comprada de antigos moradores. “Uma ameaça direto, não. Eu tive atritos com ele pela questão do que ele fez, mas eu não fiz ameaça de morte a esse cidadão não”, diz.
A Polícia Federal, que investiga a história, tem no inquérito até a gravação da conversa de um telefonema que o pecuarista fez para o fiscal.
O sociólogo Élder Andrade, professor da Universidade Federal do Acre, é um estudioso das unidades extrativistas do Brasil. “O risco de continuidade dessas unidades da forma como foram pensadas hoje é muito maior e o tempo para reverter isso também é muito menor. Acho que o Chico Mendes hoje vive mais atormentado diante desse cenário bastante adverso e não desejado por ele”, diz.
Roberto Vizentin, presidente do ICMBio, órgão que administra as reservas extrativistas do país, reconhece os problemas da Chico Mendes. Mas, acredita que a situação na reserva está melhorando. “Ao mesmo tempo em que estaria feliz, Chico Mendes estaria protestando, criticando, exigindo, cobrando. Mas eu, certamente, tenho a clareza ele estaria satisfeito porque, afinal de contas, encontraria ainda, com todos esses problemas, a maior parte dos seus conterrâneos, dos seus companheiros de luta presentes, resistindo e comemorando o fato de serem detentores hoje de uma porção muito significativa do território brasileiro”, diz.
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