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Nacional
Sábado - 09 de Maio de 2015 às 08:20

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Desde o ano passado, a falta de chuvas afeta os hábitos de consumidores e empresas nas metrópoles brasileiras. Uma seca mais prolongada, no entanto, pode gerar consequências mais severas, capazes de impactar não só a economia, como também a saúde pública e o meio ambiente.


Dentre as crenças que rondam a crise hídrica, comenta-se que parte da população urbana pode migrar para áreas menos habitadas em um cenário mais extremo. Os mais radicais dão conta de que novas epidemias vão se espalhar rapidamente e provocar uma calamidade pública ocasionada pela falta de água.

Especialistas ouvidos pelo G1 alertam que parte destas previsões não tem fundamento, enquanto outras são possíveis e até mesmo prováveis, caso os reservatórios de água não recuperem seus antigos níveis, especialmente na região Sudeste, a mais afetada. Eles também divergem em alguns pontos.

Veja a seguir o que pensam sobre o futuro da crise da água a especialista em gestão de recursos hídricos e coordenadora da Rede de Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, e o professor de hidrologia e gestão de recursos ambientais da Unicamp, Antonio Carlos Zuffo:
1. A seca prolongada pode causar um êxodo urbano

Verdade
Malu Ribeiro: “Um êxodo ocasionado pela seca é factível. As Nações Unidas e entidades como a SOS Mata Atlântica vêm fazendo este alerta há bastante tempo. Várias crises de falta de água já obrigaram populações e atividades econômicas a migrar para outras áreas. Em alguns setores isso já é perceptível. Indústrias de bebidas, como cervejarias e fabricantes de refrigerantes, já abriram novas fabricas em regiões mais afastadas dos grandes centros. O governo de São Paulo encomendou um estudo prevendo que fábricas nas regiões de Campinas, Baixada Santista e Região Metropolitana de São Paulo passariam a migrar para outros estados por conta da falta de água. Na Grande São Paulo, isso é menos perceptível por ser um polo atrativo de pessoas”.

Mito
Antonio Carlos Zuffo: “Acho exagero dizer que a seca vai ocasionar um êxodo de pessoas. Pode haver a diminuição na média das chuvas pelas próximas duas ou três décadas, como ocorreu na seca prolongada entre 1936 e 1969, depois tende a normalizar. Na década de 1970, as chuvas se normalizaram e essa média subiu em torno de 30%. Ela tende a cair de novo, só não se sabe quanto, mas não a ponto de causar uma migração populacional”.

2. Se voltar a chover como antes, a crise acaba

Mito
Malu Ribeiro: “Esse quadro só pode ser revertido com medidas primordiais, com o fim de todos os desmatamentos. Isso não é impossível, porque há uma sobra de terras já desmatadas e subaproveitadas. Também seria preciso usar o solo urbano de forma mais adequada. Não se pode mais achar que a água virá de áreas distantes. As cidades precisam ter mananciais urbanos utilizáveis. É preciso investir em saneamento. Isso vai criar condições para recuperar as reservas esgotadas e ter sustentabilidade. Precisaríamos no mínimo 5 anos de verões chuvosos pra que esses mananciais se reabasteçam na capacidade plena. Falta muito para recuperar”.

Antonio Carlos Zuffo – “Seria preciso chover entre 35% e 60% acima da média (entre 500 e 1000 milímetros cúbicos) durante todo o ano para recuperar os reservatórios e reverter a situação atual. No mês de abril, choveu 50% acima da média na região do sistema Cantareira e quase 20% acima da média no Alto Tietê, bem acima do início do ano. O problema é melhorar ou manter esse nível até o fim do ano”.

3. Os poços artesianos podem secar nas grandes cidades

Verdade
Malu Ribeiro: “As reservas subterrâneas não são inesgotáveis e dependem de áreas verdes. Os aquíferos não têm florestas para se reabastecer, o solo é contaminado e há risco de os poços não serem próprios para consumo. Cidades que só usam água subterrânea, como Recife (PE) e São José do Rio Preto (SP), têm problemas de rebaixamento do solo pela super exploração dos aquíferos. Em São Paulo, isso levaria a sérios problemas. Inclusive foram proibidas novas captações em algumas regiões. O ideal é que as pessoas façam poços com empresas autorizadas pra não captar água contaminada ou criar problemas mais sérios”.

Antonio Carlos Zuffo: “Os poços não têm recarga. A vazão pode ser mantida se eles vierem de vazamentos da rede da Sabesp, mas em um rodízio de cinco dias, por exemplo, eles podem diminuir drasticamente. Se houver uma recarga artificial constante, o fluxo é mantido, mas na falta de água isso cai rapidamente. A maior parte dos poços tem um volume pequeno de água porque corre entre as fraturas de rochas. Também é preciso fazer uma análise química e biológica para saber se a água é aproveitável e potável, e se serve para lavar louça, fazer a rega de jardim, descargas em banheiros ou lavar calçadas. Essa água em tese não é própria para cozinhar alimentos nem para a ingestão”.

4. A estiagem pode causar um apagão

Verdade
Malu Ribeiro: “Nossa principal matriz energética vem das hidrelétricas, então podemos dizer que o acionamento das usinas termelétricas já evitou um apagão e supriu o déficit de água no Sudeste. Mas isso tem um impacto financeiro e ambiental muito grande. A queda no consumo de energia, com a desaceleração da economia, também ajudou a evitar a falta de eletricidade”.

Antonio Carlos Zuffo: “Esse risco existe, mas como a atividade econômica diminuiu, o consumo ficou menor e favoreceu esse cenário. Também o aumento das chuvas no último mês ajudou a afastar o risco de um racionamento de energia. Mas essa possibilidade ainda é real porque os níveis dos reservatórios ainda estão muito baixos”.

5. Consumir água do mar é uma alternativa possível

Meia verdade
Malu Ribeiro: “O uso da água do mar (dessalinização) não é viável neste momento pelo alto custo e pela quantidade de rios de água doce inutilizável que temos. Fica mais barato despoluir os rios indisponíveis por baixa qualidade do que investir na captação da água do mar. No Sudeste, esta solução não é viável. Mas pra alguns polos industriais que não querem sair de São Paulo por questão de logística e de mercado, essa pode ser uma alternativa. Para o setor público, a dessalinização seria um atestado de falência pelo custo, mas o setor privado poderia investir nessa tecnologia para se beneficiar”.

Antonio Carlos Zuffo: “Depende da cidade. Em São Paulo, a tecnologia seria inviável pelo custo. Sairia muito caro bombear a água do mar para o alto da serra. Mas em cidades litorâneas como Rio de Janeiro e muitas outras da costa brasileira seria uma boa solução, como acontece em países como Espanha e Israel”.

6. A população pode ser obrigada a consumir água de esgoto

Verdade
Malu Ribeiro: “Já existe tecnologia para isso. Mas o aproveitamento dessa água vai depender de um rigor de análise de laboratório e controle de saúde pública muito eficiente. Hoje, é um desperdício usar água de rios para diluir esgoto. O ideal seria usar tecnologias em tratamento e despoluição para tornar a água própria inclusive para beber, mas isso ainda é caro”.

Antonio Carlos Zuffo: “Primeiro é preciso fazer a lição de casa e recuperar a qualidade dos rios urbanos, que estão poluídos, e só depois captar essa água para abastecimento. Se investir em recuperação ambiental, tirar o esgoto dos rios e deixar limpo, isso melhora as condições de saúde da população. Mas o tratamento precisa ser muito rigoroso para ser adequado ao consumo humano”.

7. Indústria e agricultura sempre consomem mais água que as residências

Mito
Malu Ribeiro: “Isso depende do perfil sócioeconômico da região. Na região metropolitana de São Paulo, o consumo doméstico é bem superior ao industrial, por exemplo. Já na região de Campinas, a agricultura e indústria consomem bem mais água. Mas na média do Brasil, a agricultura irrigada e as monoculturas sã0o as que mais desperdiçam água, seguidas do abastecimento público, que tem índices elevados de desperdício. A indústria desperdiça menos pporque ela paga por isso, então precisa ser eficiente. A agricultura não paga por isso, com exceção de alguns setores bem supridos de associações e entidades como o do etanol nos estados do Sudeste”.

Antonio Carlos Zuffo. “O consumo doméstico é maior em muitas regiões. Na região abastecida pelo Alto Tietê, por exemplo, ele ultrapassa 60%, enquanto o consumo industrial fica em torno de 25% e o agrícola é ínfimo. Só é verdade que a agricultura consome mais quando se tira a média nacional e mundial. Em muitas áreas do Brasil, como no Nordeste, o consumo agrícola representa mais de 95%. Mas na maioria das 21 bacias do Estado de São Paulo o consumo doméstico predomina."

8. A produção de alimentos pode ser comprometida

Verdade
Malu Ribeiro: “Já estamos sofrendo com a escassez de alguns alimentos na região Sudeste em nove meses de seca. Isso impactou bem a safra do milho, feijão, arroz e verduras. Produtos orgânicos ficaram mais caros e também a carne vermelha. O gado teve menos grama disponível e foi alimentado com mais suplementos. Os peixes de água doce também ficaram mais caros, como a tilápia do rio Tietê, que praticamente secou nos últimos meses. Essa escassez também impacta na inflação da cesta básica e reajustes nas contas de agua acima da inflação do período”.

Antonio Carlos Zuffo: “Algo semelhante aconteceu na seca entre as décadas de 1930 e 1960. Com menos chuvas, a produção agrícola foi afetada e houve um grande êxodo rural do campo para as cidadesem grande parte ocasionado pela falta de chuvas. Como a irrigação é a tecnologia que mais impacta na produção dos alimentos, uma estiagem pode afetar mais seriamente a oferta destes produtos”.

9. A estiagem piorou o surto de dengue

Meia verdade
Malu Ribeiro: “No estado de São Paulo São Paulo, o surto de dengue deste ano teve total relação com a estiagem, porque as pessoas passaram a armazenar grandes quantidades de água da chuva e de poços de forma inadequada, sem fazer a vedação adequada dos recipientes, estimulando a procriação do vírus causador da doença”.

Segundo o ministro da Saúde, Arthur Chioro, a crise hídrica pode ter influenciado no aumento dos casos da doença, já que, pela falta de água em algumas localidades, houve maior armazenamento de água sem as devidas proteções. Ele apontou, no entanto, que não há como explicar porque em alguns locais onde não faltou água o número de casos de dengue também aumentou.

10. Doenças e epidemias tendem a surgir com mais facilidade

Verdade
Malu Ribeiro: “O risco de contágio de doenças como hepatites e diarreias é bem maior quando há escassez de água. Há chances maiores de se contaminar de várias formas, até mesmo pelo consumo de caminhões-pipa, quando não se sabe qual a origem desta água. Vazamentos de canos também contaminam a água. Sempre que o fornecimento diminui, os casos de contaminação tendem a crescer."

Antonio Carlos Zuffo: “A cada R$ 1 investido em saneamento, economiza-se R$ 4 em saúde pública. Se você tratar a água dos rios, a saúde da população melhora por consequência. Quando chove menos, o esgoto fica mais concentrado e a qualidade da água piora, aumentando a ocorrência de doenças. A redução da pressão na rede faz a água vazar para o solo e ela tende a voltar para a rede com contaminação. A correlação entre doenças gastrointestinais e água contaminada é muito forte”.





Fonte: G1

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