Após 40 anos, Justiça extingue ação da Gleba Cristalino
A Justiça Federal de Mato Grosso mandou extinguir sem apreciação de mérito e depois de uma espera de praticamente 40 anos a ação envolvendo conflito de posse em áreas situadas na Gleba Cristalino, localizada no antigo município de Chapada dos Guimarães (67 Km ao norte de Cuiabá). A Ação Discriminatória, cujo objetivo é separar terras públicas de privadas, foi proposta na década de 70 para definir a propriedade de uma área total estimada em 423 mil hectares, onde hoje estão as cidades de Alta Floresta e Novo Mundo.
Nessas 4 décadas em que o processo aguardou para receber uma decisão, partes como réus e advogados morreram e outras reclamam dos prejuízos que sofreram. A única certeza que eles têm é que a briga jurídica envolvendo a complexa disputa está longe de terminar. São 40 réus no processo, entre pessoas e empresas, incluindo o estado de Mato Grosso e a União. Como autor da ação está o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que nos últimos anos disse não ter mais interesse na causa, o que motivou a extinção do processo sem análise do mérito.
O Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat) também aparece na ação por ser o órgão responsável pelas questões envolvendo regularização fundiária no Estado. A ação tramita na 1ª Vara Federal e foi sentenciada pelo juiz Ciro José de Andrade Arapiraca, no dia 31 de maio deste ano.
Os réus, na verdade, são pessoas que eram proprietárias de terras na região e foram acionadas pela União, dona de uma extensão de 100 quilômetros de largura ao longo da BR-163 já na divisa entre Mato Grosso e o estado do Pará. No entanto, as defesas dos réus contestam o motivo de o Incra ter questionado várias matrículas, envolvendo na disputa toda a gleba de 423 mil hectares e não somente os 100 Km de terras devolutas. O Estado, mesmo na condição de réu, é um dos principais beneficiados com a decisão sem julgamento do mérito, pois em 2010 a União “doou” a área em litígio ao Estado que agora é tido como “dono”.
No andamento do processo, o Incra, a União, o Estado e o Intermat peticionaram a desistência da ação explicando que a Lei 12.310/2010 autorizou a União a doar ao Estado de Mato Grosso as áreas disputadas, fazendo desaparecer qualquer interesse do autor no prosseguimento da ação.
No entendimento da advogada Cleidi Rosângela Hetzel, que defende 3 réus no processo, o juiz federal Ciro Arapiraca, ao se omitir de julgar o mérito, decide que as terras são de propriedade dos réus que têm, segundo ela, como provar através de escrituras que são os verdadeiros donos dos imóveis. Isso porque o magistrado não deu decisão favorável a nenhuma das partes, e, com base na lei que autorizou a "doação”, a ação de litígio precisaria ser extinta para que tudo voltasse como era antes. Ou seja, os réus donos de seus lotes e os 100 Km à beira da rodovia, antes de propriedade da União, passariam para as mãos do Estado.
Cleidi não acredita que o Estado vai reconhecer os réus proprietários se eles não ingressarem com ações na Justiça pedindo a reintegração de posse indireta. Outro agravante é que nesses 40 anos de disputa judicial os réus não puderam ter acesso aos terrenos que ficaram sob responsabilidade da União e acabaram invadidos por posseiros e grileiros profissionais. A advogada avalia a possibilidade de recorrer da decisão e ingressar também com a ações de indenização. Ela afirma que o Incra, enquanto fiel depositário, ou seja, responsável pela área em litígio, permitiu o esbulho das terras. Em outras palavras, nada fez pra impedir a invasão por grileiros e posseiros.
Cleidi explica que os donos têm direito a indenização porque foram impedidos por 40 anos de utilizarem as terras e que o Incra e o Estado permitiram o esbulho. “A União doou aquilo que não era dela, que não está definido. Só tinha direito aos 100 Km e não a toda área em litígio”, enfatiza a jurista, ao explicar que vários proprietários pediram que suas matrículas fossem excluídas da área averbada pois estavam fora do trecho pertencente à União, mas isso não aconteceu. “Infelizmente foram 40 anos de disputa em vão que só fizeram aumentar o descrédito na Justiça”, lamenta a advogada.
Segundo ela, apesar de a decisão ser passível de recurso, caso algum réu recorra e peça o julgamento do mérito para separar as terras, uma nova sentença poderá não ter afeito suspensivo, pois a autora da ação não tem mais interesse de agir. Cleidi comenta que diante da demora para um desfecho no caso, já existiam ações de indenização minutadas prontas pra serem ajuizadas, antes mesmo de saber o resultado da sentença dada no final do mês passado. "O Estado pode alar o que quiser, mas os proprietários têm como garantir a legalidade das matrículas dos terrenos. Eles têm documentos que nunca foram anulados".
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