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Nacional
Segunda - 15 de Junho de 2015 às 20:16

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Cidade de Castelo do Piauí, Norte do estado, foi palco de crime bárbaro no mês passado (Foto: Patrícia Andrade/G1)Cidade de Castelo do Piauí foi palco de crime bárbaro no mês passado (Foto: Patrícia Andrade/G1)

Quase 20 dias após o crime bárbaro que chocou a pequena cidade de Castelo do Piauí, Norte do estado, a atmosfera ainda é de comoção, revolta e medo. Na cidade que tem uma população estimada de 18.466 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a tarde do dia 27 de maio teve um desfecho trágico para quatro amigas que saíram para fotografar no Morro do Garrote – local onde se tem uma visão panorâmica do município.

Após serem agredidas e violentadas, as meninas foram arremessadas do alto do penhasco com cerca de 10 metros de altura. Uma das vítimas, Danielly Rodrigues, de 17 anos, morreu no dia 7. Ela teve esmagamento da face, lesões pelo pescoço e tórax. Das três sobreviventes, uma ainda está internada Hospital de Urgência de Teresina (HUT), e, segundo os médicos, não corre risco de morte. As outras duas tiveram alta e estão na casa de familiares na capital.

Morro do Garrote, local onde as meninas foram violentadas (Foto: Patrícia Andrade/G1)Morro do Garrote, local onde as meninas foram violentadas (Foto: Patrícia Andrade/G1)

Cinco pessoas são suspeitas da série de atrocidades cometidas contra as meninas, que têm entre 15 e 17 anos. Um traficante de 40 anos, que estava foragido da Justiça, foi preso sob suspeita de ser o mentor da barbárie. Entre os investigados, estão quatro adolescentes, também entre 15 e 17 anos, que foram apreendidos horas após o crime. Dois deles confessaram.

Em comum, eles têm passagens por atos infracionais, segundo o Conselho Tutelar e a Delegacia de Polícia da cidade Castelo do Piauí. Foram registradas pelo menos 23 ocorrências contra três dos rapazes, informou o delegado Laércio Evangelista.

Contra eles pesam denúncias de arrombamentos, roubos e assaltos. Dois já chegaram a passar 45 dias internados no Centro Educacional Masculino (CEM) em Teresina. O histórico de um dos adolescentes suspeitos não foi confirmado.

Apenas um dos menores ainda frequentava a escola, mas de forma esporádica. Todos são de famílias com problemas, cujos pais estão desempregados ou consomem álcool em excesso e outras drogas.

O G1 voltou à cidade de Castelo e conseguiu falar com alguns familiares e professores dos adolescentes. Os nomes marcados com asteriscos foram trocados para preservar as identidades dos adolescentes.

Uso de drogas
Gabriel*, 17 anos, o mais velho dos quatro jovens, dividia a casa simples com cinco irmãos, o padrasto e a mãe grávida de três meses. Uma irmã de 15 anos também é gestante e mora com o namorado na cidade vizinha de Juazeiro do Piauí, a menos de 30 km de distância. A renda da família é a aposentadoria do irmão mais velho, que tem problemas mentais, e mais R$ 270 do Bolsa Família.

Mãe de um dos adolescentes diz que após o crime é apontada na rua pela população (Foto: Patrícia Andrade/G1)Mãe de um dos adolescentes diz que, após o crime, é apontada na rua (Foto: Patrícia Andrade/G1)

A residência simples fica no bairro Refesa, periferia da cidade. Na sala, um sofá velho, algumas cadeiras de espaguete e a televisão na qual Gabriel gostava de ver filmes e desenhos animados. Era nesse cômodo que ele dormia em uma rede quando a polícia o apreendeu na madrugada seguinte ao crime.

“Eu também estava dormindo, e ele foi me chamar quando a polícia bateu na porta. Perguntei o que ele tinha feito daquela vez. Ele não respondeu. Levaram ele e eu não fui, porque todo mundo estava querendo matar ele”, disse a mãe. O menino já tinha 7 passagens pela polícia.

Casa onde um dos menores mora fica a menos de 1 km do local do crime (Foto: Patrícia Andrade/G1)Casa onde um dos menores mora fica a menos de
1 km do local do crime (Foto: Patrícia Andrade/G1)

Eliane*, 35 anos, conta que o filho “se desviou” quando tinha apenas 13 anos de idade. Largou a escola no 3º ano no ensino fundamental. O único documento que tem é a certidão de nascimento que está com as autoridades desde o dia em que foi apreendido. A mãe disse que sabia que ele usava drogas, mas não tinha ideia de como as comprava.

Gabriel, segundo relatos do Conselho Tutelar, teve várias passagens pela polícia por furtos e roubos. Para a mãe que amamentou o filho até os dois anos de idade, o garoto sempre saía de casa dizendo que ia para o “videogame”.

Eu sabia que ele usava maconha, que fazia coisa errada. Pedia tanto, conversava tanto, mas ele só fingia que ouvia"

Mãe de um dos suspeitos

“Eu sabia que ele usava maconha, que fazia coisa errada. Pedia tanto, conversava tanto, mas ele só fingia que ouvia. As irmãs pequenas chamavam de ladrão, e ele brigava com elas.”

Devota de Nossa Senhora do Desterro, Eliane foi uma das mães que aceitou falar com a reportagem. Nem mesmo a fé que ela diz ter em todos os santos diminui o seu sofrimento. Eliane contou que o pai biológico de Gabriel não mora na cidade e, certa vez, negou a benção ao filho e o chamou de ladrão.

“Só vejo mais sofrimento daqui para frente. Me olham com a cara ruim. Não sou culpada, não posso fazer nada. Eu pedi muito a Deus pelas meninas. Eu não sabia o que estava colocando no mundo”, desabafou.

Pedido de internação 3 dias antes do crime
Ismael*, 15 anos, o mais novo do grupo, já respondia a 13 processos na polícia. Ele vivia com os pais e duas, dos três irmãos, em uma das casas da Rua Pedro II, no Centro de Castelo. Por medo, vizinhos não falam nada sobre o rapaz. Visivelmente abatida e constrangida, a mãe se desculpou dizendo que estava de saída. Horas depois, a reportagem voltou ao local e encontrou o pai de Ismael.

Pai de adolescente suspeito de crime diz que filho fazia 'coisa errada' (Foto: Patrícia Andrade/G1)Pai de adolescente suspeito de crime diz que filho fazia 'coisa errada' (Foto: Patrícia Andrade/G1)

A conversa foi travada por entre as brechas do portão. Joaquim* não relatou muito sobre o filho e disse que estava esgotado de “falar com os jornais”. O senhor, de pele clara e olhos marejados, revelou que Ismael fazia muita coisa errada e que, por muitas vezes, o alertou que a “vida não era uma brincadeira”.

“Não errei na educação dele. Não sei se ele está envolvido, mas se tá, alguém vai saber, e ele vai pagar”, falou.

Rua onde fica a casa que adolescente estava escondido quando foi preso (Foto: Patrícia Andrade/G1)Rua da casa onde adolescente estava escondido
quando foi apreendido (Foto: Patrícia Andrade/G1)

Como quem quisesse encerrar a diálogo, Joaquim sugeriu que a reportagem falasse com a mãe do garoto e levou a equipe até outra casa, que segundo ele, é a moradia oficial da família. “Essa casa a minha irmã deu para nós morarmos”, falou. A cerca de quatro quarteirões ficava a outra residência, local onde Ismael foi apreendido hora depois do crime.

Ao longe, Pâmela* (a mãe) avistou a reportagem e reagiu com agressividade diante da possibilidade de ser entrevistada. Desempregada, ela passa o dia em casa cuidando dos dois filhos pequenos. A renda da família não chega a R$ 900.

Ismael foi matriculado na Unidades Escolar Conêgo Cardoso, mas já estava sem frequentar a escola há mais de um ano. Segundo a diretora, o menino sempre se mostrou agressivo e desobediente e era usuário de drogas. A primeira passagem pela polícia aconteceu quando ele tinha apenas 8 anos.

Os pais eram constantemente chamados no colégio, mas conforme a diretora, algumas vezes a mãe chegou a insinuar que a direção e professores já tinham uma “cisma” com o filho.

O Conselho Tutelar entregou um relatório ao Ministério Público três dias antes do crime solicitando a internação do rapaz. Ele, de acordo com o conselheiro Francisco Alberto, era reincidente na prática de furtos e roubos, inclusive usando armas brancas.

Envolvido no arrombamento à própria escola
Jackson*, 16 anos, era o único dos quatro adolescentes que ainda tinha vínculo com a escola. A última vez em que esteve na sala de aula foi um dia antes do crime, 26 de maio. Aluno de uma turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA), ele cursava a 4ª série (referente aos 6º e 7º anos no ensino fundamental).

Escola onde os meninos estudavam também mantém faixa de luto (Foto: Patrícia Andrade/G1)Escola onde os meninos estudavam também mantém faixa de luto (Foto: Patrícia Andrade/G1)

Conforme a diretora, não era um mau aluno em se tratando do aproveitamento em sala de aula, mas seu comportamento deixava a desejar. No diário da escola, só nos primeiros meses letivos foram duas suspensões por indisciplina e por ter se ausentado da escola sem permissão.

Em 2014, Jackson chegou a ser denunciado na delegacia por invadir com outros jovens a escola, arrombar a cantina e roubar merenda e alguns aparelhos. Um ano depois, seu nome estaria associado a um dos crimes mais bárbaros da história de Castelo do Piauí. Três processos contra ele foram abertos na polícia.

A família de Jackson é uma das poucas assistidas pelo Conselho Tutelar em Castelo. A mãe tem problemas mentais e o pai é alcoólatra. Os dois não moram mais na mesma casa. Ninguém da família aceitou falar com reportagem.

Pai alcoólatra e mãe com problemas mentais
Benício*, 15 anos, é o último dos quatro garotos tidos pela população e autoridades policiais como problemáticos e reincidente na prática de furtos e roubos a comércios e casas. Os pais também não quiseram ter contato com a reportagem.

Delegacia de Castelo do Piauí tem vários registros contra os quatro adolescentes (Foto: Patrícia Andrade/G1)Delegacia de Castelo do Piauí tem vários registros
contra os adolescentes(Foto: Patrícia Andrade/G1)

Um vizinho do menino, que terá a identidade preservada, contou que o histórico do rapaz pelo mundo da criminalidade era de conhecimento de todo o bairro.

“A família é toda desajustada. A mãe não bate bem da cabeça. O pai bebe e trabalha vendendo peixe na rua. O menino era um problema”, contou.

A impressão que o vizinho tem de Benício é a mesma de educadores que tiveram contato com ele na escola. Conforme a diretora Socorro Soares, nos anos em que frequentou o colégio, a mãe era constantemente chamada para conversar.

“Ele sempre se mostrou agressivo e arredio”, resumiu.

A família fez inúmeras visitas ao Conselho Tutelar. A primeira infração cometida por Benício aconteceu quando ele tinha 12 anos. Na casa, segundo o conselheiro, são mais dois irmãos. O pai bebe e usa drogas ilícitas e sempre que era chamado no Conselho chegava alcoolizado.

“Todos os encaminhamentos que o Conselho pôde fazer para esta família foram feitos. Eles passaram por psicólogos e assistentes sociais, mas nunca levaram à sério”, disse Francisco Alberto.

Quando tudo aconteceu (o crime), me senti falho. Deu vontade de voltar no tempo e fazer um pouco mais (pelos adolescentes)."

Faustino Ribeiro Silva Junior, coordenador de projeto social

Meninos frequentaram projetos sociais
Os quatro adolescentes suspeitos de participação no estupro coletivo chegaram a frequentar as atividades da Associação da Juventude de Castelo do Piauí (Ajuca). De acordo com o coordenador Faustino Ribeiro Silva Junior, os meninos foram perdendo o vínculo com o projeto em 2012 e, diante da omissão da família, ficou difícil dar continuidade ao trabalho.

“Quando tudo aconteceu (o crime), me senti falho. Deu vontade de voltar no tempo e fazer um pouco mais (pelos adolescentes). Para mim a ficha não caiu ainda. Acredito que eles foram influenciados pelo maior de idade. Nunca presenciamos algo parecido aqui em Castelo", disse Faustino.

O caso abateu educadores, assistentes sociais e monitores que trabalham diariamente com menores em situação de vulnerabilidade. No entanto, todos acreditam se tratar de um fato isolado.

A cidade mantém o Programa Juventude e Cidadania e parcerias com o Instituto Ayrton Senna, Instituto Probem, Fundação Banco do Brasil e Programa Amigo de Valor do Banco Santander. São cerca de 500 menores em situação de vulnerabilidade encaminhados pela escola ou Conselho Tutelar e assistidos pelo poder público municipal por meio dessas ações.

Na contramão dessa iniciativa, uma cidade refém da insegurança. Apenas três policiais militares são lotados no batalhão, e o delegado responsável por Castelo do Piauí atende pelo menos outros seis municípios vizinhos.

Processo em segredo de justiça
Com base no material da polícia, o Ministério Público Estadual representou os quatro adolescentes. Todos estão no Centro de Internação Provisória (CEIP) em Teresina e foram ouvidos pela justiça na quinta-feira (11).

O prazo máximo para o processo ser concluído, e serem definidas as medidas para os menores, é de 45 dias. Por se tratar de adolescentes, tudo corre sob segredo de justiça.

Caso sejam considerados culpados, eles cumprirão medida socioeducativa pelos atos infracionais equivalentes aos crimes de estupro, tentativa de homicídio e associação criminosa. O prazo máximo de internação estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é de três anos.





Fonte: Do G1

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